Defensor da ampla divulgação de fatos contra políticos investigados na Operação Lava Jato, fruto da sua peculiar interpretação da Mani Pulite italiana, o juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, determinou a condução coercitiva de Eduardo Guimarães, autor do Blog da Cidadania, em inquérito que apura o suposto vazamento de informações da 24ª fase da Operação Lava Jato, deflagrada em março de 2016.
Guimarães antecipou informações sobre a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que serviu de alerta para mobilizar a militância em sua defesa. À época, o Ministério Público Federal reclamou e disse que o fato seria investigado, embora jornalistas de veículos tradicionais tenham no mesmo dia antecipado informações a respeito. Os vazamentos são práticas recorrentes desde o início da operação.
Além da condução coercitiva de Guimarães para prestar depoimento na Superintendência da Polícia Federal de São Paulo, Moro expediu um mandado de busca e apreensão na casa do jornalista. Computadores e celulares foram confiscados. Com isso, o blogueiro ficou incomunicável por várias horas, relata o advogado Fernando Hideo Lacerda.“Ele sequer conseguiu avisar seus defensores. Permitiram um telefonema para número fixo, mas ainda não havia ninguém no escritório naquele horário”.
Lacerda queixa-se de uma “série de arbitrariedades” na decisão judicial e em sua execução. “Em primeiro lugar, não faz sentido conduzir coercitivamente alguém que não foi chamado a depor anteriormente e jamais se recusou a prestar esclarecimentos. Segundo ponto: iniciaram o depoimento sem a presença de seu advogado. Além disso, confiscaram celulares e computadores com o claro objetivo de identificar a fonte das informações do jornalista. Por fim, Moro é suspeito para determinar tal medida contra ele, pois ambos possuem contendas na Justiça”.
Em fevereiro, Guimarães foi intimado a depor em outra investigação, sobre supostas ameaças feitas a Moro nas redes sociais. No Twitter, ele chamou o magistrado de psicopata e disse, dirigindo-se aos leitores, que os “delírios” do juiz “vão custar seu emprego, sua vida”.
Antes disso, em maio de 2015, Guimarães protocolou no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) uma representação contra o juiz Sergio Moro, questionando a prisão temporária de Marice Corrêa Lima, cunhada do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, bem como a “execração pública da sua imagem nos meios de comunicação de massa”.
Violação do sigilo de fonte
Em uma audiência por videoconferência realizada nesta terça-feira 21 com Moro, o deputado federal Paulo Teixeira, do PT, arrolado como testemunha de Branislav Kontic, ex-assessor de Antonio Palocci, perguntou ao magistrado sobre a condução coercitiva de Guimarães.
“O juiz Moro disse que ele não é jornalista, mas eu respondi que o fato de ele não se jornalista não o impede de exercer o jornalismo”, afirmou o deputado em um vídeo publicado no Facebook. “Acho grave que estejam investigando a fonte do Eduardo Guimarães. É uma restrição à liberdade de imprensa, é censura, é uma tentativa de constranger aqueles que questionam a postura do Judiciário”, emendou o parlamentar.
É questionável o critério adotado por Moro para definir quem pode ou não praticar jornalismo, uma vez que o Supremo Tribunal Federal retirou a obrigatoriedade do diploma para exercer a profissão. E a Corte entende que o sigilo de fonte não é direito exclusivo do jornalista.
Em decisão proferida em 5 de outubro de 2015, em um processo que pedia a remoção de uma reportagem de um site, o ministro Celso de Mello ressaltou que o sigilo de fonte é meio essencial de plena realização do direito constitucional de informar, “revelando-se oponível, por isso mesmo, em razão de sua extração eminentemente constitucional, a qualquer pessoa e, também, a quaisquer órgãos, agentes ou autoridades do Poder Público, inclusive do Poder Judiciário, não importando a esfera em que se situe a atuação institucional dos agentes estatais interessados”.
Moro já destacou “utilidade de vazamentos”
Apesar de investigar o blogueiro por antecipar a condução coercitiva de Lula, Moro mais de uma vez defendeu os vazamentos como arma a favor das investigações. Em seu artigo “Considerações sobre a Operação Mani Pulite”, que analisa a operação italiana Mãos Limpas, inspiração para a Lava Jato, o magistrado destacou a utilidade dos vazamentos à mídia por manterem o interesse público elevado.
“A investigação da Mani Pulite vazava como uma peneira. Tão logo alguém era preso, detalhes eram veiculados no L’Expresso, no La Repubblica e outros jornais e revistas simpatizantes. Apesar de não existir nenhuma sugestão de que algum dos procuradores mais envolvidos com a investigação teria deliberadamente alimentado a imprensa com informações, os vazamentos serviram a um propósito útil. O constante fluxo de revelações manteve o interesse do público elevado e os líderes partidários na defensiva.”
Outro fato curioso é a seletividade dos alvos de investigação pelos vazamentos da 24ª fase da Lava Jato. Diversos jornalistas pareciam ter informações privilegiadas antes da espetaculosa ação da PF. Horas antes da condução coercitiva do ex-presidente, que assumiu a identidade “Lulinha, Paz e Amor” nas eleições de 2002, criada pelo seu marqueteiro, Diego Escosteguy, da revista Época, fez a seguinte postagem:
Escosteguy nunca criticou a atuação e Moro e da Lava Jato, ao contrário de Guimarães.
O Barão de Itararé, que congrega sites e blogs progressistas, organiza um ato em desagravo ao blogueiro na capital paulista. O evento será às 19h no Sindicato dos Engenheiros.