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“Ligado no dia 2/8”, por Frei Betto

Artigo do frade e escritor Frei Betto, sobre a votação da denúncia de corrupção passiva de Michel Temer na CCJ, que acontecerá nesta quarta-feira (2), e a possível de intimidação a parlamentares

Frei Betto
Foguinho/Imprensa SMetal
Frei Betto é frade e escritor.

Frei Betto é frade e escritor.

– Alô, deputado, aqui fala o presidente.

– Presidente?!

– Sim, o Michel.

– Como vai, excelência?

– Felizmente bem.

– A que devo a honra de seu telefonema?

– É sobre a votação do dia dois de agosto. Como o senhor sabe, sofro uma acusação improcedente. Por isso, fui absolvido pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.

– Mas vossa excelência não recebeu o dono da Friboi na calada da noite nos porões do Palácio Jaburu, e não avalizou junto a ele o ex-deputado Rocha Loures como homem de sua inteira confiança?

– Ora, como eu poderia deixar de receber quem fez generosas doações às campanhas do PMDB?

– E o Rocha Loures, o homem da mala?

– Não era dinheiro que havia naquela mala. Eram pizzas. O deputado comprou setenta pizzas e, por isso, preferiu transportá-las numa mala de rodinhas.

– Mas ele saiu correndo pela rua, afobado.

– Sim, para evitar que as pizzas esfriassem. Como é um homem de bom coração, pretendia distribuí-las para moradores de rua.

– E em que posso lhe ser útil, excelência?

– Como o senhor anda de emendas?

– Ora, presidente, emendo daqui, emendo dali, e não consigo tapar o buraco de minhas promessas eleitorais.

– De quanto anda precisando?

O deputado faz o cálculo, diz ao presidente e pergunta:

– De onde vossa excelência vai tirar o dinheiro se está cortando gastos até de programas sociais?

– Do aumento dos impostos, evidentemente.

– Bem que vi este adesivo em um carro: “Encha o tanque e salve o Temer”, data venia presidente.

– Não quero pressioná-lo, deputado. Sei que o senhor votará pela estabilidade política do país. Quero é premiá-lo. Sua atividade parlamentar é digna de meu apreço.

– Presidente, votarei com o meu partido.

– Com todo respeito, deputado, partido já nada significa. Veja o Jucá, já foi do PSDB, do PDS, do PFL, do PPR e agora está no PMDB. O que importa é o homem, não a agremiação.

– Presidente, se o senhor está tão convencido de sua inocência, por que teme o julgamento do STF?

A ligação é abruptamente interrompida.

Frei Betto é escritor, autor de “Ofício de escrever” (Anfiteatro), entre outros livros.

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