O casarão dos tios Eva e Nicolau Tibechereny em uma travessa da Braguinha, e os quitutes que a tia preparava quando era criança, são as primeiras referências que vêm à cabeça de um dos principais pensadores do país, o sociólogo e cientista político Emir Sader, quando se lembra de Sorocaba, seu destino de férias quando menino. A recordação geográfica e gastronômica – reforçada recentemente quando assistiu ao monólogo Autobiografia autorizada em que Paulo Betti recorda sua infância em Sorocaba – é um dos poucos momentos em que Sader, que atualmente dirige o Laboratório de Políticas Públicas (LPP) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), deixa de lado o debate político, motivo esse que trouxe-o ontem a Sorocaba, para uma palestra no Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região.
A batalha do nosso tempo: desafios democráticos foi o tema do encontro que reuniu petistas e interessados em ouvir de um dos mais importantes pensadores e apoiadores do Partido dos Trabalhadores (PT), algumas respostas sobre o rumo da país, a posição do PT frente a um emaranhado de denúncias e os imbróglios que impedem a democratização do país.
Partindo de uma explanação histórica, Sader repassou desde a Primeira República até os momentos atuais para apontar quais são os nós que impossibilitam a democratização do Brasil. “Falar em democracia é quebrar o poder do dinheiro”, defendeu.
Além da explanação sobre outros pontos citados por Sader como antidemocráticos, o professor, um dos grandes defensores do Partido dos Trabalhadores, reconheceu que um dos principais erros do partido desde o início da sua ascensão ao poder com o governo Lula até o momento em que atravessa uma das suas piores crises, foi o de não ter coibido irregularidades com o dinheiro público (como no caso da Petrobras). De acordo com Sader, além desse erro o modo de governo de alianças também acabou neutralizando a função e a identidade do partido, que deve contar cada vez mais com a figura carismática de Lula, para Sader o único líder nacional importante e capaz de despertar o que chama de consciência social da população. “O PT não soube se renovar, colocar novos objetivos, especialmente em relação à juventude”, criticou o cientista, alegando alguns dos motivos do enfraquecimento do partido.
Cruzeiro do Sul – Ao longo desses anos do Partido dos Trabalhadores (PT) no governo, o que mudou – se mudou – politicamente dentro do partido e qual o reflexo dessa mudança?
Emir Sader – O que tem de permanente, constante e coerente no PT é a prioridade social. É isso que dá coerência e continuidade ao PT. Agora, os caminhos para chegar aí, em uma circunstância em que nós somos minoritários, estamos cercados pelo capital financeiro, pelo monopólio privado dos meios de comunicação, levaram que o PT tivesse que fazer alianças pelas quais ele não é plenamente responsável pelo o que é feito. Quem decide é o governo, o governo decidiu por política de alianças, então o partido fica meio de escanteio. Nós precisamos redefinir a função de um partido, mas que função o partido tem se, na realidade, quem discute e decide é o governo? Então o PT ficou meio neutralizado, o perfil dele baixou muito, mas a partir desse Congresso agora e das autocríticas obrigatórias pelos erros cometidos, o PT vai começar assumir uma função e uma identidade mais clara.
CS – Desses erros cometidos pelo partido e mencionados pelo senhor, poderia citar o mais grave?
E.S. – Ter permitido que se fizesse irregularidades com recursos públicos. Não se pode dirigir uma empresa como a Petrobras durante tanto tempo e não coibir negócios feitos com empresa privada, com funcionarios que não são do PT, mas cuja responsabilidade de quem dirige a empresa é do PT. Digo esse exemplo da Petrobras pois está mais em voga, mas em outras circunstâncias também, pois setores públicos têm que ser altamente transparentes, democráticos, éticos. Quem dirigiu a Petrobras não enriqueceu, mas ou não foi competente, ou não teve capacidade, consciência para conseguir coibir uma coisa dessas. Isso é um exemplo, mas no que toca o PT, ele tem que ser um partido absolutamente ético, transparente, tanto com o partido quanto as funções do governo.
CS – Considerando o resultado das últimas eleições, o PT enfraqueceu?
E.S. – Não. O PT não soube se renovar, se colocar novos objetivos, especialmente em relação à juventude. Os governos do PT têm sido ausentes em tratar de temas como o do aborto – que não é um tema de jovens, mas os jovens pobres têm a ver com isso – meios de comunicação, a questão ecológica, temas importantes que estão ausentes. Isso acabou levando ao enfraquecimento do partido, principalmente nos setores mais jovens.
CS – Para o senhor, qual a legitimidade das manifestações que têm ocorrido no Brasil e execrado o PT e a presidenta?
E.S. – Eu acho que é uma combinação: por um lado o monopólio dos meios de comunicação que manipulam as coisas, geram acusações – grande maioria delas indevidas – mas que fazem circular essas acusações e algumas pessoas as aceitam. Por outro lado, há erros efetivos que o PT pode ter cometido, alguns por erros feitos, outro por ausência de um discurso público, de espaço para manifestar seu ponto de vista. Assim, essa combinação acabou elevando ao isolamento e criminalização injusta do PT, pois o Brasil todo aceita que o país hoje é melhor e menos injusto do que era na década de 1990, e isso por conta do PT.