O Senado deve concluir nesta terça-feira 13 a votação da Proposta de Emenda à Constituição 55, que prevê o congelamento dos investimentos do governo em áreas como saúde, educação e assistência social por 20 anos. Para ser aprovada, a PEC precisa dos votos de pelo menos 49 senadores. Se passar, o crescimento das despesas estará restrito à variação da inflação.
A velocidade com que a proposta tramitou no Congresso impressionou o australiano Philip Alston, relator especial da Organização das Nações Unidas para a Pobreza Extrema e os Direitos Humanos. Na sexta-feira 9, ele emitiu um comunicado no qual afirma que a aprovação da PEC 55 é um “erro histórico” que provocará “retrocesso social”.
Em entrevista a CartaCapital, Alston critica o fato de uma medida “radical” e “dramática” ter sido proposta por um governo que não foi eleito nas urnas. “Está claro que essa é uma proposta que interessa a uma pequena parcela da elite e de jeito nenhum faz parte dos interesses da maioria da população.”
CartaCapital: Qual a opinião do senhor a respeito da PEC 55?
Philip Alston: Essa proposta é muito problemática, não é nada coerente com os direitos humanos. Limitar gastos sociais por um período de 20 anos é completamente inaceitável e nenhum governo poderia ter o direito de restringir as opções de governos futuros nesse sentido.
Eu também acredito que, quando mudanças dramáticas são propostas, é essencial que haja um debate público, com informações detalhadas a respeito das consequências dessas medidas. Eu não acho apropriado acelerar essa discussão no Congresso e acho particularmente inapropriado que um governo que não foi eleito proponha medidas tão radicais e imutáveis nas políticas econômicas e sociais.
CC: O senhor assina uma nota da ONU com críticas à PEC 55. Desde quando vocês estão monitorando esse processo?
PA: Eu venho acompanhando as discussões há algumas semanas e decidi emitir agora esse comunicado porque, em breve, poderá ser tarde demais para fazer qualquer coisa. Aceitar que políticas de áreas fundamentais como saúde e educação sofram um desmonte pelos próximos 20 anos é totalmente incoerente com as ideias de direitos humanos.
CC: Quais os riscos que a PEC 55 representa aos direitos humanos no Brasil?
PA: Em primeiro lugar, a proposta prevê que, nos próximos 20 anos, o governo vai gastar com políticas sociais muito menos do que gasta hoje. Isso significa que toda uma futura geração está condenada, o que é inaceitável.
Em segundo lugar, em vez de enxergar a saúde, a educação e outros direitos como uma forma de melhorar a competitividade da economia brasileira, o governo vende a ideia de que cortar gastos irá resolver os problemas do País. Mas toda pressão é colocada na área social, sem a discussão de alternativas possíveis.
Por último, ao propor algo que representa um retrocesso em direitos humanos, é essencial que seja feita uma análise bastante cuidadosa das consequências, a fim de garantir um debate realmente democrático. Mas a proposta foi empurrada ao Congresso com extrema rapidez.
CC: Qual a importância de políticas públicas de saúde e educação em um País como o Brasil?
PA: Saúde e educação são importantes para a economia, não apenas para a população. Se a população não é bem educada e não está saudável, tudo isso prejudica o crescimento econômico. Está claro que essa é uma proposta que interessa a uma pequena parcela da elite e de jeito nenhum faz parte dos interesses da maioria da população.
CC: O senhor já viu algo parecido com a PEC 55 em outros países?
PA: Não por 20 anos.
CC: Qual a sua avaliação a respeito da crise política no Brasil?
PA: Não tenho opinião a respeito da crise política brasileira. Sou um especialista em direitos humanos, com foco em direitos sociais. Não tenho nada a dizer a respeito do governo de forma geral. Posso dizer apenas que essa proposta é bastante problemática.