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História

Há 30 anos Bolinha assumia Sindicato dos Metalúrgicos

Como diz seu filho Francis, "se existissem no movimento sindical brasileiro mais Bolinhas, Bebês (Hamilton Pereira), Peleguinhos e Biro-Biro (este assessor do Sindicato dos Condutores), o Brasil seria um país ainda melhor"

Jornal Cruzeiro do Sul
Acervo SMetal Sorocaba
Em 24 de setembro de 1983 Bolinha recebia as chaves do sindicato e punha fim ao ciclo do chamado sindicalismo pelego; começava a era da CUT em Sorocab

Em 24 de setembro de 1983 Bolinha recebia as chaves do sindicato e punha fim ao ciclo do chamado sindicalismo pelego; começava a era da CUT em Sorocab

Reportagem publicada no jornal Cruzeiro do Sul de 29/09/2013, pag A9, com informações e acervo de Imprensa SMetal

E lá se vão já 30 anos da posse à frente da diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba do militante Wilson Fernando da Silva, mais conhecido como “Bolinha”. Foi a 24 de setembro de 1983, depois de uma eleição disputada da qual participaram outras duas chapas, que o grupo liderado por ele assumiu a entidade. O dirigente veio para a cidade pouco tempo antes, procedente de São Bernardo do Campo, para imprimir novo rumo ao sindicalismo praticado em nível local.

Os detalhes e desdobramentos dessa sequência de fatos foram contados no livro “Companheiros”, do jornalista do Cruzeiro do Sul, Carlos Araújo. A data, porém, tem um significado emblemático dos maiores para aqueles que acompanharam o processo e viveram a realidade de então. Reforça sua importância o contexto histórico político vigentes à época. Reza a lenda que Bolinha teria se mudado para Sorocaba a pedido do amigo Luiz Inácio Lula da Silva, que governou o país por dois mandatos, para implantar um novo modelo de gestão sindical.

Seu filho, Francis Fernando da Silva, conta, porém, outra versão. Como outras lideranças, Bolinha era visado pelo aparato repressor. Fazer política de classe e reivindicar direitos que se contrapunham a interesses nos chamados anos de chumbo conferia aos que a isso se atreviam um certificado de subversão. E Bolinha, junto com outros colegas, amargou a experiência de ser rotulado como tal.

Veio para cá e começou a trabalhar numa indústria de São Roque. A capacidade de mobilização somada à vivência política logo o destacaram entre os trabalhadores. Bolinha conseguiu emprego numa empresa de Sorocaba e começou a articular um grupo de oposição à direção do Sindicato da categoria. Pairava dentro do setor uma insatisfação generalizada por conta da forma como a entidade era administrada.

A tal ponto isso chegou, lembra o também sindicalista Carlos Roberto de Gáspari, que uma frente foi instituída e se engajou num processo de negociação independente junto ao patronato. “Nós não aceitávamos a intermediação do Sindicato e da Federação Estadual dos Metalúrgicos, por isso decidimos resistir e encaminhar nossas demandas de outro jeito. Sempre consultando os trabalhadores em assembleias, discutindo e agindo com transparência, conseguimos”, relembra Gáspari.

Bolinha encontrou, assim, um terreno fértil para propagar o ideário importado do ABC, centro politicamente mais evoluído e com um acúmulo de lutas já consolidado. Por lá, as mobilizações tinham outro caráter e bandeiras eram defendidas, entre elas a criação de uma central sindical. Buscava-se, também, uma inserção social da representação trabalhista mais abrangente e direitos como a redução da jornada das então 48 para 40 horas.

A agenda tinha forte componente político, já que o movimento sindical mantinha estreita relação com o recém-criado Partido dos Trabalhadores (PT). O jornalista Paulo Rogerio Leite de Andrade diz que o ideal de ver um porta-voz do operariado exercendo o poder foi o sonho alimentado pelos idealistas desde o começo do século passado e até antes disso. Bolinha foi uma das peças da engrenagem que acabaria por tornar realidade a perspectiva.

Por força das circunstâncias, conheceu, no final dos anos 60, na Villares, um outro metalúrgico de voz rouca e bigode espesso, a quem todos no chão de fábrica chamavam de “Taturana”. Ele carregava o apelido de “Batatinha”, referência ao personagem do desenho animado “Manda Chuva”, o gato malandro que comandava uma turma de felinos igualmente comprometidos com a inconsequência, sem nada melhor por fazer.

Conforme Francis, o “Bolinha” surgiria por obra do acaso. Ao ir até a sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Wilson encontro com Lula, então presidente da entidade. Ao vê-lo, este, por esquecimento, o saudou: “E aí, Bolinha?”. E Bolinha ficou sendo. Como cabeça da Chapa 3, Bolinha e seus aliados arrebanharam 2.655 votos, quase 50% do total das manifestações válidas. Desde então, o movimento sindical adquiriu outra feição.

Sorocaba passou a conviver com a rotina de ver peruas circulando e propagando mensagens pelo alto-falante. A sede da rua da Penha era constantemente tomada por uma multidão que ali se concentrava em reuniões. Eram os tempos dos “barbudos que falavam alto”, menciona Paulo Rogerio, hoje assessor de imprensa do Sindicato. De certa forma, os metalúrgicos acabariam contribuindo para que parte da população adquirisse consciência política.

A representação da categoria sempre marcou presença nos embates, encampou projetos sociais, discutiu a realidade. Junto à própria base, Bolinha e seus diretores levaram adiante um trabalho de catequese. Sabiam dialogar, falar a linguagem acessível à classe operária. Mais do que isso, enquanto dirigente, o grupo respeitou o direito de escolha e sempre se orientou pela transparência. Nada acontecia sem o aval da categoria.

O presidente da diretoria-executiva da Fundação Ubaldino do Amaral (FUA), Laelso Rodrigues, que foi também diretor da Moto-Peças uma das indústrias de ponta da cidade, lembra que o diálogo durante as negociações quase sempre mostrou-se acirrado, mas, acima de tudo, respeitoso. “Nós tínhamos um inimigo comum: a inflação. Batemos cabeça muitas vezes, sim, mas as discussões sempre foram pautadas por uma linha de sobriedade”.

Como anotado num editorial do Cruzeiro do Sul publicado um mês antes da posse da diretoria presidida por Bolinha, bastante lembrado pelos sindicalistas, “os trabalhadores estavam insatisfeitos com o sindicalismo burocrático, assistencialista, chegado aos entendimentos de cúpula e distanciado dos problemas das classes (emprego, arrocho salarial), assim como estavam insatisfeitos com a política econômica que lhes atazana o dia-a-dia. Isso (a vitória da Chapa 3) corresponde a uma notável transformação nas atitudes de um grupo que, a despeito de numerosos, se mostrava desarticulado e passivo. É um sinal dos tempos. Veja quem tem olhos de ver, ouça quem tem ouvidos de ouvir”.

Bolinha cumpriu dois mandatos como presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba. Foi uma figura respeitada num grupo que destacou o hoje deputado Hamilton Pereira, José Carlos da Silva, o “Peleguinho”, e, depois, Geraldo Titotto, Carlos Roberto de Gáspari, Izídio de Brito e Ademilson Terto da Silva. Em 2002, quando Lula foi eleito Presidente da República, Bolinha concedeu uma entrevista ao autor desta reportagem.

Num relato comovido, lembrou dos tempos em que trabalhava ao lado do amigo. Foi à posse de “Taturana”, como o chamava, mas recusou o convite para acompanhar a cerimônia num espaço mais privilegiado. Seguiu com a caravana de militantes e, do gramado da Esplanada dos Ministérios, acompanhou tudo. Bolinha morreria seis anos depois, em 2008, vencido por um câncer. Seu velório foi acompanhado por Lula, que desmarcou compromissos oficiais para vir a Sorocaba. Como diz seu filho Francis, “se existissem no movimento sindical brasileiro mais Bolinhas, Bebês (Hamilton Pereira), Peleguinhos e Biro-Biro (este assessor do Sindicato dos Condutores), o Brasil seria um país ainda melhor”.

Com a CUT em Sorocaba, assembleias passaram a ser o centro das decisões coletivas dos metalúrgicos (Foto: Acervo SMetal)

Bolinha e Lula durante entrevista em 2007 (Foto: Acervo SMetal)

Legado: Três décadas depois, Ademilson Terto é o atual presidente do Sindicato dos Metalúrgicos (Foto: Acervo SMetal)

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