A conjuntura política dos últimos anos trouxe como desafio um cenário bastante desfavorável à organização a partir dos sindicatos brasileiros, antes grandes redutos de efervescência no debate. Setor de origem do presidente Lula, em seu terceiro mandato, o movimento sindical enfrenta dificuldades, não só com relação ao financiamento, mas principalmente em encontrar caminhos para o diálogo, em meio às fake news e um sentimento de descrédito na luta coletiva, com um mercado de trabalho cada vez mais baseado em contratos precarizados de serviços.
De acordo com dados divulgados no final de junho pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2023 o país chegou ao menor índice de trabalhadores sindicalizados desde o início da medição em 2012. Atualmente, dos mais de 100 milhões que ocupam o mercado, apenas 8,4 milhões têm vinculação sindical, ou seja, apenas 8,4%.
A realidade acende um alerta para organizações que estão preocupadas em permanecer na luta pela defesa dos trabalhadores. No centro da discussão, aparece a atualização da estrutura sindical.
Mesmo com um cenário nacional adverso, a categoria metalúrgica em Sorocaba, no interior de São Paulo, apresenta índices de crescimento e desponta como exemplo positivo após implantar mecanismos de maior participação da base nas decisões do sindicato. Em seu segundo mandato, o presidente do SMetal, Leandro Soares, fala sobre os principais desafios e como foi o processo de resistência em um cenário desfavorável:
Como você chegou ao movimento sindical?
Eu cheguei no Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e região em 2008 por um convite feito pelo, até então dirigente sindical da base, Marcos Latino, dentro de uma linha de trabalhar a juventude. Era um momento diferente, o que estávamos vivendo no país até então, né? Com as políticas públicas do presidente Lula, muitos jovens entram no mercado de trabalho, muitos jovens se formando, se qualificando, o país estava em um momento muito diferente do que nós já tínhamos presenciado. Eu sou pcd [pessoa com deficiência], entrei na fábrica a partir de uma política de cotas sancionada por Lula em 2003. Naquele momento, nossa pirâmide estava mudando. Nós tínhamos mais de 60% da nossa categoria de trabalhadores acima dos 40 anos de idade, e tínhamos muitos jovens entrando no mercado de trabalho naquele momento, então, começou a virar. Tinha essa questão de fiscalizar a política de cotas nas empresas públicas. Acabei me tornando o primeiro secretário de juventude da CNM CUT [Confederação Nacional dos Metalúrgicos da Central Única dos Trabalhadores]. Participamos da criação da Secretaria Nacional de Juventude da CUT. Em 2014, eu tinha 33 anos e me tornei o secretário-geral do Sindicato dos Metalúrgicos, em 2017 virei o presidente. Estou no meu segundo mandato. Já passamos pelo golpe contra a presidenta Dilma, pela Reforma Trabalhista, Reforma Previdenciária, pelo período Bolsonaro. Tudo isso foi muito desafiador, não só para o movimento sindical, mas também para a nossa democracia como um todo.
E sobre a Reforma Trabalhista, como foi esse momento? O que mudou?
A Reforma Trabalhista atacou três pilares importantíssimos da nossa democracia. O primeiro foi a retirada de direitos dos trabalhadores, o segundo foi o enfraquecimento dos sindicatos e o terceiro foi banalizar, enfraquecer e perseguir as instituições que, de certa forma, davam respaldo aos trabalhadores. Em relação aos direitos trabalhistas no nosso país, esse foi o maior desafio que nós enfrentamos, o maior ataque que nós tivemos. Nem na ditadura, nós tivemos um ataque assim, uma perseguição tão grande ao movimento sindical como nós tivemos nos governos do Temer e de Bolsonaro. Hoje, Sorocaba é um ponto fora da curva, após as políticas de sucateamento. Com a retomada das políticas públicas alinhada com uma nova política industrial, temos investimentos fortes na indústria, incluindo o setor metalúrgico. Nós temos 47 mil metalúrgicos, 18 mil sócios. Uma realidade bem diferente dos dados do IBGE que você me apresentou.
E com relação ao diálogo com os trabalhadores? Como você sente essa comunicação atualmente? O que mais tem ouvido enquanto demandas?
Um grande desafio que nós temos vivenciado, desde a última eleição, é relacionado às fake news, que a gente passa o tempo todo desmentindo. São inúmeras mentiras que surgem no chão de fábrica, e que chegam por pessoas que realmente lutam e trabalham contra um movimento sindical fortalecido, são interesses políticos, a extrema direita trabalha muito com isso de ‘vamos criminalizar instituições’, ‘vamos criminalizar os movimentos’, ‘vamos criar situações adversas para que eles percam mais tempo desmentindo do que trabalhando para o próprio fortalecimento’, por isso, eu acho que é importantíssimo essa regularização das mídias, acho que o presidente Lula tem que trabalhar fortemente nisso. Com o enfraquecimento das instituições, as pessoas passam a acreditar que elas podem resolver os problemas sem ser de maneira coletiva, isso é muito prejudicial. Tem um outro ponto que eu considero importantíssimo que é estudar a geração Z, que é uma geração que não se apega ao modelo trabalhista que nós temos hoje, totalmente desapegada de compromissos com seus empregadores, que gozam de uma liberdade maior e que não querem viver 12 horas entre o trabalho e sua casa. Essa juventude atual não se sente mais atraída por um modelo de 44 ou 40 horas semanais, ou seja, ela quer ter direitos, férias, garantias mínimas, mas não por meio desse modelo que temos. Quando falamos sobre CLT com essa geração, ouvimos que eles não querem se sentir amarrados com ninguém. Para o jovem, hoje, faz mais sentido ser Uber, onde ele faz o horário dele, tem o dinheiro mais rápido nas mãos e pode escolher seus horários para estar com a família. Então, o que eu tenho provocado nos espaços de debates, principalmente com representantes patronais, com as empresas, é que nós precisamos – movimento sindical, empresas e poder público – discutir qual será o novo modelo de relação de trabalho. A Europa já está discutindo 36 horas. E hoje, para se ter uma ideia, falta mão de obra qualificada no mercado, é uma outra dificuldade. Então não é um desafio somente do movimento sindical, é um debate que precisa ocorrer também a partir do poder público.
Existe uma visão de que o movimento sindical é mais velho, pouco arejado, inclusive na própria esquerda. Como você avalia essa imagem?
A juventude não se enxerga no movimento sindical como ele está hoje, em um modelo no qual a diretoria fica encastelada, em que os presidentes são os donos, né? Existe uma sensação de que nós somos intocáveis, essa é a maior crítica que a juventude faz. O modelo que estamos testando na representação dos metalúrgicos de Sorocaba e região não é o mesmo do restante do país. Aqui nós temos os Comitês Sindicais de Empresa, por exemplo. Na nossa direção, antes de ser eleito, o dirigente precisa ser escolhido dentro da fábrica em que ele trabalha. Assim, a ideia é deixar a base mais próxima, para que o representante fique com uma cobrança maior, menos acomodado. Outro ponto é que a Reforma Trabalhista acabou com nossas formas de sustentação e fazer a luta é caro, então, também precisamos pensar nisso. O tema está sendo discutido no governo, mas nós defendemos que a contribuição seja aprovada pelo trabalhador. Nós temos trabalhado pelo fortalecimento do sindicalismo, e sabemos que precisamos mudar. Eu tenho 42 anos, outros diretores também estão nessa faixa, mas mesmo assim seguimos com problemas geracionais. Estou no meu segundo mandato e não irei para o terceiro, não tenho apego ao cargo, estou presidente, mas sou um funcionário de uma metalúrgica.
Com relação a geração Z, quais formas você enxerga para dialogar sobre a importância de uma movimentação coletiva?
Não dá mais para a gente continuar da forma que estamos, temos que fazer uma reflexão sobre a nossa representatividade. Hoje, não vejo a gente representando as demandas dessa nova geração que está chegando. Se nós continuarmos fazendo vista grossa e sermos teimosos com o uso das novas ferramentas, não adianta. As assembleias não serão substituídas, claro, mas é preciso dialogar nas redes, Whatsapp, Instagram, Tik Tok. Queremos trabalhar nossas ideias nesses espaços. Precisamos ser mais diretos, sucintos, entender quais são as demandas do nosso dia a dia. Temos que liderar ouvindo, mesclando a experiência das lutas com as novas demandas. Estamos perdendo de lavada nas redes sociais. Temos que fazer uma discussão muito séria de ‘para onde nós queremos ir?’. Em toda renovação que fazemos, realizamos uma pesquisa para saber quais os desafios, quais são os nortes e o que a categoria quer como próximos passos. O movimento sindical tem que começar a discutir novamente a formação de lideranças políticas, ocupar espaços onde os temas são discutidos. Assim, acho possível ir diminuindo esse caminho longo.