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Vereadores votam novo projeto de lei sobre prática de artes em locais públicos

Um novo projeto de lei, que versa sobre as atividades dos artistas em locais públicos, será votado pela Câmara dos Vereadores nas próximas semanas

Jornal Cruzeiro do Sul

Um novo projeto de lei, que versa sobre as atividades dos artistas em locais públicos, será votado pela Câmara dos Vereadores nas próximas semanas. Protocolado pelo prefeito Antonio Carlos Pannunzio, o projeto nº 451/2014 substitui o projeto de nº 339/2014, de autoria do vereador Izídio de Brito, aprovado na Câmara em novembro do ano passado e vetado pelo chefe do Executivo em seguida. O novo projeto é inspirado naquele apresentado pelo vereador, mas restringe os locais de apresentações a parques e praças públicas do município, enquanto o anterior previa que as atividades artísticas fossem realizadas também em vias, cruzamentos e sinais públicos.

Em entrevista, o secretário de Governo e Segurança Comunitária, João Leandro da Costa Filho, explicou que a ocupação dos espaços pelos artistas é um desejo da administração, no entanto, o veto foi motivado por conta do artigo que regulamentava a execução desses trabalhos em vias públicas, concorrendo com carros, o que fere o Código de Trânsito Brasileiro. “O artista pode ocupar todos os espaços públicos que ele queira em Sorocaba, exceto nas vias que concorram com veículos”, falou, reiterando que a medida prevê a segurança do artista, do motorista, e também do Poder Público, que teria que arcar com a responsabilidade em caso de acidente decorrente da prática nesses locais.

De acordo com o secretário, cidades que permitem a atividade de artistas em locais como semáforos e cruzamentos de carros, como é o caso de São Paulo, Porto Alegre, Rio de Janeiro, entre outras, estão infringindo a lei. Apesar do discurso do secretário, espaços como os calçadões no Centro da cidade, onde não há trânsito de veículos, não constam no texto do novo projeto de Lei.

Se aprovado, o secretário contou que a intenção é que a Secretaria de Cultura (Secult), cadastre esses artistas, para que saibam quais e quem são os interessados, apesar de não constar no texto da lei, o que não seria obrigatório.

Atualmente, fiscais da prefeitura e a Guarda Civil Municipal (GCM) se baseiam na lei 4.828, de 1995, que proíbe o comércio, propaganda, distribuição de folhetos, arrecadação de ajuda financeira nos cruzamentos da cidade para proibir a apresentação de artistas nos espaços públicos.

A base do novo texto (Prefeitura) pouco difere do anterior (proposto pelo vereador Izídio), e igualmente estipula, entre outros itens, que a permanência desses artistas seja transitória; gratuidade para os espectadores com permissão para doações espontâneas e coleta mediante passagem de chapéu; que as atividades respeitem os parâmetros de comodidade e níveis de ruídos conforme Legislação vigente, e não ultrapassem as 22h; e que, durante os eventos, os artistas possam comercializar bens culturais duráveis, contanto que sejam de sua autoria.

O texto ainda procura definir o que vem a ser uma atividade cultural, e enumera, “dentre outras”, o teatro, a dança individual ou em grupo, a capoeira, a mímica, as artes plásticas, o malabarismo ou outra atividade circense, a música, o folclore, a literatura e a poesia declamada ou em exposição física da obra.

Por outras vias

A restrição dos locais de apresentação não agradou um grupo de artistas, que já elaborou um documento para entregar ao prefeito. De acordo com a fotógrafa e membro do coletivo Cê, Tatiane Plens, o documento solicita que Pannunzio reconsidere a alteração feita no projeto anterior, pois ocupar esses locais como vias, cruzamentos e sinais públicos, era um dos pontos mais importantes na Lei para os artistas.

Na carta, eles ressaltam que é “imprescindível” considerar o disposto no artigo 5º, inciso IX, da Constituição Federal que diz que a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação é livre e independente de censura ou licença. “Argumentando para além da Constituição, reafirmamos a contundência deste projeto de lei pela importância das manifestações artísticas para uma cidade pensada além de um espaço funcional. Ser artista de rua é um ofício de diversas pessoas e traduz um modo de pensar e estar no mundo, de compreender e se apropriar da cidade e de um desejo de compartilhar a arte com os outros no espaço público”, registram os artistas na carta.

Consta ainda no documento que a arte de rua exprime o direito à cidade. “Uma crença de que não há apenas um lugar apropriado para a arte, mas sim espaço para as manifestações culturais ao alcance de todos, numa busca permanente pela democratização e pela acessibilidade, tornando a própria cidade não apenas pano de fundo, mas parte das manifestações culturais”, escrevem em um parágrafo da carta e continuam, defendendo a utilização desses espaços contra o argumento do prefeito: “É importante destacar que a arte pública também contribui para transformar o trânsito em um lugar com menos riscos, com mais respeito, segurança e tranquilidade, diante de um ambiente que por vezes é hostil pelos condutores não compreenderem o perigo que geram a si mesmos e aos outros ao não serem pacientes e generosos e não respeitarem o fato de que é uma via de todos.”

O ator Samir Jaime, que também vem acompanhando de perto esse processo, espera que Pannunzio compreenda a reivindicação desses artistas e reavalie o parágrafo suprimido do primeiro projeto. “As argumentações não fazem parte daquilo que precisamos, eles falam do trânsito, mas não estamos querendo usar vias de rolagem, apenas canteiros e faixas de pedestres quando já fechadas. Estamos lutando por algo que já seria nosso de direito. A maioria dos artistas que está na rua trabalha para a população sem cobrar ingresso, levando arte, cultura, fazendo o papel do Estado e não ganhando nada para fazer isso.”

Artista, contador de histórias e membro do grupo performático Olho da rua, que foi um dos mais importantes da cidade, na década de 80, Zé Bocca entende a medida do prefeito como incoerente, principalmente em tempos que a ocupação dos espaços urbanos é proposta na maioria das cidades. “Eu acho um retrocesso vetar a participação do artista, pois não quer dizer que ele estará no meio da rua. E artista não é perigoso para o trânsito, perigoso é o trânsito de Sorocaba, pois as pessoas não dão seta, não respeitam o sinal vermelho. E tem um outdoor enorme em um cruzamento no começo da avenida Dom Aguirre que eu acho que prejudica mais o trânsito”, comparou.

Para ele, o artista de rua tem uma função maior, pois atinge pessoas diferentes dos nichos acostumados a consumir arte. “Gosto muito de citar Plínio Marcos, que dizia que, quando morresse, iriam fazer teatros com seu nome, mas que a maior homenagem seria o direito de mostrar sua obra”.

Companheiro de Zé Bocca, o professor e ator Álvaro Mestre Ramos também não vê coerência entre a postura adotada pelo Poder Público e os direitos garantidos ao cidadão, como o de ir e vir. “É fundamental que o artista se manifeste, mostre sua arte, e isso tem que acontecer em qualquer espaço, tem que ter livre expressão”, disse ele, que também foi integrante do grupo Olho da rua. Álvaro lembra que quando o grupo começou, o País saía de um período de ditadura civil militar e ocupar as ruas com arte foi de extrema importância.

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