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Pesquisadores da UFSCar integram equipe que analisará tragédia do Rio Doce

Estudos indicam que a qualidade da água e das comunidades aquáticas da região sofreram danos irreversíveis

UFSCar Sorocaba
Divulgação

Pesquisadores da UFSCar coletam amostras da água contaminada do Rio Doce, em Minas Gerais

No dia 5 de novembro de 2015 o Rio Doce, em Mariana, Minas Gerais, teve 63 milhões de metro cúbicos de lama com resíduos tóxicos são despejados no leito do rio, a partir do rompimento de barragem da mineradora Samarco, destruindo povoados inteiros com danos sociais, ambientais e econômicos ainda incalculáveis. O estouro da Barragem do Fundão, em Mariana (MG), de propriedade da Samarco Mineração S.A., uma joint venture entre as gigantes do minério Vale e a anglo-australiana BHP Billiton, devastou matas ciliares, soterrou casas e seus moradores, impactou na fauna e na flora da região e contaminou a água. Matou um rio com quase mil quilômetros de extensão.

Os impactos ambientais – principalmente no que se refere à contaminação da água e o comprometimento das comunidades aquáticas – dessa que é considerada uma das maiores tragédias naturais da história do País são tema de estudo desenvolvido por um grupo de pesquisadores do Centro de Ciências Humanas e Biológicas (CCHB) do Campus Sorocaba da UFSCar, entre eles o professor André Cordeiro, do Departamento de Biologia (DBio). Após a catástrofe, Cordeiro já esteve por duas vezes na região colhendo amostras de água desde antes do local do derramamento até a foz do Rio Doce, já no estado do Espírito Santo.

“Em dezembro de 2015, um mês após a tragédia, percorremos os mil quilômetros de extensão do Rio Doce, desde a cabeceira até a sua foz, e o cenário é comparável aos de guerra. Pelo menos três povoados com cerca de 900 habitantes desapareceram engolidos pela lama, todos os pescadores estão sem trabalho e os esforços de reconstrução são lentos. Isso para ficarmos nos impactos sociais mais evidentes”, relata o professor da UFSCar.

Nessa primeira visita, foram coletadas amostras de água de 17 pontos diferentes do rio e os resultados das análises iniciais não são nada animadores. “Primeiro, antes dos resultados das análises das amostras, já sabíamos que toda a população de peixe havia sido extinta; não há mais peixe em toda a extensão do rio e a pesca está proibida. Além disso, já pudemos constatar que a comunidade bentônica [micro-organismos que vivem no fundo do rio] também sofreu enorme impacto. Só a partir do meio do rio, algumas espécies, daquelas mais resistentes, foram encontradas”, afirma Cordeiro.

De acordo com estudiosos da área, entre as comunidades que habitam os ecossistemas aquáticos, a bentônica é uma das mais diversificadas, pois nela são encontradas espécies de diversos filos do reino animal. Esses organismos têm recebido maior atenção nas últimas décadas, devido à sua importante participação nos processos ecológicos, particularmente no fluxo de energia e na ciclagem de nutrientes nos sistemas aquáticos. Por exemplo, eles desempenham papel na troca de fósforo e nitrogênio entre o sedimento e a água; e por meio da atividade de escavação e da decomposição da matéria orgânica, reduzem o tamanho das partículas, contribuindo para a liberação de nutrientes do sedimento para a coluna d’água.

A lama com resíduos tóxicos afetou também os micro-organismos que vivem boiando na superfície do rio – os chamados fito e zooplâncton. “Outra comunidade completamente destruída; e como esses micro-organismos são a base da cadeia alimentar aquática, os efeitos de sua destruição afetam todo o ecossistema”, lamenta o pesquisador. “Identificamos na água e nos organismos vivos uma concentração de metais tóxicos 400 vezes maior que o recomendado. Assim, é possível ter uma ideia de quanto a biodiversidade foi atingida”, diz ele.

A segunda visita de Cordeiro ao Rio Doce foi realizada na primeira semana do mês de abril e resultou na coleta de amostras de água em 20 pontos diferentes. Os dados das análises, no entanto, ainda não foram sistematizados. “Considerando apenas nossa percepção ambiental, foi possível notar alguma melhora na transparência da água em determinados pontos que já recebem maior penetração de luz. Porém, não sabemos mensurar se houve impactos positivos também nas comunidades de seres vivos que habitavam a região. O que temos convicção é que jamais o rio voltará a ser como antes; pode haver alguma melhora, mas os danos referentes à pavimentação do leito do rio, perda da biodiversidade, redução da fertilidade, contaminação do ambiente e do lençol, são severos e nunca serão revertidos por completo”, lamenta Cordeiro.

Além dessa triste constatação, a tragédia tem outras faces alarmantes. Ao longo da extensão do rio, existem 41 cidades (sem contar vilarejos e povoados) e, desse total, 20 usavam a água do Rio Doce para abastecimento público. Água que, hoje, está 100% imprópria para uso. O problema de abastecimento está longe de encontrar uma solução. Grande parte da lama derramada acumulou-se nas margens do rio e, em período de fortes chuvas, os dejetos voltarão a invadir o leito. “Há muita lama para ir para dentro do rio por muitos anos”, alerta o pesquisador. A cidade de Regência (ES), onde está a foz do Rio Doce, viu seu potencial turístico desaparecer; os surfistas sumiram e praticamente todas as pousadas da cidade fecharam as portas. “São perdas de toda ordem que levarão décadas para serem, ao menos, minimizadas”, finaliza o professor.

Grupo GIAIA

Os estudos do professor Cordeiro integram os esforços de pesquisa do Grupo Independente de Avaliação do Impacto Ambiental (GIAIA), um coletivo científico-cidadão que se organizou pela Internet para executar uma análise colaborativa dos impactos ambientais resultantes do rompimento da barragem de rejeitos de responsabilidade da Samarco.

O grupo foi formado diante do fato de que as primeiras informações veiculadas sobre a toxicidade dos rejeitos carreados para os rios da bacia do Rio Doce eram conflitantes. A partir disso, consolidou-se a ideia da criação de um grupo autônomo de pesquisadores para realização de uma avaliação, independente de influências financeiras e políticas, dos impactos ambientais decorrentes do incidente. Além da avaliação independente, ampla e interdisciplinar, baseada nos princípios da ética e do rigor científico, o projeto criou uma plataforma aberta para o compartilhamento dos dados e resultados das pesquisas.

O objetivo do GIAIA é produzir estudos dedicados à caracterização, documentação e quantificação de danos causados pelo rompimento da barragem, colocando à disposição da sociedade, de forma clara e transparente, informações científicas que possam servir de subsídios para processos judiciais; auxiliar na valoração dos impactos ambientais; auxiliar na definição de medidas de recuperação, mitigação e compensação ambiental; e contribuir com o debate e aprimoramento dos processos de avaliação de impacto ambiental e de projetos (licenciamento ambiental).

Atualmente, o GIAIA, que agrega pesquisadores de diferentes universidades e instituições de pesquisa do Brasil, conta com os seguintes grupos de trabalho, no esforço de produzir conhecimento científico sobre a tragédia do Rio Doce: Águas e Comunidades Aquáticas; Análises Geoquímicas e Toxicológicas; Base cartográfica; Bioinformática; Dimensões Humanas e Questões Ambientais Associadas; Flora; Herpetologia (estudo dos répteis e anfíbios); Ictiofauna (conjunto de peixes da região); Invertebrados terrestres; Mastozoologia (estudo dos mamíferos); Microbiologia; Ornitologia (estudo das aves); e Documentação sobre o Licenciamento Ambiental.

“Assim, produzimos, disseminamos e valorizamos o conhecimento científico, no sentido de empoderar o cidadão, estimular o pensamento crítico e fortalecer outros atores da sociedade para o processo de discussão e tomada de decisão relativa ao desastre socioambiental do Rio Doce”, conclui o professor da UFSCar. Todos os estudos, análises e resultados já desenvolvidos pelo GIAIA estão disponíveis no site giaia.eco.br.

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