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Reestruturação do Ensino

Educação pública x descaso de governos

Medidas dos governos tucanos do Estado de São Paulo e da Prefeitura de Sorocaba, que sucateiam o ensino público, colocam os estudantes em uma encruzilhada. O objetivo é a privatização

Fernanda Ikedo/Revista Ponto de Fusão
Divulgação

O objetivo do fim do ensino noturno e do fechamento de escolas é a privatização

Mais uma vez o Governo do Estado de São Paulo (PSDB) segue na contramão da qualidade da educação, com a reestruturação da rede estadual de ensino. A proposta acarreta no fechamento de 93 escolas estaduais do Estado.

Em Sorocaba, a medida atinge cinco escolas: Flávio Gagliardi (Jardim Saira); Mario Guilherme Notari (Jardim Luciana Maria); Dorival Dias de Carvalho (Vila Angélica); Elza Salvestro Bonilha (Jardim Itanguá); e Salvador Ortega Fernandes (Jardim Santa Cecília).

De forma autoritária e sem planejamento a longo prazo, a reestruturação pretende segmentar as escolas conforme o ciclo escolar (anos iniciais e finais do ensino fundamental e ensino médio). A estimativa, segundo a Secretaria Estadual de Educação, é de que no Estado 311 mil alunos tenham que mudar de escola no ano que vem.

O secretário da pasta Herman Voorwald tentou justificar a reorganização como pedagógica, o que foi contestado por pesquisadores e educadores da USP, Unicamp e o Sindicato dos Professores (Apeoesp).

À revista Ponto de Fusão a presidente da Apeoesp, Maria Izabel Azevendo Noronha (Bebel), afirma que essa reestruturação tem como motivo simplesmente o enxugamento da máquina.

“Não tem nada de pedagógico, nem estão se importando com o impacto que isso vai gerar na vida das pessoas. São cerca de 20 mil professores que devem perder o emprego, fora a transferência de alunos para escolas mais distantes de suas casas”.

Outra justificativa do governo tucano de Alckmin para a mudança, é a diminuição do número de alunos na rede estadual. Dados da secretaria indicam que, de 1998 a 2014, as matrículas passaram de 6 milhões para 3,8 milhões.

Para o professor e diretor estadual da Apeoesp, Alexandre Tardelli, “a lógica de ciclos tem que integrar uma etapa à outra e não fazer uma simples separação física'”, ressalta.

Mas ao invés de se trabalhar em um Plano de Educação com participação da comunidade escolar, a reestruturação proposta tende a superlotar salas de aula e dar continuidade ao processo de municipalização do ensino.

Repúdio ao sucateamento e alerta

A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a Universidade Federal de São Carlos (UFScar) e a Universidade de São Paulo (USP) emitiram notas de repúdio ao projeto de ‘reorganização’ da rede estadual. Além delas, outras entidades como o Conselho Regional de Psicologia e a Central Única dos Trabalhadores (CUT) manifestam-se veementemente contra esse descaso e desrespeito à educação pública.

Em nota pública, a Faculdade de Educação da USP ressaltou que esse projeto “nega, na prática, a educação como direito social fundamental, tratando-a na perspectiva da lógica mercantil e colocando a população e os profissionais diretamente atingidos como cidadãos de segunda categoria, além de praticar uma agressão a todos que trabalham em prol da educação pública de qualidade”.

Para o coordenador da subsede Sorocaba da CUT, Alex Sandro Fogaça, o fechamento de salas de aula do período noturno e a diminuição de oferta de vagas como um todo prejudica diretamente os filhos dos trabalhadores. “É um descompromisso com o bem público e uma clara sinalização para a privatização do ensino”, destaca.

Estudantes mobilizados

Em protesto contra a reestruturação, por gestão democrática e transparência administrativa, os estudantes ocuparam as ruas e mais de 200 escolas no estado todo. Em Sorocaba, foram cerca de 20 instituições ocupadas por secundaristas.

“Recebemos o apoio dos pais e da comunidade, que foram solidários e doaram alimentos, além dos artistas e professores que fizeram apresentações e doaram aulas nessas escolas”, conta o estudante e diretor de grêmios da União de Estudantes Secundaristas de Sorocaba (Uses), Vinicius Viana.

O plano inicial de Alckmin (PSDB), conforme informações das delegacias regionais de ensino, apuradas pela Apeoesp, quando a proposta foi anunciada em setembro, era de que mais de 150 escolas fechassem as portas. Devido à pressão popular nas ruas em diversas cidades, como Sorocaba e capital, o governo estadual recuou – pelo menos momentaneamente – e anunciou, no final de outubro, o número menor, mas não menos preocupante, de 94 instituições que terão outras finalidades.

Só que a Justiça determinou que uma dessas escolas, a Braz Cubas, em Santos, não pode ser fechada por ser referência no atendimento a crianças com deficiências.

Em Sorocaba, a mãe de um aluno autista, que atualmente estuda na escola Helio Del Cístia, no Jardim São Guilherme, está preocupada porque o filho será transferido para a escola Guiomar Camolesi, no Maria Eugênia, a seis quilômetros de distância de sua casa. Ela participou da audiência pública sobre o tema na Câmara de Sorocaba, no dia 6 de novembro, de iniciativa do vereador e diretor do SMetal, Izídio de Brito (PT).

A mãe preferiu não se identificar, mas ressaltou que “o filho é totalmente dependente de mim, eu que levo para a escola. Teremos que andar muito mais, mas ele toma remédio, fica sonolento de manhã. Será mais difícil”.

Outra questão importante que foi desconsiderada nesse projeto de reestruturação é o vínculo que o aluno já criou nessa comunidade escolar, que tem prédio e corpo docente preparados para receber os autistas.

Até 30 de novembro, 19 escolas estaduais de Sorocaba estavam ocupadas por estudantes

Fim do Ensino Médio

A escola estadual Julio Prestes de Alburquerque (Estadão), no Centro, e a escola Isabel Lopes Monteiro, na Vila Helena, estão entre as escolas que não oferecerão mais o Ensino Médio, a partir de 2016, caso o projeto de reestruturação do governador Geraldo Alckmin (PSDB) for efetivado. Essas instituições passariam a atender apenas o ciclo fundamental.

A mercantilização do ensino

Na opinião do educador e diretor da escola municipal Getúlio Vargas, José Adão Neres de Jesus, esse processo de sucateamento do ensino público é um processo estrutural e não acontece à toa. “Se o Estado oferecesse um ensino de qualidade o que seria das particulares?”, reflete.

Em artigo publicado em veículos de comunicação, no dia 27 de outubro, o professor do campus Sorocaba da UFSCar, Marcos Francisco Martins, afirmou que “o que está em jogo não é a qualidade social da educação, como processo de formação humana integral, como bem simbólico garantido constitucionalmente como um direito, mas um projeto que entende a educação como mercadoria, algo característico da concepção dos que têm governado São Paulo nas duas últimas décadas, com lastro para outras regiões do País, como o Paraná, que adota o mesmo projeto e também quer fechar escolas”.

No texto, ele alerta também para o perigo dessas medidas contribuírem ainda mais para a privatização da educação. “Essa prática é conhecida no meio empresarial como “downsizing”: enxuga-se a empresa para torná-la menos custosa e mais atrativa à venda. Implantado na educação, revela a concepção dos “reformadores empresariais”, que estão estrategicamente articulados e direcionando a educação paulista, tanto que seus representantes mantiveram (consultoria McKinsey) e mantêm (Falconi) escritório dentro da Secretaria Estadual de Educação”.

Confirmação oficial

Em audiência pública feita na Câmara Municipal, no dia 6 de novembro, o diretor regional de ensino, Marco Aurélio Bugni, representando a Secretaria Estadual de Educação, confirmou que o processo de reestruturação do governador Geraldo Alckmin (PSDB) caminha para terceirizar o ensino público estadual, ou seja, transferir a responsabilidade para o terceiro setor. Outro passo já seria a privatização do ensino.

Em resposta à revista Ponto de Fusão, a Secretaria Municipal de Educação, via Secretaria de Comunicação, informou que “está em discussão com a Diretoria de Ensino para possíveis ajustes, mas ainda não há definição” sobre as novas funções das escolas estaduais que passarão ao município.

A história se repete

A presidente da Apeoesp destaca também que em 1995 uma medida parecida com essa do Governo do Estado foi feita pela ex-secretária Rose Neubaeur, quando ‘reorganizou’ o primeiro ciclo e causou 20 mil demissões de professores, desorganização, transtornos nas famílias dos estudantes e uma série de outros prejuízos à educação pública estadual.

Em Sorocaba, as escolas que serão fechadas e os respectivos destinos:

ESCOLA E DESTINO

Prof. Dorival Dias de Carvalho, Vila Santa Francisca Centro Estadual de Educacão de Jovens e Adultos – Ceeja

Profa. Elza Salvestro Bonilha, Jardim Itangua – Centro Paula Souza ou PMS

Prof. Flávio Gagliardi, Jardim Saira – Centro Paula Souza ou PMS

Mario Guilherme Notari, Jardim Luciana Maria – Centro Paula Souza ou PMS

Prof. Salvador Ortega Fernandes, Jardim Santa Cecília – Escola Municipal

Cresce o número de escolas articulares em Sorocaba, nquanto a rede pública diminui

• Educação infantil
117 municipais e 90 particulares

• Ensino fundamental
46 municipais e 85 estaduais / 59 particulares

• Ensino médio
55 estaduais e 28 particulares

Evolução do número de alunos em 6 anos Fundamental 1 (de 1º a 5º ano)

• Rede municipal (Cresceu 11,37%)
2008: 22.594 alunos
2014: 25.163

• Rede estadual (Caiu 59,55%)
2008: 13.897 alunos
2014: 8.276

• Rede particular (a que mais cresce, cresceu 31,26%)
2008: 6250 alunos
2014: 8.204

Fonte: Diretoria de Ensino de Sorocaba/ Secretaria Municipal de Educação

Em cima da hora: Prefeitura altera ensino municipal

Da mesma forma que Alckmin (PSDB) tenta impor, de forma autoritária, a reestruturação da rede estadual de ensino, a Prefeitura de Sorocaba, por meio da Secretaria Municipal de Educação, elimina o Ensino Médio da rede municipal.

A partir do ano que vem quatro escolas tradicionais da cidade não vão mais aceitar matrículas para o primeiro ano do Ensino Médio na rede municipal de ensino. São elas: Getúlio Vargas (Santa Terezinha); Leonor Pinto Thomaz (Centro); Achilles de Almeida (Vila Hortência) e Professor Flávio de Souza Nogueira (Vila Progresso).

“O secretário municipal Flaviano Agostinho de Lima fez reunião com os professores em outubro e colocou a questão de acabar com o fundamental 2 e Ensino Médio na rede e nós nos posicionamos contra essa proposta. Ele ficou de marcar outra reunião, mas no dia 23 de novembro apenas enviou um email aos professores comunicando a decisão autoritária, que ao contrário do que ele diz, não foi compartilhada”, desabafa uma professora da escola Getúlio Vargas.

Educação pública x descaso de governos

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