A nova crise política instalada no país, provocada pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) pelo afastamento do senador Aécio Neves (PSDB-MG) do cargo, deve acirrar a tensão entre Legislativo e Judiciário durante os trabalhos desta quinta (28). O comunicado oficial do tribunal só chegou ao Senado na noite de ontem e o presidente da Casa, Eunício Oliveira (PMDB-CE), disse que colocará a decisão em apreciação pelo plenário. A maioria dos senadores, sejam de partidos ligados ao governo, sejam oposicionistas, considerou que o Supremo afronta a Constituição Federal e fere a independência entre os poderes da República.
As declarações que mais chamaram a atenção durante o dia de ontem foram as de representantes do PT. O senador Jorge Viana (AC), primeiro da legenda a falar sobre a questão, afirmou que não está tentando salvar Aécio, mas “a Constituição e o Estado Democrático de Direito”.
Em nota, a executiva nacional do PT criticou duramente a conduta de Aécio Neves, mas se posicionou contra a decisão do STF e defendeu que o senador seja levado ao Conselho de Ética da Casa, além de que seja dado o seguimento normal do processo que tramita contra ele na Justiça.
“Ele (Neves) terá de responder um dia, perante a Justiça, pelos gravíssimos indícios de corrupção que o cercam. Terá de ser julgado com base em provas, dentro do devido processo penal. Mas a resposta da primeira turma do STF a este anseio de Justiça foi uma condenação esdrúxula, sem previsão constitucional, que não pode ser aceita por um poder soberano como é o Senado Federal”, destaca a nota do PT.
“Não existe a figura do afastamento do mandato por determinação judicial. A decisão de ontem é mais um sintoma da hipertrofia do Judiciário, que vem se estabelecendo como um poder acima dos demais e, em alguns casos, até mesmo acima da Constituição. O Senado Federal precisa repelir essa violação de sua autonomia, sob pena de fragilizar ainda mais as instituições oriundas do voto popular. E precisa também levar Aécio Neves ao Conselho de Ética, por ter desonrado o mandato e a instituição”, argumenta ainda o documento petista.
Sem autoridade moral
A nota também ressalta que o senador foi um dos maiores responsáveis pela atual crise política e econômica do país e pela desestabilização da democracia brasileira. E enfatiza que “Aécio Neves defronta-se hoje com o monstro que ajudou a criar. Não tem autoridade moral para colocar-se na posição de vítima”.
Outro opositor do governo Temer, o senador Roberto Requião (PSDB-PR), que já fez várias críticas a Aécio Neves, desta vez se manifestou em sua defesa neste caso. “Apesar das acusações serem pesadíssimas, não existe esse tipo penal, nem na Constituição nem na legislação, de afastamento de um senador. O senador merece, como qualquer brasileiro, o devido processo legal e o direito de defesa”, disse.
Entre analistas legislativos e cientistas políticos, já é dado como certo que o Senado vai anular a decisão do STF por ampla maioria. Além do afastamento, os senadores contestam a determinação dos ministros da primeira turma do tribunal de que Aécio seja proibido de sair à noite e de se comunicar com pessoas envolvidas no processo no qual ele figura como réu.
“Isto é quase uma prisão domiciliar. É um tipo penal que não existe, uma interpretação diferente da lei que não cabe ser aplicada a um senador da República. O senador não foi condenado judicialmente. Precisamos barrar isso sob o risco de que se não o fizermos, passará a ser uma prática para com todos os senadores”, bradou o tucano Cássio Cunha Lima (PSDB-PB).
O senador José Medeiros (Podemos-MT), afirmou que “no dia em que um senador da República não tiver o amparo da lei, muito menos terá o Zé que está trabalhando de servente, de pedreiro, no interior do país”. Medeiros acrescentou que “se o senador Aécio tem de pagar, isso é um ponto, mas que seja feito dentro da lei”.
Acusações a Temer
Dois momentos tensos do dia de ontem repercutiram sobre o presidente Michel Temer e as articulações que estão sendo feitas pelo Palácio do Planalto e base aliada do governo no sentido de blindar Temer da denúncia contra ele, que tramita na Câmara dos Deputados. Foram protagonistas das críticas os senadores Renan Calheiros (PMDB-AL) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Calheiros, que foi um dos primeiros parlamentares a travar batalhas com o STF e reclamar de interferência entre instituições em ocasiões anteriores, reclamou mais uma vez da decisão dos ministros, mas disse que a causa de toda a confusão é a falta de legitimidade e representatividade de Temer. “Nós não temos um presidente da República e isso atrapalha a separação dos poderes. Temos, hoje, um presidente da República menor do que a cadeira que ocupa”, alfinetou.
Já Randolfe Rodrigues disse que é contra que a decisão sobre o caso Aécio vá ao plenário do Senado. Ele é favorável a que, se for o caso, seja apresentado um recurso junto ao tribunal. “Decisão judicial se cumpre ou se recorre, jamais se vota”.
Para o senador amapaense, o caso está sendo usado pelo Palácio do Planalto como mais uma articulação para o governo conquistar a bancada do PSDB – nitidamente dividida no apoio a Temer – e, no trabalho para salvar Aécio, negociar o apoio dos tucanos na votação da denúncia contra o próprio Temer, na Câmara. “Este é mais um capítulo de outra aliança espúria, que ajuda a lançar o país num precipício de incertezas”, acusou.
Entre as bancadas, as informações são de que durante todo o dia de ontem, Temer chamou ao seu gabinete vários senadores para conversar e pedir que não acatem a decisão do STF. Temer teria colocado o líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), como principal interlocutor desta ação em defesa de Aécio Neves.
O presidente do Senado, Eunício Oliveira, pediu aos colegas que não viajem nesta quinta-feira para seus estados para que possam votar o caso em plenário. Ele convocou os líderes dos partidos para uma reunião a ser realizada ainda na manhã de hoje.
Veja, abaixo, a íntegra da nota oficial divulgada pelo PT:
NOTA DA EXECUTIVA NACIONAL DO PT SOBRE O CASO AÉCIO NEVES
Aécio Neves é um dos maiores responsáveis pela crise política e econômica do país e pela desestabilização da democracia brasileira.
Derrotado nas urnas, insurgiu-se contra a soberania popular e liderou o PSDB e as forças mais reacionárias da política e da mídia numa campanha de ódio e mentiras, que levou ao golpe do impeachment e à instalação de uma quadrilha no governo.
Para consumar seus objetivos políticos, rasgaram a Constituição e estimularam a ação político-partidária ilegal de setores do Judiciário e do Ministério Público.
Aplaudiram todas as arbitrariedades cometidas contra lideranças do PT e dos setores populares, as violações ao devido processo legal e ao estado de direito democrático.
Compactuaram com o processo de judicialização da política, que visou essencialmente a fragilizar os poderes eleitos pelo povo.
As repetidas violações ao direito criaram um monstro institucional que tem como cérebro a mídia, comandada pela Rede Globo, e tem como braços os setores do MP e do Judiciário que muitas vezes acusam, punem ou perdoam por critérios políticos.
Aécio Neves defronta-se hoje com o monstro que ajudou a criar.
Não tem autoridade moral para colocar-se na posição de vítima.
Vítimas são as brasileiras e brasileiros que sofrem com o desemprego, a recessão, o fim dos programas sociais e a volta fome ao país, sob o governo de que Aécio Neves é fundador e cúmplice.
Por seu comportamento hipócrita, por seu falso moralismo, Aécio Neves merece e recebe o desprezo do povo brasileiro.
Ele terá de responder um dia, perante a Justiça, pelos gravíssimos indícios de corrupção que o cercam. Terá de ser julgado com base em provas, dentro do devido processo penal.
Mas a resposta da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal a este anseio de Justiça foi uma condenação esdrúxula, sem previsão constitucional, que não pode ser aceita por um poder soberano como é o Senado Federal.
Não existe a figura do afastamento do mandato por determinação judicial. A decisão de ontem é mais um sintoma da hipertrofia do Judiciário, que vem se estabelecendo como um poder acima dos demais e, em alguns casos, até mesmo acima da Constituição.
O Senado Federal precisa repelir essa violação de sua autonomia, sob pena de fragilizar ainda mais as instituições oriundas do voto popular.
E precisa também levar Aécio Neves ao Conselho de Ética, por ter desonrado o mandato e a instituição.
Não temos nenhuma razão para defender Aécio Neves, mas temos todos os motivos para defender a democracia e a Constituição.