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Visibilidade Trans

O mercado de trabalho para aqueles que quase não chegam aos 35

Transexuais têm expectativa de quarenta anos de vida a menos que as pessoas cisgênero; dificuldades transpassam o preconceito e aparecem em outras esferas como trabalho, saúde e segurança

Imprensa SMetal
Imprensa/SMetal
Acesso de pessoas transexuais e travestis ao mercado formal de trabalho ainda é limitado

Acesso de pessoas transexuais e travestis ao mercado formal de trabalho ainda é limitado

No Brasil, se você se identifica com o gênero que nasceu, ou seja, é cisgênero, terá quarenta anos de vida a mais do que uma pessoa transexual. Essa é a expectativa medida pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), que tem como missão identificar, mobilizar, organizar, aproximar e empoderar travestis e transexuais em todo território brasileiro.

Se não bastasse a violência no país que mais mata pessoas da sigla “T” (mas é o 4º no ranking dos que mais consomem pornografia com essas pessoas), ainda é necessário que transexuais e travestis lutem muito mais para ocuparem espaços básicos.

Durante a pandemia, a Aliança Nacional LGBTQIA+ estimou que o desemprego poderia chegar a 40% entre a população LGBTQIA+ e até 70% na população trans. No mês em que se debate a visibilidade deste grupo, o Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região (SMetal) fala sobre o acesso ao mercado formal de trabalho.

Oportunidades desafiadoras

Na mesma semana em que o pai foi assassinado, Stefany Torres, 30, levou uma facada que atingiu o intestino. Apesar do ataque de transfobia, preconceito existente em virtude da sua identidade de gênero, a jovem conta que a cicatriz a lembra da sua voz como mulher trans.

O sofrimento não parou por ali. Quando foi funcionária em um bar sorocabano, estava começando sua transição. Ela precisou ouvir ofensas até mesmo do dono do estabelecimento. “Eu sentia a Stefany aqui dentro querendo sair. Foi quando falei para meu chefe que ia colocar aplique de cabelo e ouvi dele ‘eu te contratei homenzinho, deixei vir porque estava menininho’. Foi o primeiro de tantos casos que precisei enfrentar”, conta.

Rafael Benitez/Puxadinho
Stefany realiza funções de caixa e recepção no bar

Stefany realiza funções de caixa e recepção no bar

Ela ficou quatro anos nessa ocupação e, por sua competência, alcançou o cargo de gerência. Porém viu o trabalho aumentar, enquanto a remuneração continuava a mesma. Além deste emprego, ela já foi atendente em uma loja de maquiagem e funcionária de um frigorífico. Hoje, Stefany ocupa funções de caixa e portaria em outro bar, o Puxadinho, um local que ela afirma se sentir “segura e valorizada”.

Kaleb do Nascimento Campos, 35, trabalha em uma fábrica de borracha em Sorocaba. Ele relata que ficou mais de um ano desempregado por conta da pandemia e teve dificuldades em encontrar uma colocação por ser um homem trans. Antes da fábrica, passou dez anos transitando entre redes de supermercados.

Arquivo Pessoal
Na fábrica, Kaleb auxilia no corte das borrachas, na finalização das peças e dá suporte no estoque quando necessário

Na fábrica, Kaleb auxilia no corte das borrachas, na finalização das peças e dá suporte no estoque quando necessário

Sua função é auxiliar no operacional da empresa. “Eu fui contratado como estoquista, mas ajudo no corte das borrachas, na finalização das peças e dou suporte no estoque quando precisa”, comenta Kaleb. Com os colegas de trabalho, o jovem não teve problemas. Ele diz que é muito respeitado por todos e, com os homens cis, ‘troca ideia’ e cultiva amizades.

“As pessoas acham que a gente é um bicho de sete cabeças. As empresas não sabem nem como vai ser. Vai ser uma pessoa normal, que vai trabalhar para comer, para viver, vai respeitar as pessoas, assim como queremos ser respeitados”, reforça Kaleb.

Infelizmente, nem todas as pessoas trans e travestis conseguem uma colocação que proporcione um ambiente de respeito e apoio. A grande maioria dessa população – cerca de 90% – ainda precisa recorrer a uma alternativa que, ao mesmo tempo que permite o seu sustento, violenta sua mente e corpo: a prostituição.

A acolhida da rua

A ANTRA estima que 90% dos transexuais e travestis estão em situação de prostituição. A falta de oportunidades é um dos fatores que leva essa população a recorrer a um trabalho precário e perigoso para poder pagar as contas. Outro problema é a expulsão da própria casa. “É comprovado que os adolescentes transgêneros geralmente são expulsos de casa com 13 para 14 anos. Não existe apoio em casa, então a rua acolhe”, comenta Thara Wells, presidente da Associação de Transgêneros de Sorocaba (ATS).

Ela enfatiza que esse jovem poderá ficar anos dentro da prostituição, sendo refém de violência física e psicológica. Quando consegue sair desse ciclo e buscar uma colocação formal, sofre com o que ela chama de obstáculos móveis. “Precisamos estar sempre à frente dos obstáculos móveis que a sociedade coloca. Nas vagas de emprego, o mercado formal de trabalho pede curso superior. Se fazemos esse curso, daí precisamos de mestrado. Se conseguimos mestrado, eles mudam a regra do jogo”, analisa.

Lucas Delgado/Imprensa SMetal
Thara Wells acredita que pessoas transexuais e travestis precisam sempre estar duas vezes adiantadas por conta dos obstáculos móveis colocados pela sociedade

Thara Wells acredita que pessoas transexuais e travestis precisam sempre estar duas vezes adiantadas por conta dos obstáculos móveis colocados pela sociedade

Na visão de Thara, apenas com reparação e inclusão é que iremos ver esse cenário mudar. Para a presidente da ATS, a sociedade não está interessada em construir e pensar em políticas públicas para que a população transexual garanta o seu sustento, tenha vivência no mercado formal de trabalho e, consequentemente, direitos trabalhistas garantidos.

Ela também critica as empresas que se orgulham de selos e certificados de diversidade, mas não criam condições de permanência e capacitação para homens trans, mulheres trans e travestis. “Janeiro é o mês da visibilidade trans. Uma visibilidade tão sonhada, mas ainda longe de ser alcançada”, finaliza.

Projeto de Lei

Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 144/21. A proposta determina que as empresas com mais de 100 empregados, que possuam incentivos fiscais, participem de licitação ou que mantenham contrato ou convênio com o Poder Público Federal, contratem pessoas autodeclaradas travestis e transexuais na proporção de, no mínimo, 3% do total de seus empregados.

O PL, do deputado Alexandre Padilha (PT), prevê que a mesma reserva será aplicada às vagas de estágios e trainees dessas empresas. Caso as empresas descumpram os percentuais, ficarão sujeitas à perda dos incentivos fiscais ou à rescisão do contrato ou convênio. A pauta está em análise.

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