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Participação Social

‘Podem derrubar o decreto, mas a sociedade não vai baixar a cabeça’, diz liderança da CUT

Lideranças da CUT, da UNE, do MSU e da campanha Saúde + 10 são veementes no repúdio à reação dos setores conservadores da Câmara à reeleição da presidenta Dilma Rousseff (PT)

Rede Brasil Atual
Divulgação

Na última terça-feira (28), os deputados derrubaram o Decreto 243/2014, que cria a Política Nacional de Participação Social (PNPS)

Lideranças da Central Única dos Trabalhadores (CUT), União Nacional dos Estudantes (UNE), do Movimentos dos Sem Universidade (MSU) e da campanha Saúde + 10 são veementes no repúdio à reação dos setores conservadores da Câmara à reeleição da presidenta Dilma Rousseff (PT), e afinam o discurso de soma de forças na luta pela garantia da democracia e pelo avanço nas conquistas.

Na última terça-feira (28), os deputados derrubaram o Decreto 243/2014, que cria a Política Nacional de Participação Social (PNPS), com a aprovação do Projeto de Decreto Legislativo (PDC) 1491, apresentado pela oposição e que será agora apreciado pelo Senado.

O decreto é um conjunto de normas para o funcionamento de instâncias de participação social no controle da gestão pública. Para os críticos, porém, o decreto é uma forma autocrática, autoritária, que passa por cima do Congresso Nacional ao estabelecer mecanismos para ouvir a sociedade – uma prerrogativa do Legislativo.

Para a secretária-geral adjunta da CUT, Maria Godói de Faria, a decisão é um recado claro também para os movimentos sociais. “Estão dizendo com todas as letras que não reconhecem a sociedade e o seu papel, que vão tentar nos impedir de exercê-lo. A sinalização de que as coisas não serão fáceis para a democracia participativa. Pensam que vão conseguir derrubando o decreto, mas a sociedade não vai baixar a cabeça”, afirma.

“Está claro se tratar de mais uma tentativa de divisão de classe social, o que é muito sério. Vamos ter de fazer esse enfrentamento. Vai ser uma batalha ideológica, uma vez que a presidenta reeleita fale de diálogo e tenha como resposta a derrubada do decreto.”

Diálogo com a Sociedade

De acordo com a dirigente, os movimentos sindicais e sociais vão se organizar em várias frentes, como a apresentação de um projeto de lei com as mesmas funções do decreto presidencial e com a pressão no Congresso e nas ruas.

“Os deputados foram eleitos pela sociedade, para defender seus interesses, por isso esperamos maturidade e compromisso. E Embora a decisão não sinalize boa coisa, não vai nos enfraquecer”, diz Maria.

Ela destaca que, apesar da dificuldade de diálogo no primeiro turno, os movimentos, os jovens e os sindicatos reconhecem os avanços, como a valorização do salário mínimo, os ganhos salariais dos trabalhadores em geral, o menor desemprego da histórias e programas sociais. “Logo que reeleita, com apoio da maioria da população, ela vem a público falar sobre diálogo já que é presidenta de todo o país e é isso que recebe?”.

Para a dirigente cutista, os brasileiros estão engatinhando num processo que vem se consolidando e por isso de difícil retorno. “Então, toda vez que a democracia e as políticas públicas que garantem e ampliam direitos estiverem em risco, iremos às ruas. Nada nos foi dado, mas conquistado e em conquistas não se mexe, nem que a vaca tussa”, completa, ressaltando o bordão popularizado pela presidenta Dilma durante a campanha eleitoral.

A mobilização também é a palavra de ordem na Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), que conclama suas federações e sindicatos, bem como as organizações sociais parceiras para pressionar os senadores a reverterem a decisão tomada pelos deputados e aprovar, com os ajustes pertinentes, a Política Nacional de Participação Social que a entidade considera fundamental para fortalecer a democracia brasileira.

Decisão contra a Sociedade

A Contag entende que a decisão contra o decreto fere o princípio constitucional do Estado democrático. “Significa uma decisão contra a sociedade brasileira no seu direito republicano de participar ativamente na formulação e gestão de políticas que esse país precisa para alcançar um nível desejado de desenvolvimento com sustentabilidade e inclusão social”, afirmam os dirigentes da entidade em nota.

E que a PNPS nada mais é do que a consolidação do direito da sociedade civil e dos povos tradicionais de participarem dos espaços e instâncias democráticas que este governo construiu, com o propósito de articular e fortalecer o diálogo na formulação e gestão das políticas públicas para o País.

A Confederação espera, agora, que o Senado Federal consiga debater amplamente com a sociedade sobre a matéria e até aperfeiçoá-la, para que os atores sociais possam, de fato, consolidar esse direito enquanto instrumento para o exercício da cidadania e fortalecimento de um modelo de democracia participativa.

Nuvens fascistas

Para o coordenador geral do Movimento dos Sem Universidade (MSU), Sérgio Custódio, a anulação do decreto tem duas dimensões. A primeira, e mais grave, é que o mundo percebeu “diversas nuvens fascistas” no céu brasileiro. “O Congresso não pode se submeter a tais “nuvens” sob pena de se tornar o coveiro da história. O Congresso é o baluarte da democracia, conforme a Constituição de 1988, contrária à ditadura, nascida a partir da participação popular”.

Para Custódio, que considera a PNPS uma resposta digna de Dilma às ruas de junho de 2013, a castração da participação popular em tempos de internet, quando o mundo fica cada vez menor e as pessoas de todos os cantos do planeta estão conectadas, reflete um comportamento grosseiro e vingativo .

“Mesmo com esses políticos convictos de serem deuses num olimpo onde poder econômico e político estão de mãos dadas, e que tudo podem sobre os simples mortais, vamos unir forças populares para manter acesa a chama da democracia. É preciso marchar conjuntamente porque a situação é grave.”

Essa marcha, segundo ele, já começou. E se intensifica com a realização da Conferência Nacional de Educação em novembro, em Brasília. “É a prova de que os políticos não estão em sintonia com a sociedade que conquistou direitos e que quer mais direitos”.

A UNE entende que a decisão dos deputados federais contraria os interesses do conjunto da sociedade. “Quem teria interesse em barrar iniciativas para que o Estado brasileiro se abra para o povo? A inserção de uma maior participação social não é a chave para aumentar representação da população no nosso governo?”, questiona a presidenta da entidade, Vic Barros.

Ela lembra que os jovens estiveram nas ruas nas jornadas de junho clamando justamente por mais direitos. “Ficou evidente a urgência de uma maior atuação dos cidadãos comuns na administração do nosso país. Participação e transparência são passos importantes na consolidação de nossa democracia. Essa medida da Câmara está indo contra os interesses da população e lembra que ideias autoritárias, herança da ditadura militar, ainda vigoram em nossa sociedade”.

Anacronismo

A derrubada do decreto não chega a ser considerada derrota pelo secretário-executivo da Secretaria Especial da Presidência da República, Diogo de Sant´Ana. Para ele, a decisão anacrônica é mais um rescaldo do que vinha acontecendo após a confirmação da reeleição da presidenta Dilma Rousseff do que uma sinalização para o futuro.

Muito menos surpreende. O secretário executivo do órgão responsável pelas relações entre Planalto e os movimentos sociais esteve na Faculdade de Direito da USP, em São Paulo, no último dia 22, para debater a PNPS.

“O objetivo da política é melhorar a transversalidade das decisões nos conselhos para que isso possa ser incorporado no dia a dia da administração pública, ou seja, fixar regras para a organização e eleição dessas instâncias, estabelecer regras claras para conferências. É uma proposta de caráter indutivo”, disse durante sua participação.

Mesmo assim, segundo ele, o governo foi alvo de diversas críticas. “Entre outras coisas, disseram se tratar de mais uma conspiração chinesa-coreana-cubana-homossexual-petista para sovietizar o país, quando a instituição da participação social ajuda a implantar políticas públicas”.

No debate, o professor de Direito da USP Calixto Salomão Filho voltou a defender a PNPS. Ele destacou que a americana Elinor Ostrom, a primeira mulher a receber o Prêmio Nobel de Economia, em 2009, foi reconhecida por seu trabalho que demonstrou, entre outras coisas, que a melhor gestão de bens de grande relevância e valor para a coletividade é aquela em que tem participação os próprios grupos envolvidos.

Inclusão

Segundo ele, é o caso da Alemanha, onde desde a década de 1960 é obrigatória a participação paritária dos representantes de trabalhadores de grandes empresas no seu órgão decisório. Os resultados, a princípio surpreendentes, marcam a economia alemã até hoje.

“A participação dos trabalhadores incrementou a qualidade da gestão das empresas, profissionalizando e pondo fim à tradicional gestão familiar. Houve ganhos até mesmo para a macroeconomia, já que as empresas passaram a investir no longo prazo, com dividendos recolhidos nos dia de hoje, e não no curto prazo, para lucros imediatos.”

O desafio da política, segundo Sant’Ana, é abrir esses canais para que as populações excluídas possam fazer parte desses mecanismos de participação social.

Ele mencionou os catadores de materiais recicláveis como exemplo. No começo de setembro, um representante do Movimento Nacional de Catadores esteve em Nova York, na assembleia geral das Nações Unidas, para apresentar a Política Nacional de Resíduos Sólidos. O catador, que um dia esteve excluído da sociedade, falou para representantes de governos do mundo todo sobre o desenvolvimento sustentável por meio de políticas de erradicação da pobreza.

“Isso depende de um processo de educação política. Se uma política tímida como a PNPS, que apenas normatiza o que já existe na prática está causando toda essa celeuma, imagine então se a gente botasse a Receita Federal e a Marinha para submeter seus projetos e decisões a audiências públicas.”

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