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Crise climática

O que o desmatamento da Amazônia tem a ver com as cheias no Rio Grande do Sul?

Cientistas explicam como a devastação no Norte potencializou desastre climático no Sul

Murilo Pajolla/Brasil de Fato
Nelson Almeida/AFP

O setor da economia responsável pelo desmatamento – seja na Amazônia ou no Rio Grande do Sul – é o agronegócio.

A relação entre as cheias devastadoras no Rio Grande do Sul e o desmatamento na Amazônia é mais do que evidente para três cientistas do clima ouvidos pelo Brasil de Fato. Segundo eles, o desflorestamento no Norte tem um papel crítico nas enchentes do Sul, pois compromete a capacidade das florestas de regular o clima. A consequência é a intensificação de eventos extremos, como as chuvas que afetam quase 2 milhões de gaúchos.

O trio de pesquisadores é unânime: mais do que se adaptar às mudanças climáticas, é urgente combatê-las, com medidas imediatas de conservação ambiental e reflorestamento, tanto na Amazônia como no Rio Grande do Sul. Só assim é possível proteger não apenas a sociobiodiversidade na floresta, mas também moradores de regiões mais vulneráveis aos eventos extremos, como o Sul brasileiro.

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Sem Amazônia, secas mais severas e enchentes mais devastadoras

Luciana Gatti, cientista de mudanças climáticas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), explicou que as árvores da Amazônia atuam como “climatizadores”. Elas absorvem água do solo e a liberam como vapor na atmosfera. O desmatamento, que já eliminou 20% do bioma original, compromete o processo de regulação climática e provoca mudanças no padrão de chuvas em regiões distantes, que trocam umidade com a floresta por meio da atmosfera.

“Além disso, quando você queima combustíveis fósseis, emite na atmosfera gases de efeito estufa, principalmente o CO2. Além disso, a perda de florestas, como a Amazônia, reduz o poder de absorção de carbono, contribuindo para o aquecimento global e alterações climáticas extremas”, explicou Luciana Gatti, que é coordenadora do Laboratório de Gases de Efeito Estufa do INPE.

Alexandre Costa, professor da Universidade Estadual do Ceará (UFCE) e doutor em Ciências Atmosféricas lembrou que os fenômenos climáticos extremos já foram previstos pela ciência. Desde 2007, relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) alertaram para o aumento dos eventos extremos, como chuvas intensas e cheias, incluindo o Sul do Brasil.

“Com o aquecimento global, o ar do planeta ficou um grau mais quente. Por isso, ele armazena mais vapor d’água. Isso implica que, de um lado, as secas vão ser mais severas, porque as taxas de evaporação são maiores para encher esse reservatório maior de vapor. Por outro lado, quando esse vapor chega em regiões onde ele vai se começar a produzir chuva, você tem muito mais matéria prima para fazer chover”, explicou Costa, que trabalha há 20 anos com questões climáticas e participou de estudos pioneiros sobre o tema.

Inundação poderia ser menor

Os especialistas atestam que o modelo de expansão agrícola baseado no desmatamento e na monocultura, comum no Rio Grande do Sul, produz enchentes mais devastadoras. O estado tem apenas 7% da cobertura original de Mata Atlântica. Nos pampas gaúchos, a pecuária e a monocultura reduziram o bioma para menos da metade de sua abrangência original.

Luiz Marques, docente da Ilum Escola de Ciência do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas (SP), atesta que, com pouca vegetação nativa, há o aumento da erosão e diminuição da capacidade do solo gaúcho de armazenar água da chuva. Como resultado, a água flui mais rapidamente para os rios durante tempestades intensas, aumentando o risco de cheias.

“Se a vegetação nativa estivesse mais presente, poderia haver uma inundação do tamanho dessa que houve? Muito provavelmente não. Podemos até imaginar uma inundação – um pouco menor – com a existência de florestas. Mas isso ocorreria uma vez a cada século ou uma vez a cada 300 anos”, explica Luiz Marques.

Agronegócio e negacionismo climático: tudo a ver

O setor da economia responsável pelo desmatamento – seja na Amazônia ou no Rio Grande do Sul – é o agronegócio. No Brasil, a agropecuária é a atividade que mais emite gases do efeito estufa, muito mais do que a indústria, que é o setor mais poluidor nos países centrais do capitalismo.

Para os especialistas, agronegócio e negacionismo climático andam juntos. Se os ruralistas admitissem que o setor é um indutor ativo das catástrofes provocadas pela mudanças climáticas, abririam a porta para sanções mais eficazes contra a expansão indiscriminada da fronteira agropecuária.

Os mesmo políticos que representam esse setor da economia omitem a relação entre o desmatamento e as mudanças climáticas nessa discussão. Dizem que Deus mandou a tempestade, ou qualquer coisa desse tipo. Deus é culpado de tudo e nós [do agronegócio], pobres ignorantes, culpados de nada, apesar de toda a destruição que causamos”, critica Luciana Gatti.

“Negar as evidências científicas e os relatórios do IPCC sobre as mudanças climáticas dificulta a adoção de políticas eficazes para combater o desmatamento e suas consequências, como as enchentes no Rio Grande do Sul”, destacou Alexandre Costa.

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