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Economia doméstica em tempos de crise

Com o aumento do custo de vida, é preciso agir com serenidade para fazer a renda durar até o final do mês. Segundo especialistas, algo bom pode surgir do aperto: um hábito de consumo mais consciente

Paulo Andrade/Revista Ponto de Fusão
Divulgação

O diálogo com a família e a organização das contas domésticas são essenciais

Desde o início dos anos 2000 os brasileiros não sabiam o que era uma crise. Existe uma geração inteira que nunca tinha vivido em um cenário de demissões em massa, recessão, inflação próxima de dois dígitos no ano e alta acelerada do dólar. Termos que eram comuns nos noticiários das décadas de 80 e 90.

A partir de 2008, com base em problemas econômicos dos EUA e da Europa, a imprensa passou a anunciar o início no Brasil de uma crise inexistente, como se apostasse no pessimismo para conquistar audiência e desgastar o governo do PT, que jamais agradou aos donos das grandes mídias e seus parceiros políticos e comerciais daqui e do exterior.

De tanto ser chamada, a crise veio. Houve erros do governo federal que colaboraram para a instalação dela, mas o clima antecipado de instabilidade plantado por opositores potencializou os riscos.

“O mercado sente os humores da sociedade, percebe a insegurança gerada pelo noticiário. O mercado, apesar de ser uma figura abstrata, fica desconfiado e responde ao clima negativo com cortes de investimentos. O resultado é a retração da economia”, explica o economista André Corrêa Barros, auxiliar técnico da subseção do Dieese no SMetal Sorocaba.

Mas, enfim, agora a prioridade é superar a crise, começando pelo orçamento doméstico. Afinal, com a alta de preços e das tarifas públicas, os salários duram cada vez menos. E apelar para os juros imorais dos bancos só agrava o problema.

Para arcar com as despesas sem acumular dívidas impagáveis, o jeito é procurar se organizar e se tornar um consumidor mais consciente.

As dicas convencionais de economia familiar, como pesquisar preços, fazer a contabilidade familiar e fugir dos créditos rotativos dos cartões, funcionam bem. Mas não bastam.

“O ideal é que a organização das contas pessoais, a postura equilibrada diante das tentações de consumo e o combate ao desperdício sejam adotados o tempo todo, independente das condições econômicas do país. Mas em um quadro de crise essas recomendações adquirem caráter emergencial”, afirma André.

Solução em família

O psicanalista sorocabano Ricardo Dih Ribeiro vai lançar em dezembro seu segundo e-book, chamado Movimento Selfie, que trata das relações interpessoais e inclui a influência do consumismo na vida das pessoas.

Ele ressalta que, para o controle do orçamento doméstico, deve haver diálogo, união, compreensão e colaboração entre os integrantes da família.

Os membros da família devem aceitar que a renda familiar é de X, e que não dá pra extrapolar esse X.

Mas o controle das finanças não pode se tornar motivo para desentendimentos constantes. Não é incomum os problemas financeiros serem responsáveis por casamentos desfeitos.

“Uma forma de deixar o ato de economizar mais atraente é elaborar metas. As pequenas economias mensais podem virar uma viagem de férias, um bem de consumo desejado por todos ou um final de semana especial. Assim todos os integrantes terão mais força de vontade para economizar, visando o prêmio pelo sacrifício”, recomenda André.

Falsa renda

André explica que os principais vilões da economia doméstica são o cartão de crédito e o cheque especial. “Esse tipo de crédito te oferece um aumento de renda que não existe. A pessoa tem um salário de R$ 3 mil, por exemplo. O limite do cartão dela é de R$ 3 mil e ela tem um cheque especial de R$ 1 mil. Ela tem a impressão que ganha R$ 7 mil. Mas não é verdade. Ela vai pagar caro por essa ilusão”, esclarece.

No fim das contas, o trabalhador vai usar parte da renda que realmente tem para pagar os juros sobre aquilo que acreditava ter.

Os juros do cartão de crédito giram em torno de 368,27% ao ano, segundo a Associação Nacional dos Executivos em Finanças (Anefac). Por mês o usuário paga, em média, 13,78% sobre o valor da compra, além das taxas de manutenção.

No cheque especial, segundo a Fundação Procon, o correntista paga 12,4% de juros ao mês, em média; ou 306,62% no ano. Enquanto isso, a inflação, medida pelo INPC/IBGE, deve fechar 2015 na faixa dos 10%.

“O trabalhador tem todo o direito de satisfazer suas necessidades de lazer e consumo extra. É saudável e ajuda a fazer a roda da economia girar. O que se recomenda é consumir de forma consciente e responsável”, pondera Sílvio Luiz Ferreira da Silva, diretor Executivo de SMetal e Secretário de juventude da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT (CNM).

Para Silvinho, como é conhecido, a classe trabalhadora conseguiu realizar vários sonhos de consumo nos 12 anos anteriores a 2015. “Mas o momento agora requer cautela para o trabalhador não se perder em dívidas até que a economia ganhe novo impulso”, afirma.

Para entender o consumismo

O psicanalista Ricardo trabalha o conceito da compensação para analisar o consumismo. “O sistema natural do ser humano busca a homeostase, o equilíbrio. Esse equilíbrio é efêmero. Tem que ser administrado constantemente. Nossos conflitos cotidianos fazem parte desse conceito e a pessoa busca uma compensação para retomar o equilíbrio. Tem pessoa que o procura nas compras. Nesse caso está tentando suprir uma emoção que não desenvolveu de maneira adequada”.

Ele dá um exemplo: “Às vezes a pessoa trabalha a semana toda em um trabalho que não gosta. Aí ela tenta compensar o desprazer extrapolando nos gastos de fim de semana”. O lazer, que é para ser saudável, deixa de ser porque se torna a compensação de algo desagradável que ela não consegue administrar.

“A neurociência diz que 90% dos nossos processos neurológicos são inconscientes. Temos 10% de participação consciente. Tomando a compra como exemplo, o quanto da minha atitude é consciente? Eu me perguntei por que eu quero comprar isso? Vai servir para quê? É para suprir uma necessidade real ou é uma compensação?”, questiona o psicanalista.

Armadilhas

A propaganda sabe que o consumismo é emocional. Por isso carrega os anúncios com mensagens emocionais: Compre isso para se sentir melhor! Compre isso para se sentir bem sucedido! “Para se contrapor, você tem que se perguntar: que emoção está ligada à minha vontade de comprar?”, questiona Ricardo.

Ele aconselha a ficar atento à mensagem subliminar da propaganda, que busca nos fazer sentir necessidade de atender ao apelo comercial. “Nós funcionamos por estímulos. Depois de um tempo, o estímulo repetitivo condiciona a agir no modo automático. Por exemplo: quando você está aprendendo a dirigir, o cérebro vai registrando quais são os movimentos para engatar o carro, olhar nos espelhos, dar seta, frear. Isso é consciente. Mas depois que o cérebro está treinado, o consciente não participa mais. Os estímulos externos [visuais ou auditivos] fazem o motorista executar os movimentos automaticamente. Dirigir se torna uma ação condicionada”.

O marketing aproveita-se da ação condicionada. “Algum estímulo vem. Faz com que o cérebro acione uma programação anterior, construída vendo TV, lendo, ouvindo. E você reage comprando o produto por reflexo. O importante nessa hora, voltando para a analogia do carro, é assumir o controle do volante e dirigir consciente, ignorando estímulos de consumo”.

Ter ou ser é a questão

O psicanalista esclarece que, ao despertar a consciência do que significa o valor embutido em cada situação, a pessoa sai do sistema consumista. Ela inicia um processo de percepção do valor real de uso e o valor de status do produto. “O jovem vai comprar um tênis porque é bom e não estraga fácil; e não para mostrar que tem a marca mais cara e badalada, que sugere uma compensação emocional”.

“Não estou fazendo apologia à pobreza. Estou defendendo o equilíbrio, a razão, a satisfação real”, afirma Ricardo.

De acordo com ele, a sociedade capitalista pressiona o indivíduo a valorizar mais o TER do que o SER. “Ao aceitar isso, a pessoa coloca nos objetos sua identidade. Ao invés de buscar seus talentos ou o que realmente a faz feliz, ela elege símbolos. Quando isso acontece, ela não busca mais a felicidade dentro dela, ela busca nos símbolos. O TER se torna mais importante do que o SER”, explica.

Dicas de controle do orçamento em casa

• Cheque especial
Evite ao máximo usar

• Cartão de Crédito
Evite pagar o valor mínimo

• Planilha caseira
Elabore uma planilha com colunas de rendimentos x despesas fixas/gastos variáveis; priorize despesas fixas (água, luz, aluguel, alimentação)

• Dívidas?
Procure renegociá-las

• 13º salário
Tente adiar planos de consumo. Reserve uma parte para abater dívidas. Se possível, guarde uma parte para despesas de início de ano (IPTU, IPVA, volta às aulas).

• Crie rotinas
Planeje cardápios da semana, formas de transporte etc

• Recursos naturais
Utilize de maneira racional – Crie rotinas e limite o tempo de uso: banho, máquina de lavar, secadores de cabelo e aparelhos de chapinha

• Água
Evite lavar calçadas e carros com mangueira (Essa medida tem caráter não apenas econômico, mas também social)

• Energia
Cuidados adicionais: apague luzes de cômodos vazios, não deixe aparelhos ligados à tomada durante a noite (modo stand by consome energia) ou após o carregamento completo de baterias de celulares e notebooks, utilize lâmpadas frias

• Lista de compras
Leve anotado ao supermercado o que precisa comprar

• Alimentos
Alimente-se antes de ir ao supermercado. Estudos comprovam que a sensação de fome induz o cliente a comprar mais do que o necessário

• Pesquise preços
Produtos de maior valor, como móveis, eletrônicos e roupas devem ter preços pesquisados em pelo menos 3 estabelecimentos

• Pagamentos à vista
Sempre negocie um desconto

• Impulsos consumistas
Pratique autocontrole sobre o consumismo (inclusive em compras pela internet)

• Essencial
Envolva toda a família no processo de economia doméstica

Economia doméstica em tempos de crise

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