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Rotatividade nas empresas: a geradora de baixos salários e desemprego

A alta rotatividade no Brasil cria empecilhos para a conquista por melhores salários e prejudica a qualificação profissional

Imprensa SMetal/Fernanda Ikedo
Foguinho/Imprensa SMetal
Marcio Pochmann: a rotatividade no Brasil é duas vezes superior a dos Estados Unidos

Marcio Pochmann: a rotatividade no Brasil é duas vezes superior a dos Estados Unidos

“Eles sempre alegam queda na produção”, afirma a trabalhadora V.R.R., 48, que já vivenciou em sua trajetória profissional o fenômeno da rotatividade. Em 2008, a Alberflex a mandou embora, junto com uma leva de trabalhadores. “Depois, de alguns meses me contrataram novamente”.

Recentemente, V. trabalhou na metalúrgica Flextronics e conta que presenciou o vai-e-vem no setor onde trabalhava. “É uma prática antiga da empresa. Há oito anos, uma amiga minha que estava procurando emprego conseguiu entrar na Flex, mas por um contrato de apenas três meses. Mas antes disso ela foi mandada embora e não foi por falta de dedicação”, conta.

O professor titular do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais da Unicamp, Marcio Pochmann, alerta que a rotatividade no Brasil é duas vezes superior a dos Estados Unidos e quase três vezes maior que a da Europa.

Entre os males que a rotatividade impõe na vida do trabalhador está a interferência na trajetória previdenciária. “É necessário completar 35 anos de contribuição, mas com esse fenômeno da rotatividade o trabalhador não consegue fazer as 12 contribuições no ano porque fica desempregado por um determinado período”, explica o economista.

Além disso, a rotatividade intensa compromete a formação e a qualificação da mão de obra porque a própria empresa deixa de investir no trabalhador, que não ficará muito tempo na função.

Mais prejudicado ainda é o trabalhador terceirizado, que enfrenta uma rotatividade duas vezes maior que um trabalhador não terceirizado. “Setenta por cento dos terceirizados sofrem com a rotatividade”, diz Pochmann.

Enfrentamento

Por isso, Pochmann avalia que uma reação contra esse fenômeno que prejudica a vida do trabalhador e da sociedade é a luta contra o projeto que instaura e generaliza a terceirização no Brasil, e que agora, está sob avaliação das comissões do Senado.

“Não se trata de falta de conscientização por parte dos empresários. É porque as empresas são baseadas pela orientação a curto prazo. Quando mandam trabalhadores embora para contratar outros é com o objetivo de redução de custos”, alerta o economista.

Apesar do atual Congresso Nacional ser formado por deputados e senadores, na maioria, conservadores e membros das bancadas ruralista e empresarial, Pochmann acredita na negociação com o Congresso para estabelecer critérios e combater a rotatividade. “Perdemos uma oportunidade de termos feito uma modificação legislativa nesse sentido uma década atrás, quando a correlação de forças era mais favorável aos trabalhadores, mas não descarto que isso possa acontecer numa negociação mais ampla”.

A base do SMetal também é afetada pela rotatividade

A rotatividade é uma característica do mercado brasileiro que se repete na base do Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região (SMetal). O economista da subseção do Dieese do SMetal, Fernando Lima, diz que apesar de alta, a taxa de rotatividade local é menor do que a registrada no total dos metalúrgicos do Brasil (46,1%) e da taxa de rotatividade geral do mercado de trabalho brasileiro (63,7%).

Ela afeta as perspectivas do trabalhador e automaticamente prejudica o enfrentamento das questões centrais (campanha salarial, plano de cargos, carreira e salários, redução da jornada, etc.).
Lima comenta que a rotatividade tem um perfil: “a rotatividade tem por característica ser alta nos primeiros anos profissionais e baixa com o decorrer da idade”.

Há dois tipos de conceitos de rotatividade, a voluntária e a descontada, explica o economista do Dieese, Fernanda Lima. O primeiro diz respeito aos trabalhadores que por sua própria vontade mudam de empregos e na categoria descontada, são as demissões motivadas pelas empresas.

Diretor do SMetal faz estudo sobre Sorocaba e região

Um artigo escrito como trabalho de conclusão de curso de economia da Universidade de Sorocaba pelo diretor executivo do SMetal Silvio Ferreira, sob orientação do professor universitário e doutor Manuel Payes, analisa as taxas de rotatividade de Sorocaba por faixa etária (até 29 anos e acima de 29 anos), no período de 2002 a 2012 e aponta as causas e consequências das elevadas taxas de rotatividade.

O trabalho demonstrou que a taxa de rotatividade é altamente pró-cíclica, sendo maior em períodos de aquecimento da economia onde há um crescimento do emprego formal.

Nos últimos dez anos o mercado de trabalho brasileiro apresentou desempenho positivo, com redução das taxas de desemprego, crescimento da ocupação e da formalização dos vínculos de trabalho, melhoria nas remunerações e manutenção da política de valorização do salário mínimo. “Porém, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, o número de desligamentos é muito próximo do número de admitidos, apontando para uma alta taxa de rotatividade em todos os setores do mercado de trabalho, crescendo de 52% em 2003 para 64% em 2012.” O artigo também conclui que para a juventude o mercado de trabalho é fortemente desestruturado e precário.

Ferreira explica que nesse período, o mercado de trabalho geral em Sorocaba registrou abundante crescimento de novos postos de trabalho (2002/2012). Ao todo foram abertos 94.957 postos de trabalho que corresponderam a um crescimento de 95,92% no total de trabalhadores com carteira assinada.

O autor comenta que isso deixa visível que a discussão sobre a taxa de rotatividade em Sorocaba tem influência direta do mercado de trabalho aquecido e com criação de novas oportunidades.

Silvio Ferreira: Rotatividade causa também perdas salariais (foto: Foguinho/Imprensa SMetal)

Perdas

Um mercado de trabalho com tanta flexibilidade pode sugerir maior eficiência locativa, mas gera grande insegurança para os trabalhadores, pela redução do tempo de permanência em um emprego ou perda de bem-estar por custos de ajustamento e de oportunidade, além de perdas salariais dos trabalhadores na troca do emprego.

Conforme é possível visualizar na Tabela 1, entre 2002 e 2012, o total de trabalhadores na indústria de transformação registrou crescimento de 85,5%, enquanto as vagas no comércio aumentaram 84,2% e no setor de serviços aumentou 123,6%.

O que acarreta?

A curta duração dos contratos de trabalho prejudica o trabalhador, a empresa e a sociedade.

1. Gera insegurança e ainda achata os salários, pois os empresários contratam outra pessoa para ganhar menos.

2. O trabalhador perde estabilidade e não consegue ter carreira porque a qualquer momento pode ser mandado embora; faz várias vezes o saque do FGTS e não consegue acumular um valor para comprar um imóvel, por exemplo.

3. Prejudica a aposentadoria, pois recebendo salários achatados, a aposentadoria também será baixa.

4. Afeta a empresa porque compromete a qualificação e ela acaba tendo mais custo de treinamento.

Solução

Há um documento internacional, já adotado em diversos países, que pode melhorar a situação. Trata-se de um acordo de conduta internacional que precisa ser ratificado pelo Congresso. É a Convenção 158 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), um órgão da ONU. Para o presidente do SMetal, Ademilson Terto da Silva, “o Brasil precisa ratificar esse documento. Trata-se de uma condição para avançar rumo às relações de trabalho mais modernas, justas e de caráter desenvolvimentalista”.

Rotatividade prejudica a economia

“Todo ano lutamos e conseguimos um reajuste salarial bom, acima da inflação, mas a empresa demite na sequência, causando perda salarial ligada à rotatividade. Ela baixa o montante que ela desembolsaria para pagamento dos salários, prejudicando a economia do país. Também prejudica a carreira dos trabalhadores”, afirma o presidente da FEM/CUT, Luiz Carlos da Silva Dias.

Segundo ele, existem setores do ramo metalúrgico que a rotatividade ultrapassa 35%, 40%. Troca-se quase a metade dos trabalhadores em um ano. Uma das ações que poderia evitar isso era o Brasil ser signatário da Convenção 158 da OIT, que inibe a demissão imotivada.

“Consequentemente, você teria o trabalhador com mais tempo na empresa, facilitaria a sindicalização, a conscientização do trabalhador, que poderia planejar melhor a sua vida e o Brasil melhoraria se fosse signatário disso”, afirma.

O papel do movimento sindical é pressionar o governo para que seja signatário, “mas sabemos que não é fácil porque há um lobby muito grande dos empresários contrários a isso”. Outra ação sindical é aproveitar as discussões da data base para provocar um debate:
além do reajuste a ser conquistado também deve estar na pauta um prazo de estabilidade para os trabalhadores para evitar esse tipo de modelo.

Luiz Carlos da Silva Dias: Existem setores do ramo metalúrgico em que a rotatividade ultrapassa 40% (foto: Foguinho/Imprensa SMetal)

Perda no poder de compra

Para o pessoal de Recursos Humanos a rotatividade é chamada de turn over, mas o significado é o mesmo e representa a saída de um trabalhador de uma empresa para recolocação de outro em um determinado espaço de tempo.

Desde 2003 a categoria metalúrgica tem aumento real de salário todos os anos, mas a rotatividade causa prejuízo ao rendimento dos trabalhadores.

O economista Fernando Lima ressalta que, de fato, a rotatividade diminui o salário, mas o percentual varia. Confira ao lado, no infográfico, como a rotatividade causa prejuízo ao bolso do trabalhador.

O trabalhador atua na empresa A recebendo o piso de R$ 1.000.

Após um ano ele recebe aumento salarial de 10% = R$ 1.100. Mas é mandado embora pela empresa.

Se ele for trabalhar em uma empresa B, provavelmente voltará a receber o piso. Enquanto a empresa A contratou outro trabalhador pelo piso.

Resultado: tanto a empresa A quanto a B ganharam e o trabalhador perdeu.

Os trabalhadores de soldagem e corte de metais admitidos em 2014 foram contratados por um salário médio de R$ 2.013,02.

O salário dos trabalhadores desligados nesse setor, no mesmo período, era de R$ 2.329,78. O salário do admitido equivalia a 86,40% do salário do demitido.

Fernando Lima: Da subseção do DIEESE dos Metalúrgicos de Sorocaba (Foto: Foguinho/Imprensa SMetal)

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