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Ensino com Mordaça

Polêmica sobre denúncia de mãe ganha as redes sociais

Pais e alunos desmentem mãe que deu depoimento, na Câmara de Sorocaba, favorável à Escola Sem Partido. Reportagem indica que ela usou conflito familiar pré-existente para defender projeto da direita

Ana Cláudia Martins/Jornal Cruzeiro do Sul
Erick Pinheiro/Jornal Cruzeiro do Sul
Na EE Ossis Salvestrini Mendes, ninguém confirma história da mãe, que é partidária do Bolssonaro

Na EE Ossis Salvestrini Mendes, ninguém confirma história da mãe, que é partidária do Bolssonaro

Pais e alunos da Escola Estadual Professora Ossis Salvestrini Mendes, que fica no Jardim Brasilândia, em Sorocaba, não confirmaram as acusações de doutrinação política e ideológica por parte de partidos e sindicatos dentro da unidade escolar, como forma de captar jovens para a militância política. A denúncia foi feita pela mãe de uma estudante da escola, durante audiência pública ocorrida no dia 9 de outubro, na Câmara de Vereadores, cuja pauta foi a discussão do projeto de lei sobre a chamada “escola sem partido”, que tramita no Legislativo.

Segundo o relato da mãe, a escola onde a filha estuda teria sido “dominada pela vereadora Iara Bernardi (PT) e pela Central Única dos Trabalhadores (CUT)”. A vereadora e a CUT negam as acusações e afirmam que não fazem doutrinação política, ideológica ou partidária em escolas estaduais. Alegam ainda que o caso envolve um problema familiar, que foi exposto pela própria mãe na audiência pública. A Secretaria Estadual de Educação, questionada a respeito, afirmou que não há doutrinação nas escolas estaduais, já que as atividades escolares e as aulas são desenvolvidas de acordo com o currículo estadual. A direção da escola não quis se pronunciar.

De acordo com o que foi apurado pelo Cruzeiro do Sul, a adolescente namorava um aluno da escola, de 17 anos, que em sua página no Facebook divulgava fotos e eventos ligados ao PT, a sindicatos de trabalhadores e movimentos sociais, além de ser o presidente do grêmio estudantil. Já a mãe, que declara afinidade política com partidos e candidatos de direita, segundo as próprias postagens no Facebook, não teria aceitado o namoro da filha, que, por conta disso, teria saído de casa.

Em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que protege o menor de 18 anos de exposição e constrangimentos públicos, o Cruzeiro do Sul optou por não citar nesta reportagem o nome da adolescente, de sua mãe ou de pessoas ligadas a ela, por meio das quais a garota pudesse ser identificada.

Como tudo começou

O relato da mãe da aluna ocorreu no dia 9 de outubro, durante uma audiência pública na Câmara. No depoimento, que durou menos de cinco minutos, ela disse que tinha “perdido a filha” porque a adolescente saiu de casa dizendo que virou comunista. A mãe declarou ainda que a filha foi morar com um comunista, que seria o namorado da jovem. “A minha filha é uma menina criada numa família idônea, na moral e com conceitos religiosos, e infelizmente a gente colocou ela nessa escola. A minha filha está fora de casa. Ela está há 30 dias sem estudar e dentro da casa de um comunista”, relatou a mulher na ocasião.

Segundo a mãe, os representantes de partidos políticos e de sindicatos se aproveitam do momento de fragilidade dos adolescentes e “colocam ideologia dentro da mente deles”, destruindo tudo o que os pais construíram. “A minha filha foi confundida e está com a mente completamente perturbada”, afirmou. A mãe ainda pediu que os pais fiquem atentos porque eles (os comunistas) colocam ônibus na porta da escola e “levam seus filhos sabe Deus para onde”. Para ela, os adolescentes são levados para serem doutrinados. “Eles levam para doutriná-los e colocar essas ideologias malignas na cabeça deles, que são adolescentes e estão fragilizados”, denunciou.

A vereadora Iara Bernardi, citada nominalmente pela mãe, repudiou as acusações. “Eu, como vereadora eleita desta cidade, repudio veementemente essa afirmação, principalmente a tentativa leviana de determinados grupos de fazer uso político do fato para desviar o foco principal do debate que é a censura de professores em sala de aula”, disse a vereadora. Segundo ela, seu advogado levará o caso à Justiça, “pois são acusações infundadas e ofensivas” ao trabalho dela e ao PT. Já a CUT informou por meio de nota que “representantes da subsede da CUT de Sorocaba nunca estiveram na escola estadual, mas que colocam-se à disposição desta ou de qualquer outra instituição para participar de debates sobre a luta pela democracia e pelas causas coletivas, “como a de um trabalho digno e por qualidade de vida na sociedade”.

Pais não confirmam

Pais de alunos e estudantes da Ossis Salvestrini Mendes ouvidos pelo Cruzeiro do Sul não confirmaram as acusações da mãe da adolescente de 15 anos. No início da tarde de segunda-feira (30), o Cruzeiro do Sul esteve na escola e perguntou se os pais dos alunos tinham conhecimento de algum tipo de atividade feita por políticos e representantes de partidos dentro da escola, mas todos disseram que não. Além disso, eles também disseram que nunca viram a vereadora Iara Bernardi (PT) ou representantes da CUT na escola, fazendo palestra ou falando sobre política.

A dona de casa Cristiane da Cruz Cecílio, 42 anos, tem um filho que estuda no último ano do ensino médio e disse que ele nunca comentou nada com ela sobre atividades políticas ou de partidos em sala de aula. “Eu não tenho conhecimento de que isso ocorre dentro da escola do meu filho. Nunca vi e ele também não comentou nada”, afirmou. Segundo ela, o filho jamais afirmou que pessoas estranhas ou ligadas a partidos políticos e sindicatos frequentam a escola ou falam com os alunos sobre política e ideologias: “Que eu saiba, meu filho nunca participou de nada na escola que tenha ligação com partidos ou sindicatos.”

O pai de uma estudante do primeiro ano do ensino médio, Waldemir Custódio Cardozo, 51 anos, disse que todo dia vai buscar a filha na escola e nunca soube da ida de políticos ou de representantes de partidos à escola. “Minha filha nunca comentou nada e também não vi nada disso aqui. Então, eu acho que isso de doutrinação não ocorre nessa escola”, opinou. Waldemir afirmou ainda que a filha nunca participou de nada relacionado a partidos políticos na unidade escolar. “Que eu saiba, ela nunca foi convidada para participar de nenhum evento sobre partidos ou atividades políticas nem dentro da escola e nem em outros locais”, disse o pai da estudante, que é vendedor. Segundo Waldemir, a filha estuda na Ossis desde a oitava série, e ele nunca viu ônibus em frente da escola para levar os estudantes a encontros de partidos políticos.

Já a dona de casa Claudia Belo, 40 anos, tem um filho que está na sexta série e também negou que na escola ocorram atividades políticas promovidas por representantes de partidos ou outras pessoas. “Meu filho estuda há um ano aqui, mas ele nunca comentou nada sobre isso. Então, eu acredito que não existe isso de doutrinação política dentro da sala de aula. Eu pelo menos nunca fiquei sabendo e ele nunca comentou que tenha sido chamado para participar de eventos políticos fora da escola”, afirmou Claudia.

Namoro proibido

O Cruzeiro do Sul ainda conversou, na semana anterior, com quatro estudantes da mesma sala da adolescente, que também negaram existir qualquer tipo de doutrinação política em sala de aula, seja por representantes de partidos, sindicatos ou por professores. A jovem C. R. C., 15 anos, estuda na mesma sala da adolescente e disse que tudo o que a mãe da jovem falou sobre doutrinação política na escola é mentira. “Nem a vereadora Iara e nem pessoas da CUT fazem propaganda política ou eventos na Ossis. Eu pelo menos nunca vi e também não fui chamada para participar de encontros políticos fora da escola”, disse a estudante.

Outra aluna, B. N. D., 15 anos, também afirmou que o relato da mãe na Câmara foi mentiroso. “O problema é que a mãe não aceitava o namoro da filha com um aluno daqui, que é presidente do grêmio estudantil e estava envolvido com política, mas isso não tem nada a ver com a escola”, disse. O Cruzeiro apurou que a vereadora Iara Bernardi esteve uma vez na escola este ano, no dia 28 de junho, mas, conforme os estudantes, “somente de passagem”, durante uma festa de hip hop. “Ela só passou na escola, falou com algumas pessoas e logo já foi embora. Não fez palestra e não falou de política ou sobre partidos de esquerda para os alunos”, afirmou uma aluna.

A mãe que denunciou a escola foi convidada para participar da audiência pública por meio do vereador Luís Santos, que é o autor do projeto de lei sobre “escola sem partido”. Esse projeto prevê, entre outras coisas, que o professor, no exercício de suas funções, não pode se aproveitar da “audiência cativa” dos alunos para promover os seus próprios interesses, opiniões ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias. Ao anunciar a mãe para fazer o relato na tribuna, Santos disse que o caso serviria de alerta para os pais. A audiência pública foi transmitida ao vivo pela TV Câmara. Além disso, o depoimento foi gravado e disponibilizado pelo canal de vídeo YouTube, o que permitiu o seu compartilhamento também por redes sociais. Assim o depoimento da mãe ganhou destaque até em outras cidades por meio da internet.

Advogados negam conflito entre mãe e filha

Os advogados da mãe da estudante disseram ao Cruzeiro do Sul, em entrevista na semana retrasada, que não existia nenhum conflito familiar anterior entre mãe e filha. Eles receberam a equipe de reportagem no escritório deles, que fica na rua Aparecida, em Santa Rosália, porque a mãe não quis dar entrevista e também não permitiu que a filha fosse ouvida. Falando pela mãe, os advogados Lucas Gandolfe e Márcio Baldo conversaram com o jornal. Questionados sobre o motivo de a mãe ter aceitado expor o caso em audiência pública, disseram que a mulher “não tinha experiência” para administrar a situação. Os advogados afirmam que já protocolaram no Fórum uma ação judicial com pedido de busca e apreensão da adolescente para que ela retorne à casa da família.

Sobre as denúncias apontadas pela mãe sobre a escola, a vereadora Iara Bernardi e a CUT, eles disseram que “a doutrinação da filha teria ocorrido por um determinado segmento político, não necessariamente em um espaço físico”. “Existem fotos juntadas nos autos, por exemplo, em sindicatos, em reuniões em residências e em grupos e espaços abertos ao público. Os partidos políticos não foram especificados nos autos, em tese seriam de uma corrente ideológica mais à esquerda”, disse Lucas Gandolfe.

Os dois negaram que a filha tenha saído de casa por conta de desentendimento com a mãe, devido à não aceitação do namorado da adolescente. Lucas Gandolfe disse que o relacionamento entre elas era “excelente”. “Inclusive existem declarações de afeto da própria filha à mãe nas redes sociais e isso também está no processo para provarmos que a relação era excelente, era maravilhosa até meados deste ano. Esses fatos aconteceram há poucos meses e foi apenas um ponto fora da curva no relacionamento familiar, e já está sendo solucionado”, declarou. Segundo o advogado, a mãe está provando que o poder familiar é dela e que a afetividade, o amor e os laços familiares “sempre foram excelentes”.

“São só palavras”

No dia 24 de setembro (portanto, antes da audiência na Câmara), a filha fez uma postagem pública em sua página no Facebook, na qual relatou parte do drama familiar que ela estaria vivendo. Em um trecho, escreveu: “Boa noite ai para todos, seguinte… realmente é um drama, uma confusão em copo d”água. Acho que você se esqueceu de citar que: os que “estão” do seu lado são os mesmos que mandaram você me trancar em casa, que de certa forma ordenaram para me bater e me manter em cárcere. Como dito — a justiça divina não falha –. Ameaças houveram de outras partes, tentativas de jogar o carro em cima do meu namorado e mensagens o xingando e dizendo que o iria matar também.”

Questionados sobre as acusações, os advogados da mãe negaram os fatos narrados pela filha na rede social. Márcio Baldo disse que as acusações feitas pela adolescente contra a mãe “são só palavras” e que ainda não existe comprovação de que os fatos ocorreram. “A menina, pela idade que ela se encontra hoje, ela é absolutamente incapaz aos olhos da legislação. A criança é incapaz, então, os pais são os responsáveis, por isso chave no portão. E foi exatamente por conta dessa liberdade que ela teve que ela se envolveu com a política e que aconteceu tudo isso”, afirma o advogado.

A adolescente também tinha publicado em sua página no Facebook um vídeo, no qual afirmou que tudo o que a mãe tinha dito na audiência pública era mentira. Porém, o vídeo foi apagado da página dela no início da semana passada, assim como fotos de protestos de esquerda contra o governo federal, e várias postagens também direcionadas a partidos de esquerda.

Já na página do Facebook da mãe, constam postagens contra a chamada “ideologia de gênero”, contra partidos de esquerda de modo geral, a favor do projeto “escola sem partido”, a favor do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC) como possível candidato a presidente em 2018, além de postagens sobre Direita São Paulo e Direita Sorocaba.

Drama familiar já era acompanhado pelo Conselho Tutelar

O fato da adolescente de 15 anos ter deixado a casa da mãe supostamente por conta do namoro com um colega de escola já era de conhecimento do Conselho Tutelar de Sorocaba antes mesmo da audiência na Câmara ter tornado o caso público, no dia 9 de outubro deste ano. Segundo nota enviada ao Cruzeiro do Sul, o Conselho Tutelar teve conhecimento do caso no dia 5 de setembro, por meio de uma denúncia anônima. Portanto, mais de um mês antes do relato da mãe na audiência pública sobre o projeto de lei da “escola sem partido”.

De acordo com as informações do órgão, a denúncia anônima relatou que “a adolescente estava sofrendo agressões físicas e cárcere privado da genitora”. Por conta disso, o Conselho Tutelar foi até a casa da família para apurar os fatos, onde foi constatado que “a família já estava sendo atendida pela Polícia Militar, juntamente com dois adolescentes”, sendo um deles o rapaz L.D., de 17 anos, que seria namorado da jovem, e com quem ela supostamente estava morando quando saiu da casa da mãe.

O órgão afirma ainda que no mesmo dia conversou com a adolescente, ainda na casa da mãe, e que ela negou as agressões físicas e o cárcere privado. “Toda a situação narrada foi acerca de conflitos familiares, face a proibição da genitora em relação ao namoro da filha” com L. “Face a ausência de violação de direitos, o Conselho Tutelar deixou o local, somente orientando a mãe que fizesse boletim de ocorrência na polícia contra possíveis agressões sofridas pelo marido supostamente praticadas pelo namorado da filha”, diz nota do órgão.

Ainda segundo o Conselho Tutelar, alguns dias depois, a mãe ligou e informou ao órgão que a filha tinha saído de casa, sendo orientada a procurar um advogado e ingressar com ação de busca e apreensão da jovem, o que foi feito pela genitora por meio de dois advogados, sendo que o processo tramita em segredo de Justiça.

“Em casa de parentes”

O adolescente L.D. disse ao Cruzeiro do Sul que é legalmente emancipado e negou que atualmente esteja namorando a garota. Ele não quis ser entrevistado sobre o caso, mas confirmou que namorou a jovem, porém o relacionamento já acabou. L.D. também afirmou que a jovem não foi morar com ele e que ela estaria na casa de parentes, mas não informou o endereço.

Ele disse ainda que não estuda mais na Ossis Salvestrini Mendes, mesma escola em que o adolescente estuda, e onde era presidente do grêmio estudantil. Afirmou ser coordenador de um movimento social intitulado Núcleo de Comando Estudantil (NCE), que ele afirma não ter vínculos partidários. Disse também que já foi filiado ao PT, mas que atualmente não era mais filiado ao partido. L.D. participou no ano passado do movimento estudantil que promoveu ocupações de escolas estaduais em Sorocaba, como na própria Ossis Salvestrini Mendes. Ele ainda mantém fotos da ocupação escolar em seu Facebook, e de participações dele em protestos contra o governo do presidente Michel Temer (PMDB).

Na última quarta-feira (25), na página do Facebook do rapaz, foi publicada uma nota oficial do NCE, em que o movimento social fala sobre sua relação com partidos políticos. Um trecho da nota diz: “O NCE vem a público declarar que não há vínculo institucional da nossa entidade — em si mesma — com partidos políticos, e se havia em algum momento, agora não há mais.”

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