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Ocupação em Iperó

Resistência e luta marcam os 26 anos do assentamento Ipanema

O clima no barracão do Assentamento Ipanema, em Iperó, na quarta-feira, dia 16, era de festa pela comemoração aos 26 anos da ocupação da Flona, mas também relembrando as lutas dos trabalhadores rurais sem-terra

Imprensa SMetal
Foguinho/Imprensa SMetal
O coordenador nacional do MST, Gilmar Mauro, falou sobre o momento pós-golpe à democracia e que só a mobilização nas ruas garantirá a vitória da classe trabalhadora

O coordenador nacional do MST, Gilmar Mauro, falou sobre o momento pós-golpe à democracia e que só a mobilização nas ruas garantirá a vitória da classe trabalhadora

“Enquanto existir um sem-terra, somos todos sem-terra”, foi um dos recados de Gilmar Mauro, liderança nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), aos moradores do assentamento Ipanema, em Iperó, na noite de quarta-feira, dia 16.

Gilmar e diversas lideranças políticas, sindicais e de movimentos sociais participaram da comemoração pelos 26 anos da ocupação na Fazenda Ipanema (Flona), realizada em 16 de maio de 1992. O clima no barracão comunitário era de festa, mas também de recordar as lutas dos assentados de Iperó ao longo dos anos.

“Foram algumas coisas que nos fizeram chegar até aqui: muita luta; saber onde queríamos chegar; organicidade; unidade; alianças; planejamento; solidariedade e o que chamamos de ‘mística’, que significa trazer o sonho do futuro para o presente e se alimentar desse sonho”, enfatizou Gilmar Mauro.

A assentada Deise Alves, que foi uma das lideranças que coordenou a ocupação da Floresta Ipanema em 1992 e militante história do MST, relembrou a chegada dos trabalhadores rurais a Iperó. “A ocupação surgiu da necessidade concreta dos trabalhadores rurais sem-terra de terem uma alternativa, que seria o acesso à terra”, explicou.

Articulada nas regiões de Campinas e Piracicaba, a preocupação inicial da coordenação, de acordo com Deise, era de que “viessem apenas aqueles realmente tivessem a vontade e cultivar a terra ou de retomar a herança de pais e avós”.

Foguinho/Imprensa SMetal
Com seu reco reco nas mãos, Dona Isaurina, de 78 anos, relembrou alguns momentos que marcaram à sua vinda ao assentamento de Iperó

Com seu reco reco nas mãos, Dona Isaurina, de 78 anos, relembrou alguns momentos que marcaram à sua vinda ao assentamento de Iperó

Uma dessas famílias era a de Isaurina Neves da Silva Santos, a Dona Isaurina, hoje com 78 anos recém-completados. Na época morava em uma área verde em Cosmópolis, interior São Paulo, e procurava terras para cultivar e sustentar a família junto de seu marido. “Quinze dias depois que haviam ocupado aqui, minha filha mais velha contou que tinha conseguido esse lugar, essa terra. Me arrumei e vim de mudança pra cá”, disse.

“No começo foi uma luta pra nós, entramos aqui e fomos pelejando, plantando uma coisa e outra, viajando pra uma cidade e outra, fui até parar em Brasília”, completou.

Com seu ‘reco reco’ nas mãos, Dona Isaurina, orgulhosa, contou os alimentos que produz hoje: “planto banana, mandioca, batata, cana, jaca, manga, laranja, mexerica. Só não tenho carambola porque não pegou”. E enfatizou: “Eu não tenho vontade de sair daqui mais nunca, só quando Deus me chamar”.

Escolha da fazenda Ipanema

Deise contou à Imprensa SMetal que, antes da ocupação ser realizada nas terras da Flona, alguns militantes do MST ficaram responsáveis em localizar uma área na região e entrar em contato com entidades de classe, como sindicatos, ong, entidades jurídicas, pastorais de base, que dessem apoio com material e logística.

“Tinha toda uma questão estratégica na região, queríamos questionar o (Centro Experimental) de Aramar aqui, além da área ser improdutiva na época”, explicou a assentada. “Mas nós conseguimos montar uma estratégia a curto, médio e longo prazo, que foi bem sucedida, como vemos hoje”, completou.

O Sindicatos dos Metalúrgicos foi uma das entidades que apoiaram a vinda dos trabalhadores rurais à região. Sob presidência do metalúrgico Carlos Roberto de Gaspari, emprestou o caminhão de som para fortalecimento da posse da terra e cedeu a sede da entidade para realização de bazares em prol dos assentados.

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Deise Alves foi uma das lideranças que coordenou a ocupação da Floresta Ipanema em 1992 e, há 21 anos, mora no assentamento de Tremembé

Deise Alves foi uma das lideranças que coordenou a ocupação da Floresta Ipanema em 1992 e, há 21 anos, mora no assentamento de Tremembé

Outro ato de solidariedade destacado pela coordenadora do acampamento foi o dos detentos do presídio de Itapetinga. “No nosso primeiro mês de acampamento, eles fizeram um dia de jejum no almoço e enviaram todas as marmitas para nós. E em agradecimento, um tempo depois, assim que colhemos a nossa primeira horta, levamos os alimentos até o presídio”.

‘Ocupar, resistir e produzir’

A área escolhida para o acampamento não era suficiente para alocar as 800 famílias que vinham de diversas partes do País à procura de terra. Durante o processo, pessoas foram desistindo e outras 102 famílias excedentes foram realocadas em um assentamento em Vale do Paraíba.

“Se essas 102 famílias ficassem aqui, a quantidade de lotes de produção seria menor. O que dificultaria no parcelamento das terras”, explicou.

Segundo Dona Isaurina, os primeiros anos de acampamento não foram fáceis e, durante três deles, as famílias moravam em barracas de plástico e dormiam em cima de papelão.

“Uma vez, nós não tínhamos água ainda e fui buscar num poço lá longe, num vizinho. Quando voltei, tinha uma cascavel no pé da cama. Ela deu um bote, eu pulei pra trás e fui procurar ajuda”, contou dona Isaurina. “Hoje tenho meu poço, minha água, tenho energia. Foi uma conquista”, lembrou agradecida.

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O evento de comemoração dos 26 anos do assentamento Ipanema teve música, histórias e reencontros e aconteceu no barracão comunitário

O evento de comemoração dos 26 anos do assentamento Ipanema teve música, histórias e reencontros e aconteceu no barracão comunitário

De acordo com Deise, a produção de alimento começou mesmo antes da efetivação do assentamento Ipanema, que ajudava na sustentação do acampamento. “Produzíamos muito milho, melancia, e a horta. Vendíamos aqui nas adjacências, para as entidades parceiras, mas também recebíamos doações. A Zona Leste de São Paulo nos ajudou muito”, recordou.

Momento político

Deise Alves lembra que outra dificuldade na época foi o processo de negociação da criação do assentamento. “Estávamos numa conjuntura política difícil, com um governo do Fernando Collor de Mello, o que retardou o processo de transformação do acampamento em assentamento”. A efetivação do assentamento Ipanema aconteceu no final de 1994 a 1995.

Porém atualmente, destaca Deise, a dificuldade para continuar realizando ocupação aumentou. “Hoje está mais difícil, há muitas técnicas de manipulação da mídia contra o movimento e há morosidade das instituições, porque não temos mais pessoas nos governos que defendam o nosso projeto”, critica.

Foguinho/Imprensa SMetal
Após mais de 20 anos, o metalúrgico Izidio de Brito reencontrou dona Isaurina e relembro momento ao lado da assentada

Após mais de 20 anos, o metalúrgico Izidio de Brito reencontrou dona Isaurina e relembro momento ao lado da assentada

Apesar do cenário político atual, o coordenador nacional do MST, Gilmar Mauro, encerrou sua participação no evento com um recado de esperança. “Nascemos no período da ditadura militar, enfrentamos Collor e agora estamos enfrentando um golpe à democracia. Mas como vencemos no passado, vamos às ruas e venceremos no presente”, concluiu.

Reencontros

Além de relembrar as lutas e momentos dos 26 anos do assentamento Ipanema, o evento foi marcado por reencontros. Deise Alves, por exemplo, que liderou a ocupação em 1992, mora há 21 anos no assentamento de Tremembé, em São Paulo, e emocionou-se em rever lideranças de entidades que apoiaram à luta dos trabalhadores rurais e moradores que também coordenaram a ocupação.

O secretário de Organização do SMetal, Izídio de Brito, que na época já atuava pelo Sindicato e esteve representando a entidade no evento, comoveu-se à reencontrar Dona Isaurina. “Eu cheguei aqui e uma das primeiras pessoas que encontrei foi a Dona Isaurina. Durante as viagens bate e volta a São Paulo para participarmos de atos, ela levava um monte de comida no ônibus e todos íamos nos deliciando com a gostosa refeição que ela levava”, disse Izídio, homenageando todos os assentados da Fazenda Ipanema em nome de dona Isaurina.

Localizado na Fazenda Ipanema, em Iperó, atualmente 150 famílias moram no Assentamento.

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