Pesquisas de opinião passam a impressão de que a redução da maioridade penal no Brasil é amplamente aceita pela população – com cifras como a do Instituto Datafolha, que indica 87% de brasileiros a favor da medida -, mas talvez não seja bem assim. A questão passa por como se pergunta, destaca Berenice Gianella. “Se fizermos pesquisa perguntando ‘ele matou aos 16, tem que pagar?’, é claro que a resposta vai ser ‘sim'”, questiona a presidente da Fundação CASA. “Outra coisa”, acrescenta, “é discutir a redução”.
Berenice Gianella vê na aprovação da PEC 171/93, que atualmente é analisada por uma comissão especial na Câmara dos Deputados, o aumento da criminalidade entre jovens – efeito contrário ao desejado pela população – e uma série de desserviços ao país. “O crime organizado começará a procurar menores menores”, opina. Apesar de ter sido indicada ao cargo pelo governador do Estado, Gianella é considerada uma voz destoante no Governo de Geraldo Alckmin (PSDB), que já se declarou favorável à redução da maioridade.
Formada em Direito, foi secretária adjunta da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo (SAP) e diretora executiva da Fundação Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel de Amparo ao Preso (Funap), onde permaneceu de 2000 a 2005. Desde então, a procuradora do Estado de São Paulo está à frente da Fundação, a antiga Febem, que passou por um importante processo de revitalização e hoje presta assistência a cerca de 10.000 jovens em todo o Estado de São Paulo.
Mesmo lidando de perto com a criminalidade infantil e com o dia a dia de uma instituição dedicada às medidas socioeducativas de prevenção e de reeducação de jovens frente ao crime – onde 2,8% dos internos cometeram crimes hediondos -, Berenice acredita que os 18 anos são “um limite razoável”. “Uma coisa é ter consciência dos próprios atos, outra é desenvolver autocontrole para conter os impulsos”, diz.
Pergunta. Quais você acha que seriam as principais consequências sociais da redução da maioridade penal?
Resposta. Primeiro, acho que o crime organizado começará a procurar menores menores. Se isso acontecer – apesar de que o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prega a internação como última medida, aplicando antes a liberdade assistida ou a semi-internação -, pode ser que entrem mais jovens nas unidades, dependendo da gravidade desses crimes. Em outras palavras, vamos passar a internar adolescentes mais cedo.
P. Você destacou, em um ato realizado na São Francisco contra a redução, que o Estado de São Paulo tem metade dos adolescentes internos do Brasil, que são 20.000. Por que essa concentração?
R. Bom, primeiro porque a população do Estado é maior. No entanto, nota-se também um maior rigor do poder judiciário em relação aos menores de idade envolvidos com o tráfico de drogas. Em termos gerais, no país, a internação deles acontece na terceira passagem. Mas, especialmente no interior de São Paulo, jovens sem antecedentes são internados na primeira incidência. A liberdade assistida é muito menos utilizada pelos municípios do que a internação. O pensamento não costuma ser “se não funciona, vamos fazer funcionar”. Eles preferem o “vamos dar um susto no menino, pelo menos haverá uma resposta em um tempo rápido”.
P. Que avaliação você faz do ECA, que completa 25 anos em 2015?
R. O ECA tem dois eixos: o de proteção à criança e ao adolescente, pensando na prevenção de problemas que eles podem vir a ter com a lei; e o de atendimento, dirigido àqueles que cometem atos infracionais. No primeiro, há medidas insuficientes ou de má qualidade em sua aplicação, que acabam levando adolescentes a cometer crimes. E, no segundo, muitas vezes as políticas públicas que estão no estatuto ainda não se implementam de fato. Precisamos melhorar o que já temos nas mãos.
P. A seu ver, o que é preciso fazer para combater a criminalidade infantil no país?
R. Acho que, como Estado, falhamos em ter um retrato de onde vem a criminalidade no Brasil. Não cruzamos os dados computados pela Fundação CASA com os da Segurança Pública. É preciso avaliar melhor o que está dando errado para que o adolescente chegue à Fundação. O que podemos fazer para combater isso? Nos últimos anos, nosso atendimento dentro da Fundação melhorou muito. Mas precisamos tentar estancar o envolvimento de jovens com as drogas, tendo para isso um diagnóstico de todo o Brasil.
P. Quais são as condições de tratamento atualmente na Fundação CASA?
R. Os adolescentes são super bem tratados. Temos hoje mais unidades menores, que foram reformadas para trabalharmos com grupos pequenos. Em cada sala de aula, por exemplo, há cerca de 60 jovens, o que é próximo da média de escolas comuns (próxima de 40, 45). São também realizadas atividades socioculturais, cursos profissionalizantes, esporte.
P. Se a idade de responsabilidade penal for reduzida para 16 anos, abre-se caminho para que os jovens possam ingerir bebidas alcoólicas, dirigir etc. com essa idade?
R. Uma coisa é a maioridade penal, outra são os direitos civis. Mas é claro que se cria uma certa confusão e vamos deixar de ter coerência na legislação. O senso comum é que adolescentes não têm maturidade para certas coisas. Os 18 anos são um marco, porque são considerados pela maioria dos países como um limite razoável em que o ser humano é capaz de assumir suas responsabilidades. Porque uma coisa é ter consciência dos próprios atos, outra é desenvolver autocontrole para conter os impulsos.
P. Você acredita que a PEC vai passar?
R. Acho que tivesse que ser votada hoje, a proposta passaria no Congresso. Talvez fosse derrubada no Supremo Tribunal Federal por ser considerada inconstitucional. Mas o importante, por hora, é que as pessoas estão começando a discutir os benefícios (ou os desserviços) da redução, e isso é muito bacana. Se trata disso, na verdade. Se fizermos pesquisa perguntando “matou aos 16, tem que pagar?”, é claro que a resposta vai ser “sim”! Quando se começa a ponderar, sinto que as pessoas se interessam pelo tema e conversam mais sobre ele. Tenho a sensação que a sociedade brasileira está mudando de opinião.
P. O que aconteceria com a Fundação CASA se a PEC 171 fosse aprovada e a lei mudasse hoje?
R. É complexo. De imediato, teríamos que rever planos, passar alguns prédios para penitenciárias… A maioria dos internos têm entre 16 e 18 anos, então a tendência seria reduzir drasticamente a população nas unidades. Também teríamos que pensar em uma reforma na proposta de atendimento. Por exemplo, os adolescentes entre 12 e 15 anos frequentam ainda o ensino fundamental fora da Fundação e não têm aulas dentro da Fundação, como os mais velhos, então essa seria uma mudança.