A Medida Provisória 1045, que teve seu texto-base aprovado na Câmara dos Deputados, tem causado muitas polêmicas e se mostra, em caráter definitivo, como uma grande armadilha para os trabalhadores e trabalhadoras. Isso porque, originalmente, essa medida trata sobre a renovação do programa de redução de jornadas e salários ou suspensão dos contratos de trabalho, mas, no decorrer do processo, sofreu a inclusão de diversas emendas por parte do relator. Entre elas, a criação de alguns programas como o Requip (Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação e Inclusão Produtiva).
Este programa tem, como premissa, a criação de empregos para jovens de 18 a 29 anos (que estejam desempregados há mais de dois anos) ou pessoas que vivam em família com baixa renda, beneficiárias de programas federais, como o Bolsa Família, prevendo o pagamento de uma Bolsa de Incentivo à Qualificação, chamada de BIQ, paga pelo empregador com subsídio da União.
Fim do Jovem Aprendiz?
Se aprovado, o projeto tem capacidade para anular os direitos conquistados com a Lei da Aprendizagem (10.097/2000), que determina que as empresas reservem contratações (de 5 a 15% da sua capacidade) para jovens entre 18 e 24 com uma série de garantias e benefícios.
Uma das primeiras vias de ingresso ao mercado de trabalho é o Jovem Aprendiz. De acordo com dados disponibilizados pelo Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), atualmente 203 mil jovens trabalham por meio deste vínculo empregatício em todo Brasil. Somente no primeiro semestre de 2021, as contratações desses profissionais cresceram 47,3% se comparadas ao mesmo período do ano passado. No estado, entre janeiro e fevereiro deste ano, foram registradas contratações de 23.950 aprendizes, sendo 747 em Sorocaba, que é a décima cidade do país com mais vagas proporcionadas por este programa.
Pontos críticos
Com o Requip, o profissional receberá cerca de R$ 440 mensais, ou seja, 40% do valor do atual salário mínimo de R$ 1.100, sendo que metade (R$ 220) será paga pelo governo e a outra metade pela empresa por meio da BIQ e a carga horária será de 22 horas semanais. Além disso, os trabalhadores ficarão sem férias remuneradas (terá apenas o direito a um recesso de 30 dias sem pagamento), sem 13º salário, sem Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) ou outros direitos trabalhistas.
Em contrapartida, a Lei da Aprendizagem torna obrigatório direitos como: trabalho com carteira assinada, salário mínimo proporcional à sua jornada de trabalho, 13º, férias, FGTS. Ou seja: um verdadeiro vínculo empregatício.
“Analisando as condições que existem nos dois programas, é nítido que se a empresa puder contratar uma mesma mão de obra por um valor muito mais barato, e de uma forma totalmente informal, ela vai. Não importa a quão lucrativa esteja a produção, a fábrica sempre vai se agarrar à oportunidade de enxugar ainda mais os ‘gastos’ com os trabalhadores e maximizar seus recursos”, critica Leandro Soares, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região (SMetal).
Como se não bastasse, a empresa que contratar pelo Requip ainda terá benefícios do governo do presidente, Jair Bolsonaro. Os patrões poderão deduzir o pagamento da bolsa (BIQ) da base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). As empresas poderão ter até 15% de seus trabalhadores contratados neste modelo, sem direitos.
A MP que cria mecanismos como Requip e o Priore (leia mais aqui) foi aprovada na Câmara dos Deputados e, agora, segue para o Senado. As centrais sindicais e os movimentos trabalhistas seguem alertando para os riscos envolvendo o Requip.
Porta de entrada
Em abril deste ano, o SMetal fez uma reportagem analisando as discrepâncias que existem em um mesmo mercado de trabalho para os jovens. À época, a Imprensa do Sindicato entrevistou o metalúrgico Alan de Campos Alves, que trabalha na empresa Clarios, sobre sua rotina e os benefícios que o programa Jovem Aprendiz trouxe à sua carreira.
Além da efetivação como operador de produção, essa experiência foi muito importante em outras áreas na vida do jovem. Conversamos novamente com ele para entender como Alan avalia o Requip. Em sua visão, este pode ser um programa que prejudicará os trabalhadores, além de pagar um valor muito baixo pelo serviço prestado que, no caso de uma metalúrgica, muitas vezes demanda esforço físico.
“Tudo que eu sei hoje, como um profissional, foi no meu primeiro emprego na Clarios. Eu acho que o programa Jovem Aprendiz é muito bom, até porque a maioria das pessoas que começa nesse programa tem pouco conhecimento ou está no primeiro emprego”, afirma.
Evasão escolar
Hoje, para adentrar no mercado de trabalho por meio da Lei da Aprendizagem, é necessário que os candidatos menores de idade estejam matriculados em uma instituição de ensino. Uma das outras exigências é que o aprendiz tenha, ao final do contrato, completado o ciclo de formação teórica (400h) indicado pela empresa. Segundo o CIEE, 93% dos aprendizes estão cursando ou já finalizaram o ensino médio; outros 6,4% estão no ensino fundamental.
Com o Requip, esses profissionais não precisam estar matriculados em instituições de ensino. Muitos especialistas assumem que este ponto deve impactar na evasão escolar e, também, na falta de capacitação para os profissionais. “A Convenção Coletiva dos Metalúrgicos, por exemplo, prevê e incentiva que as empresas façam contratações de jovens de 18 a 23 anos para o primeiro emprego. Isso sem abrir mão de premissas como os direitos trabalhistas, a capacitação escolar e intelectual e a criação de um ambiente favorável para o aprendizado desse trabalhador”, comenta Leandro Soares.
“Quando se cria uma medida esporádica, não se combate o problema a fundo. O Requip é um retrocesso que, perversamente, incentiva que o trabalhador abra mão de direitos trabalhistas e previdenciários. Tudo isso com finalidade de autopromoção por parte do governo – que finge estar gerando empregos – mas, com contratações cada vez mais informais, só alivia, mesmo, é o lado dos empresários”, concluí.