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Futebol de base: O futuro quer ser visto agora

Sorocaba tem 30 escolinhas de futebol e garotos esperando a chance de brilhar, mas enquanto a Prefeitura e clubes de várzea não priorizarem categorias de base, o futuro continuará nas mãos da sorte

Paulo Andrade/Revista Ponto de Fusão
Foguinho/Imprensa SMetal

Uma das escolinhas gratuitas de futebol em Sorocaba é a Casa Verde, que fica no bairro Aparecidinha

Sorocaba tem mais de 30 escolinhas dedicadas ao ensino do futebol de campo para crianças e adolescentes. Esse número inclui sete unidades em centros esportivos, 15 filiadas à Associação Regional dos Clubes Dente de Leite, cinco da Associação Bola da Vez e duas do Craque do Amanhã, além de outras sem relação com nenhuma das iniciativas.

As escolinhas dos centros esportivos e do Bola da Vez são vinculadas à Secretaria de Esportes (Semes) e gratuitas. O projeto Craque do Amanhã, mantido por um empresário local, também não visa lucro e as aulas de futebol são gratuitas.

A maior parte das escolas ligadas à Associação Dente de Leite é particular. Mesmo assim, muitas delas têm caráter social e não cobram mensalidade. Sobrevivem da contribuição espontânea dos pais e da eventual ajuda de comerciantes dos bairros para cobrir custos com transporte, organização, arbitragem e outras despesas de participação em campeonatos na região.

Das particulares, as que cobram dos alunos mensalidades e taxas obrigatórias de participação em competições, em boa parte são aquelas chamadas de franquias, que carregam o escudo de grandes clubes profissionais.

Sorocaba, segundo o presidente da Associação Dente de Leite, Edgard Sérgio Longo, tem franquias de cinco clubes: São Paulo, Corinthians, Palmeiras, Santos e Ponte de Preta.

Somente os campeonatos anuais realizados pela Associação reúnem 2.500 crianças e adolescentes de 7 a 17 anos de idade, o que dá uma dimensão dos jovens pretendentes a craques em Sorocaba e cidades próximas.

Outra opção para meninos e meninas que sonham em encantar torcidas é o futebol de salão, o futsal, que também tem tradição em Sorocaba e ganhou novo impulso com a vinda da equipe-empresa Brasil Kirin, que tem o ídolo Alessandro Falcão no seu elenco.

Críticas à prefeitura

Em relação à prefeitura, uma crítica constante apurada pela reportagem é a falta de empenho político para promover o futebol infanto-juvenil. Há décadas não existem campeonatos municipais de futebol de campo para categorias de base. E essas competições são essenciais para revelar novos talentos, na avaliação dos entrevistados.

No máximo, a prefeitura firma parcerias com copas de futsal organizadas por grandes veículos de comunicação. O mais tradicional é o Cruzeirinho. “Mas se acabar o apoio do jornal Cruzeiro do Sul, acaba a competição”, afirma Doraci Sola Galera, o Dorinha, jornalista esportivo da cidade com 35 anos de profissão.

Uma limitação desse modelo de torneio é que a iniciativa de uma mídia não é divulgada pela concorrente.

Dorinha: “Os clubes de várzea, de uns tempos pra cá, contratam jogadores de fora da cidade apenas para ganhar taças e não se dedicam à formação e revelação da molecada dos bairros”

Mesmo no futsal, os Jogos Escolares de Sorocaba (JES), promovidos pelo município e que têm participação de escolas públicas e privadas, são pouco divulgados e realizados em horários nos quais os atletas mirins raramente contam com público para prestigiá-los.

No setor privado, segundo a Secretaria da Fazenda, Sorocaba conta com 50 clubes sociais ou recreativos e 88 estabelecimentos de ensino de esportes. Mas não é possível distinguir quais oferecem aulas de futebol de salão ou de campo.

Sem espaço na várzea

Outra reclamação recorrente é a falta de espaço nos clubes de várzea para os jovens talentos. “Atualmente tem time varzeano com mais recursos que os clubes profissionais da cidade. Mas só investem em equipes de veteranos para ganhar aquele monte de troféus municipais destinados para equipes de jogadores mais velhos”, critica Dorinha.

“Os clubes de várzea, de uns tempos pra cá, contratam jogadores de fora da cidade para ganhar taças e não se dedicam à formação e revelação da molecada dos bairros”, afirma o jornalista.
Sérgio, da Associação Dente de Leite, concorda e é taxativo sobre o tema: “Não apenas sou contra esse negócio da várzea contratar jogadores de fora da cidade como luto contra isso há anos. E falta mesmo apoio da prefeitura para desenvolver a garotada da base”.

Função social

Além de presidir a Associação Dente de Leite, Sérgio mantém, há 15 anos, a escolinha gratuita de futebol Casa Verde, no bairro Aparecidinha.

As instalações humildes da Casa Verde, um campo de terra bem conservado, não impediram a iniciativa de revelar jogadores para times profissionais. “Aqui o garoto aprende dominar a bola, fazer passes, lançar e defender, e quando vai disputar a partida em um bom gramado, ele arrasa”, garante Sérgio.

Antes de ser o centro de treinamento, o local era um terreno abandonado, “um verdadeiro lixão”, afirma Leonil, proprietário de um sorveteria no bairro e treinador voluntário na escolinha.

Sérgio acredita que sua iniciativa cumpre tripla função social: ensinar um esporte, incentivar o estudo [as notas escolares são levadas em contas na preleção para torneios] e ocupar um espaço público que antes representava um transtorno para os moradores.

O treinador procura não diminuir o papel das franquias de grandes clubes, que são filiadas à sua associação, mas esclarece que o sucesso do jovem jogador independe das condições financeiras dos pais.

O Centro de Futebol Dimas (CF Dimas), no Cajuru, foi fundado há 15 anos, tem atualmente 60 alunos e também não cobra mensalidade. A exemplo da Casa Verde, sobrevive da colaboração voluntária de pais de alunos e parcerias com pequenos empresários e organizações sociais, como o SMetal.

Na década de 70, Dimas, dono da escolinha, jogou como ponta direita em clubes como Bragantino, Ituano, Portuguesa Santista, Paulista de Jundiaí e São Bento de Sorocaba. Há 25 anos ele se dedica ao ensino do esporte para crianças e jovens.

Dimas, 58 anos de idade, é irmão de Ademir de Barros, o Paraná, um dos principais destaques do futebol sorocabano de todos os tempos, que jogou no São Bento, no São Paulo e na seleção brasileira nos anos 60, ao lado de Pelé, Garrincha e outros autênticos fenômenos do esporte.

Futebol e cidadania

O Craque do Amanhã existe desde 2008 e tem mais de 200 crianças inscritas. O projeto mantém duas unidades em Sorocaba, a da Vila Haro, que tem função social e prepara os meninos para iniciar trajetória no esporte; e a unidade da Rua Aparecida, que treina as categorias de base.

De acordo com o professor Flávio Ribeiro, apesar do projeto fornecer atletas para times profissionais [até o ano passado treinava a base do Esporte Clube São Bento], a iniciativa visa acima de tudo formar cidadãos.

“Independente de se profissionalizar como jogador, o garoto sai daqui com disciplina, boas notas na escola [exigência do projeto] e espírito de equipe. Sai em condições de ser um cidadão do bem em qualquer área de trabalho”, afirma Flávio.

O projeto é custeado pela empresa JC Morais e, eventualmente por verbas federais de incentivo ao esporte, mas está em busca de novos parceiros para cobrir despesas, inclusive com uniformes para os garotos, e ampliar seu alcance.

Sorocaba na camisa

Faz dois anos que o Craque do Amanhã leva o nome de Sorocaba para os Jogos Regionais e os Jogos Abertos. Em 2014 o time sub-20 foi campeão dos Jogos Regionais e conquistou o terceiro lugar nos Jogos Abertos. Este ano foi vice-campeão nos Regionais e inicia os Jogos Abertos em dezembro.

Desde 1954 os Jogos Abertos não são realizados em Sorocaba por falta de adesão da administração municipal.

Olheiros podem estar em qualquer lugar

Para o professor Flávio Ribeiro, os olheiros de clubes profissionais procuram potenciais talentos em todas as oportunidades possíveis, inclusive em treinos e peneiras; mas os campeonatos de base facilitam o trabalho deles.

“Tem mais possibilidade de encontrar futuros craques em jogos competitivos, onde o atleta mostra suas qualidades individuais e em grupo; e também sua capacidade de se adaptar a situações adversas. Mas isso não é uma regra absoluta”, pondera Flávio.

Sérgio Longo, da Associação Dente de Leite, recomenda ao jovem atleta que, ao pisar no campo, mesmo nos treinos, demonstre garra, que acredite em cada jogada. “Se não tiver foco, disciplina e vontade cada vez que a bola está rolando, fica mais difícil evoluir e ser descoberto”, ensina.

Para Dimas, do CF Dimas, para se destacar o candidato a profissional precisa, além de ser bom de bola, ter comprometimento. Não pode faltar aos treinos, tem que se dedicar e atuar em campo com muita vontade, pois ele pode estar sendo observado em qualquer espaço de jogo. “Mas ter um pouco de sorte também ajuda”, segundo o treinador.

Já o professor Flávio não acredita em sorte. “Se ele tiver que ser profissional vai ser, mas tem que se dedicar ao esporte sem deixar de estudar. Tem jogador que é habilidoso, mas, quando vamos passar um treino tático ele não entende. Tem que ter talento e inteligência”.

Meninos esperam a vez de entrar em campo durante treinamento na Casa Verde, em Aparecidinha

O pretendente a profissional precisa também ser perseverante. “Tem menino que vem a pé de longe para o treino porque não tem dinheiro para o ônibus. Às vezes a família faz sacrifício pra ele ir fazer avaliação em outras cidades. E o jovem atleta pode ser reprovado várias vezes antes de dar certo”, afirma Flávio.

A difícil questão dos contratos

Dimas, do CF Dimas, sente desgosto ao ver o esporte popular se transformar cada vez mais em mero produto comercial. Ele diz que o “futebol de negócios” já atingiu as bases da modalidade esportiva. “A maioria dos clubes hoje, principalmente os pequenos, terceiriza o recrutamento de jogadores da base”.

“Esses empresários é que estragaram mais o futebol da gente [do Brasil]. Nós, das escolinhas, trabalhamos anos pra formar os meninos e chega o olheiro de um empresário, oferece R$ 1 mil para o pai do garoto, e leva o jovem atleta embora [para depois negociar o contrato do garoto com algum clube]”, critica Dimas.

Flávio concorda. “A escolinha pode até fazer um contrato com o menino, mas o time grande chega, questiona a validade do contrato porque o atleta tem menos de 16 anos, assedia o menino e a família e leva o jogador embora”.

Talentos revelados

A conclusão dos treinadores é que o caminho para a profissionalização quase nunca é fácil. Além do talento do atleta, envolve questões que vão desde a dedicação do jovem e o apoio da família até as complicadas relações contratuais com os clubes, com os agentes e com empresas terceirizadas que vivem da venda de jogadores.

Mesmo assim, vários meninos de Sorocaba têm tornado realidade o sonho de sobreviver financeiramente do futebol de campo.

Sérgio, da Casa Verde, cita cinco jovens que seu projeto revelou para o futebol profissional: Everton, meia-atacante da Chapecoense (SC); Bruno, meia-esquerda que estava no Náutico (PE), mas faleceu devido a problemas cardíacos; Caíque, centro-avante canhoto que passou pelo Botafogo de Ribeirão Preto e hoje está no Atlético Paranaense. Com 20 anos de idade, Caíque inclusive foi o autor do gol da vitória do Botafogo sobre o São Bento, no estádio do CIC, em Sorocaba, pela Copa Paulista no final de 2014.

“Temos ainda um atleta nosso, o Luiz Eduardo, de 16 anos, centro avante destro, famoso ‘canelinha de sabiá’, que assinou agora contrato com a Inter de Limeira; e o Guilherme Lisboa, centro avante nato, canhoto, que está na base da Ponte Preta, em Jaguariúna”, conta Sérgio.

Pelo CF Dimas passaram outros dois jogadores que hoje atuam em times profissionais: Leandro Silva, lateral direito do Figueirense; e Tiago Adan, atacante do Criciúma (SC); “além de vários meninos que estão iniciando carreira em times de base”, garante Dimas.

Um dos jogadores sorocabanos mais noticiados pela imprensa nos últimos anos, Rafael Cabral, goleiro do clube italiano Nápoli, teve uma trajetória diferente. Hoje com 25 anos, ele começou no futsal aos seis anos. Atuou pela ADPM (Associação Desportiva da Polícia Militar). Aos 11 anos, após migrar para o futebol de campo, bateu na porta do Centro de Treinamento do São Paulo, em Cotia, onde foi aceito na equipe de base do tricolor.

Dispensado pelo São Paulo, foi para o Interclube de Itu, depois Bahia, Ituano e, com 16 anos de idade, foi contratado pelo Santos, de onde partiu, em 2013, para atuar no time italiano. Rafael foi convocado para a seleção brasileira quatro vezes desde 2012.

Relação de escolinhas

CENTROS ESPORTIVOS
• Vila Gabriel • Brigadeiro Tobias • Maria Eugênia • Vila Angélica • Jardim Simus • Santa Terezinha • Jardim Luciana Maria (No Luciana Maria, as aulas de futebol da prefeitura acontecem na Ucens – União Cultural Esportiva Nipo-Brasileira de Sorocaba)

BOLA DA VEZ
• Jardim Betânia • Sol Nascente • Laranjeiras • Nova Sorocaba
• Jardim Santo Amaro • Jardim Betânia
www.facebook.com/Associação-Bola-da-Vez

CRAQUE DO AMANHÃ
• Vila Haro • Vila Santana (Campo de Futebol do Estrada)
www.facebook.com/Craque-do-Amanha

CF DIMAS (Cajuru)
www.facebook.com/centrodefutebol.dimas

ASSOCIAÇÃO CLUBES DENTE DE LEITE
facebook.com/AssociacaoRegionalDeClubesDenteDeLeite

FRANQUIAS
São Paulo – www.saopaulofcsorocaba.com.br
Corinthians – www.chuteinicialsorocaba.com.br
Palmeiras – www.facebook.com/Academia-Palmeiras-Caca-e-Paulinho
Santos – www.meninosdavilasorocaba.com
Ponte Preta – www.facebook.com/escolinhapontepretasorocaba

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