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Saúde

Santa Casa ficará sem radioterapia por pelo menos mais dois meses

A oferta do tratamento de radioterapia na Santa Casa de Sorocaba -- que atendia a 48 municípios -- não será retomada em menos de 60 dias, podendo ficar suspensa por até 90 dias

Jornal Cruzeiro do Sul
Erik Pinheiro

O último tratamento de radioterapia na Santa Casa de Sorocaba foi finalizado na sexta-feira

A oferta do tratamento de radioterapia na Santa Casa de Sorocaba — que atendia a 48 municípios — não será retomada em menos de 60 dias, podendo ficar suspensa por até 90 dias. A estimativa é do secretário da saúde municipal, Aílton de Lima Ribeiro, que conta com o sucesso de uma tratativa com o centro hospitalar Sociedade Portuguesa de Beneficência de Santos para solucionar o problema. A máquina utilizada nas sessões em Sorocaba foi desligada porque o prazo de validade do material radioativo da pastilha de cobalto do equipamento venceu e há a necessidade de substituição. Agora, a Santa Casa aguarda a chegada de uma pastilha que seria doada pelo hospital santista, mas sem data definida. Enquanto isso, os pacientes serão encaminhados para a clínica sorocabana Nucleon, que mantém convênio com o governo estadual, ou para unidades da Grande São Paulo.

Segundo o gestor administrativo da Santa Casa de Sorocaba, Ramiro Wey, uma média de cerca de 400 pacientes por mês, de Sorocaba e região, era atendida no setor de radioterapia. O último em tratamento foi atendido na sexta-feira (11). O secretário de saúde afirma que a unidade deixou de fazer novos agendamentos seguindo a previsão do fim de vida útil da pastilha. Assim, os pacientes que iniciaram os ciclos de sessões na unidade as teriam terminado no local. Os residentes de Sorocaba, que forem encaminhados para outras cidades, deverão solicitar o transporte da Prefeitura por meio das Casas do Cidadão. Ailton afirma que a responsabilidade pelo encaminhamento dos pacientes é do Departamento Regional de Saúde (DRS) de Sorocaba, do Governo do Estado.

A Secretaria da Saúde do Estado afirmou que está buscando alternativas mais próximas de prestadores do serviço de radioterapia e efetuará a regulação dos pacientes com base na classificação de risco, considerando a proximidade dos serviços como prioridade para pacientes com quadros mais graves e delicados. Estima que, primeiramente, os pacientes da região sejam encaminhados para a empresa Nucleon e, excedendo a capacidade do prestador, pacientes poderão ser encaminhados para a Grande São Paulo.

Pastilha

De acordo com o gestor da Santa Casa Ramiro Wey, uma pastilha nova custa aproximadamente R$ 1,5 milhão, mas atualmente o hospital não teria como adquiri-la por falta de recursos. Ele afirma que a Santa Casa conseguiu a doação de uma pastilha de cobalto da Beneficência Portuguesa e que o transporte da mesma depende de uma série de trâmites burocráticos, como autorização da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), que é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). “Pelo fato da pastilha possuir material radioativo estamos aguardando a autorização da CNEN para que o transporte dela seja feito. Acredito que esse processo deve demorar mais ou menos 30 dias.”

De acordo com o secretário da Saúde, os custos do transporte serão divididos entre a empresa que presta o serviço de radioterapia na Santa Casa e a Prefeitura de Sorocaba, ficando por volta de R$ 100 mil. Segundo o secretário, as tratativas estariam avançadas, mas não formalizadas, sendo que representantes da Santa Casa estariam programando uma visita ao hospital. “É oficial no sentido de que o Hospital Beneficiência Portuguesa de Santos já manifestou seu interesse em doar a pastilha para a Santa Casa”, disse. O dispositivo disponível para doação seria usado e com vida útil restante de 3 anos.

O gestor administrativo da Santa Casa disse que o hospital de Santos tem uma pastilha para doar porque ela não era mais utilizada, uma vez que a unidade já atua com um tipo de equipamento para radioterapia mais moderno, que é o acelerador linear. “A Beneficência Portuguesa já tinha acertado que iria doar a pastilha para o Instituto de Estudos Avançados (IEA), em São José dos Campos, porém entramos em contato com o hospital e pedimos que ela fosse doada para a Santa Casa de Sorocaba, e a daqui iria para o IEA, pois o Instituto iria utilizá-la para pesquisas e não para tratamentos médicos, o que é a nossa necessidade.”

O Cruzeiro do Sul entrou em contato com o hospital santista ontem, mas a assessoria de imprensa do local informou que só poderá se pronunciar sobre a tratativa hoje. Já a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) informou que não possui registro da possível doação a Sorocaba. O que consta em sua base de dados é a intenção de destinação do dispositivo para o Instituto de Estudos Avançados (IEA), em São José dos Campos.

Plano B

De acordo com o secretário Ailton, se a doação santista não se confirmar a Prefeitura estuda um plano B. Esta alternativa seria uma empresa de Bauru que também possui um equipamento do mesmo modelo utilizado em Sorocaba. Nesse caso, as possibilidades seriam de ocorrer uma compra da pastilha ou que a empresa tenha interesse de fazer o serviço em conjunto com a que já opera a radioterapia na cidade.

Acelerador linear

A possibilidade de realizar o tratamento de radioterapia em um acelerador linear não tem data para se tornar realidade em Sorocaba. De acordo com o secretário da Saúde, entre março e abril, deve ser concluída a construção da chamada casamata — espaço com área de 226 metros quadrados que ficará abaixo do nível do solo do hospital e onde o acelerador será instalado. O aparelho não necessita de pastilhas de cobalto, sendo movido a energia elétrica.

De acordo com Ailton, a conclusão do local faz parte das exigências feitas pelo Ministério da Saúde dentro do Programa de Expansão de Radioterapia, para fornecer o equipamento. Outra condição imposta pelo governo federal seria a cidade possuir uma máquina movida a cobalto com pastilha possuindo ao menos 3 anos de validade. Assim — com os dois aparelhos em funcionamento — ficaria caracterizada a expansão da radioterapia e não simplesmente a substituição de um aparelho por outro.

Impasse provoca jogo de empurra-empurra

A crise da radioterapia em Sorocaba deflagrou um jogo de empurra-empurra entre os governos municipal e estadual, que procuram jogar a responsabilidade pela troca da pastilha de cobalto para a outra esfera de governo. Ontem, o prefeito de Sorocaba, Antonio Carlos Pannunzio, se queixou de que já havia comunicado o governo estadual sobre o prazo de validade do dispositivo e afirmou que a responsabilidade sobre os tratamentos de alta complexidade, como oncologia, é do Estado. “Nós avisamos que a vida útil estava se esgotando, o Estado se quedou inerte. E agora, por ação nossa, encontramos uma solução”, disse. Segundo o secretário de Saúde, Ailton Ribeiro, em abril de 2015, o então responsável pela pasta, Franscico Fernandes, já havia levado a preocupação com a pastilha de cobalto durante audiência na Secretaria de Saúde estadual.

Ailton também afirmou que Sorocaba passou a oferecer a radioterapia para as cidades da região após um acordo firmado entre União, Estado e Município em 2008, mas que a cidade acabou excedendo os seus limites físicos e financeiros para atender a demanda. Recentemente, a cidade teria reduzido a oferta para voltar a atender o que havia sido pactuado.

O Departamento Regional de Saúde (DRS) de Sorocaba confirmou, por meio de nota, que recebeu os ofícios de alerta sobre a situação do aparelho e se comprometeu em avaliar a questão. Além disso, recebeu também a solicitação da Prefeitura de auxílio para custeio do serviço. Contudo, ressaltou que a Santa Casa de Sorocaba é de gestão municipal, sendo que a manutenção dos aparelhos na unidade deve ser realizada pela entidade e Prefeitura. Afirmou ainda que a pasta estadual atendeu ao pedido referente ao custeio de complementação de radioterapia, sendo que, desde 2015, repassou R$ 1,2 milhão para a Santa Casa especificamente para ampliar a oferta de vagas do serviço. Além disso, a partir de abril deste ano, a Secretaria contratou a empresa Nucleon e disponibilizou a complementação de radioterapia, com o investimento mensal de R$ 144 mil.

Segundo a nota, ambas as medidas são mais “uma prova” de que a pasta vem movendo esforços para aumentar a oferta de serviços de radioterapia na região de Sorocaba. Portanto, seria “completamente descabida” a alegação do prefeito sobre suposta “inércia” por parte do Estado. A pasta ressaltou, ainda, que os procedimentos de alta complexidade dependem também do aumento do teto financeiro do SUS, repassado do governo federal para o Estado, uma vez que a secretaria arcaria anualmente com um “estouro” de R$ 1 bilhão relativos a procedimentos de média e alta complexidades realizados na rede pública, que não seriam repassados pela União.

Indefinição deixa pacientes aflitos

Os pacientes que precisam iniciar as sessões de radioterapia em Sorocaba pelo Sistema Único de Saúde (SUS) reclamam de ter que viajar para outras cidades para fazer o tratamento. Ontem, município e Estado não souberam fornecer detalhes sobre a quantidade de pacientes que está sendo encaminhada para outras unidades, nem especificar quais seriam essas unidades.

O paciente Jorge Luis Casquez, 62 anos, iniciará suas sessões de radioterapia na segunda-feira (21), no Hospital Heliópolis em São Paulo. Sua família tentará agora o transporte da Prefeitura para realizar o tratamento e critica a demora em comunicar a nova unidade de atendimento. Jorge alega que faz tratamento contra um câncer na garganta e no esôfago na Santa Casa desde 2014 e iria começar as sessões de radioterapia em breve, por determinação médica.

A informação do local das sessões só chegou durante consulta realizada na tarde de ontem. Pela manhã, ele ainda sofria com a indecisão. “No mês passado fui informado de que não teria mais aqui na Santa Casa, mas depois não informaram mais nada”, reclamava.

Para a terapeuta ocupacional Ana Cecília Fogaça, que atende pacientes de radioterapia na Associação de Socorro Imediato a Pessoas com Câncer (Asipeca) em Sorocaba, o fato deles não serem mais atendidos temporariamente na cidade é um complicador dos efeitos colaterais causados pelo tratamento. “Os pacientes já estão debilitados em função da doença e agora vão ter que viajar para fazerem radioterapia? Isso é muito desgaste e contribui para a piora geral do quadro clínico deles”, alega.

Pastilha perde a eficiência com o tempo

O professor do Departamento de Física da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), Oswaldo Baffa Filho, explica que o cobalto 60 — material utilizado na máquina de radioterapia — perde aproximadamente metade de sua atividade a cada cinco anos. Para compensar a perda de potência, é preciso expor o paciente por um período maior ao tratamento, sendo que durante a sessão é recomendado que a pessoa não se mova. “Se o valor diminui significa um tempo maior de radiação para o paciente, e aí ele pode se mexer e comprometer o tratamento”, diz. Além disso, as normas exigem que abaixo de um valor de atividade essa fonte deve ser trocada.

Ele relata que o procedimento de troca da pastilha é normal e deve ser feito conforme o tempo de uso do dispositivo, mas destaca os altos custos de produção, transporte, aquisição e ainda de armazenagem dos dispositivos fora de uso. O transporte das pastilhas, por exemplo, é regulamentado pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e órgãos ambientais, sendo feito por empresas especializadas, dentro de um cofre de chumbo. “Você tem que fazer um planejamento de transporte com os horários e as ruas que vai passar. Esse material vem dentro de um invólucro seguro. Então, mesmo se o carro sofrer um acidente estará seguro”, conta. “É um procedimento com altas normas de segurança”, afirma.

No Estado de São Paulo o depositário das pastilhas fora de uso de fontes não comerciais seria o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), no caso de fontes comerciais a própria empresa que a vende recebe de volta. Por conta dessas questões, diversas unidades de saúde estariam optando pela utilização de um equipamento movido a energia elétrica, o acelerador linear. “Existe uma tendência de trocar as fontes de cobalto por acelerador linear”, afirma.

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