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Quem são as pessoas com deficiência no mercado de trabalho sorocabano

Dados da subseção do Dieese revela o perfil dos beneficiados pelo sistema de Cotas para Pessoas com Deficiência; Bolsonaro quer acabar com a obrigação das empresas em contratar esses trabalhadores

Aliocha MaurícioSEDS/Foto Públicas
Dia Nacional da Luta das Pessoas com Deficiência é celebrado em 21 de setembro

Dia Nacional da Luta das Pessoas com Deficiência é celebrado em 21 de setembro

Uma situação corriqueira. Adriano Rodrigues Pereira tinha 13 anos. Na ocasião, ajudava o pai a fazer uma cerca. E então, o acidente: um prego atingiu um dos olhos. A partir dali, a vida mudou. O menino que gostava de brincar, andar de bicicleta, jogar bola – todas as coisas comuns de alguém da sua idade – passou a encarar uma rotina de cirurgias, tratamento e repouso.

Depois de mais ou menos cinco anos de muito sofrimento, Adriano decidiu que era hora de parar. “Passei nos melhores especialistas na época e eles disseram que não teria possibilidade de voltar a enxergar com esse olho”, conta ele, “e eu acabei desistindo de fazer outra cirurgia”.

A partir daí, era se adaptar a vida sem a visão de um dos olhos. Tempos mais a frente, há cerca de nove anos, ele conquistou uma vaga na metalúrgica Apex Tool pelo sistema de Cotas para Pessoas com Deficiência (PCD).

Funcionário do setor de distribuição da empresa, Adriano, hoje com 30 anos, é uma das 2.898 pessoas com deficiência que estão no mercado de trabalho em Sorocaba. Ou estavam. Os dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) são de 2018, último ano disponível para consulta, e foram compilados pela subseção do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) do Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região (SMetal) para esta reportagem especial do Dia Nacional da Luta das Pessoas com Deficiência, celebrado em 21 de setembro.

O perfil dos trabalhadores com deficiência

Desses 2.898, a maioria são homens (64,08%), enquanto as mulheres somam 35,92% dos trabalhadores com algum tipo de deficiência com emprego formal na cidade. Eles estão espalhados por diversos setores. Na ordem, as empresas que mais empregam são: indústria do material de transporte (16,63%), comércio varejista (13,25%), indústria mecânica (12,94%), serviço de alojamento, alimentação, reparação, manutenção, redação (8,76%) e ensino (6,42%).

31,95% desses trabalhadores têm entre 30 e 39 anos. Os que estão com idades de 40 a 49 anos somam 25,33% do mercado. Quase o mesmo número dos jovens com idades que vão dos 18 aos 29 anos, que representam 25,05% dos empregados com deficiência em Sorocaba. Os mais velhos – de 50 a 64 anos – são 15,94%, enquanto as pessoas com mais de 65 anos atingem apenas 1,73%.

Os tipos de deficiências desses trabalhadores são variados. 46,3% deles têm alguma deficiência física. As deficiências auditiva e visual vêm na sequência, com 20,3% e 16,1%, [f1] respectivamente. Já a deficiência mental representa 8,9% e a múltipla, 1,8%. Ainda neste quadro, 6,7% são considerados reabilitados.

Arquivo Pessoal
Genilson Soares da Silva é operador no setor de abastecimento na Schaeffler

Genilson Soares da Silva é operador no setor de abastecimento na Schaeffler

Genilson Soares da Silva, de 30 anos, é um deles. Funcionário da Schaeffler, ele nasceu com uma malformação congênita na mão esquerda. “É um encurtamento do membro, que atinge os três últimos dedos da mão esquerda, onde não nasceu o osso do tamanho correto”, conta.

Aos 18 anos, ele soube que tinha direitos por conta da deficiência. “Consegui meu primeiro emprego de PCD numa loja de roupa. Depois, em 2013, entrei na Schaeffler”. Hoje, ele é operador no setor de abastecimento da linha de produção da empresa.

O cargo é o segundo com mais trabalhadores registrados em Sorocaba – são 174 pessoas com deficiência exercendo essa função. Em primeiro lugar estão os auxiliares de escritório (221). Completam a lista das 10 profissões que mais empregam pessoas com deficiência operador de máquinas operatrizes (162), assistente administrativo (161), trabalhador de serviços de limpeza e conservação de áreas públicas (156), operador de linha de montagem de aparelhos eletrônicos (156), almoxarife (140), repositor de mercadorias (94), embalador a mão (57) e faxineiro (55).

Na Schaeffler, Genilson passou por várias funções. “Eu não me senti mal porque eu aprendi muito mais coisas do que uma pessoa que fica só numa máquina”, explica ele. “E eu vejo as pessoas com deficiência e muitas vezes elas trabalham melhor, com mais empenho do que aquelas que não tem nenhuma deficiência”.

Adriano também se sai bem no emprego. “Hoje na Apex Tool eu faço de tudo, ajudo no carregamento, opero empilhadeira. As pessoas brincam lá comigo que eu, com olho só, enxergo mais que eles. Eles me apelidaram de “Tudão”, porque se não acham alguma coisa, o “Tudão” acha”, brinca ele.

O sustento da família

O levantamento da subseção do Dieese aponta que 6,83% desses trabalhadores ganham até um salário mínimo por mês. A maioria deles – 33,33% – têm rendimento entre 1 e 2 salários mínimos. Na sequência vêm os que ganham entre 2 e 3 salários mínimos – 23,64%. Já os que recebem de 3 a 4 salários mínimos somam 10,70%, enquanto os que faturam mais de 10 salários mínimos são apenas 3,11% do total de trabalhadores com algum tipo de deficiência.

Arquivo Pessoal
Adriano Rodrigues Pereira trabalha na Apex Tools, no setor de distribuição

Adriano Rodrigues Pereira trabalha na Apex Tools, no setor de distribuição

No quadro geral, os dados revelam que esses trabalhadores recebem um montante de aproximadamente R$ 8,2 milhões por mês.

E é com esse salário que pessoas como Genilson, que teve a primeira filha há 19 dias, sustentam a família. O mesmo que Adriano. Casado e pai de um menino de seis anos, o que ele recebe da Apex Tool é a única renda fixa da família. “Minha esposa não tem trabalho registrado, ela faz bicos. Então, o dinheiro do meu trabalho é o que é garantido todo mês”, conta ele.

Lei de Cotas corre perigo

Como eles, o presidente do SMetal, Leandro Soares, também foi beneficiado pelo sistema de Cotas para Pessoas com Deficiência. Em 2002, quando tentava a vida como jogador de futebol, ele teve uma infecção de amígdala. Na época, o problema foi mal diagnosticado e evoluiu para um quadro mais grave. “A infecção acabou indo para corrente sanguínea e se alojando no quadril. Isso levou a um quadro de septicemia, que resultou em um coma natural e induzido de 24 dias”, lembra Leandro.

Depois de bastante sofrimento e chegar a ser considerado morto, Leandro se recuperou, mas não sem ter ficado com sequelas. “A doença resultou numa artrose no quadril, sendo responsável pela diminuição de uma das pernas, impossibilitando a atuação como atleta”, explica. Em 2004, sem possibilidade de continuar a busca pela carreira no futebol, Leandro conseguiu uma vaga de PCD e começou a trabalhar na ZF do Brasil, planta 2 (antiga Lemforder).

A lei que ampara e garante a inclusão de trabalhadores como Adriano, Genilson e Leandro corre perigo. Em vigor há 29 anos, a Lei das Cotas (nº 8213/1991) estabelece que empresas com mais de 100 funcionários empreguem entre 2% e 5% de pessoas com deficiência.

Mas se depender do presidente Jair Bolsonaro, isso está com os dias contados. Ele quer desobrigar as empresas desse tipo de contratação. O Projeto de Lei 6.159/2019, apresentado pelo governo federal ao Congresso, flexibiliza a lei de 1991. Na prática, as empresas não serão mais obrigadas a contratar pessoas com deficiência. Ao invés disso, elas poderão optar por um recolhimento mensal, no valor de dois salários mínimos, para a União.

E as empresas que mais empregam pessoas com deficiência são aquelas obrigadas por lei. O levantamento da subseção do Dieese aponta que 79,92% dos trabalhadores com deficiência estão em empresas com mais de 100 funcionários, ou seja, contratados por força da legislação vigente. Apenas 20,08% conseguiriam emprego em estabelecimentos que não são obrigados pela lei a terem pessoas com deficiência no quadro de funcionários.

Adriano passou pela situação de não conseguir emprego por causa da deficiência. “Fiz teste em duas empresas e, no final, por causa de não ter a visão de um dos olhos, não consegui a vaga. Na época, fiquei triste, quase entrei em depressão porque a gente precisa trabalhar. Então, a lei é muito importante porque é ela que nos dá garantia”.

Foguinho/Arquivo/Imprensa SMetal
O presidente do SMetal, Leandro Soares, também foi beneficiado pelo sistema de Cotas para Pessoas com Deficiência

O presidente do SMetal, Leandro Soares, também foi beneficiado pelo sistema de Cotas para Pessoas com Deficiência

Para Genilson, as pessoas com deficiência correm sério risco caso a lei seja aprovada. “A empresa vai pensar que dá para ela desligar essas pessoas e contratar outras que, na visão dela, vão render mais. A gente sabe que a pessoa pode ter o diploma que for, a empresa não chamaria se não fosse a obrigatoriedade da lei”.

Genilson destaca ainda que é importante que as pessoas invistam na formação. “Não é porque existe a lei que a gente não tem que se capacitar. Temos que correr atrás sempre do melhor para podermos conquistar outras vagas importantes dentro das empresas”.

Leandro ressalta que a Lei de Cotas é uma conquista. “Nada vem de graça. O sistema de cotas para pessoas com deficiência foi implantando depois de muita luta e é só isso que obriga as empresas a terem esses funcionários no seu quadro. É só olhar a quantidade dessas pessoas que estão com carteira registrada na indústria, no comércio”.

Ele enfatiza que é preciso lutar para barrar mais esse retrocesso. “Nos últimos anos, os direitos dos trabalhadores estão sob forte ataque, com leis como as reformas Trabalhista e da Previdência que retiram direitos da classe trabalhadora. E agora mais esse golpe contra as pessoas com deficiência. Não podemos aceitar e vamos continuar na luta para garantir os direitos e a inclusão de todas as pessoas”.

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