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Especial #MulheresReais

Pobreza menstrual escancara desigualdades de um mesmo Brasil

Tema voltou a ser comentado após Jair Bolsonaro vetar o projeto de Marília Arraes (PT) que criava um programa destinado à proteção da saúde menstrual; Congresso derrubou o veto na última semana

Imprensa SMetal
Lucas Delgado/Imprensa SMetal
No país em que 25% das garotas entre 12 e 19 anos precisaram faltar da aula por não ter acesso à absorventes íntimos

No país em que 25% das garotas entre 12 e 19 anos precisaram faltar da aula por não ter acesso à absorventes íntimos

Ao menos 90% das meninas brasileiras passarão de 3 a 7 anos da sua vida escolar menstruando, mas uma boa parte desta porcentagem não terá condições de fazer a higiene pessoal durante o ciclo.

A pesquisa “Pobreza Menstrual no Brasil – Desigualdades e Violações de Direitos”, lançada em 2021 pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e Unicef, mostra que mais de um milhão de meninas não têm a sua disposição papel higiênico no banheiro das escolas; quase 200 mil alunas estão totalmente privadas de condições adequadas para cuidar da menstruação e pelo menos 320 mil estudam em escolas que não possuem banheiros em situação de uso.

No país em que 25% das garotas entre 12 e 19 anos precisaram faltar da aula por não ter acesso à absorventes íntimos, o presidente achou coerente vetar o projeto de lei que visa criar um programa destinado à promoção da saúde menstrual.

Proposta

O PL 4968/2019 foi proposto pela deputada federal Marília Arraes (PT) e aprovado pela Câmara em 2021. Dentre os objetivos, está a distribuição gratuita de absorventes para estudantes em situação de vulnerabilidade de escolas públicas de todo o país.

“Quando pensamos neste projeto, que foi o primeiro na Câmara dos Deputados, pensamos em dar mais dignidade para as mulheres, lutar contra o machismo e o preconceito. Foi uma grande vitória que conseguimos com essa aprovação”, comenta Marília Arraes, em entrevista para a Imprensa do Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região (SMetal).

Lula Marques/Partido dos Trabalhadores
Projeto da deputada petista, Marília Arraes, beneficiará mais de 5.6 milhões de mulheres com a distribuição de absorventes íntimos

Projeto da deputada petista, Marília Arraes, beneficiará mais de 5.6 milhões de mulheres com a distribuição de absorventes íntimos

Entretanto, a medida foi vetada por Jair Bolsonaro (PL) em outubro de 2021. O veto repercutiu em lideranças de diversos setores progressistas, parlamentares e militantes feministas. “Bolsonaro, mais uma vez, praticou um grande ato de misoginia com o veto ao nosso projeto. Impediu que mais de 6 milhões de mulheres fossem contempladas com a iniciativa”, comenta Marília.

À época desta entrevista, a deputada estava confiante de que o Congresso iria derrubar o veto. Foi exatamente assim. Na última quinta-feira, 10, o veto caiu com a maioria dos votos de deputados e senadores. Agora, Marília espera “que essa lei passe a ser uma política de Estado, para que mesmo com a alternância de governo”.

Além da distribuição gratuita, o PL também vai atender mulheres em situação de rua ou em situação de vulnerabilidade social extrema, presidiárias e pacientes internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa.

Mas afinal, o que é pobreza menstrual?

A Unicef caracteriza esse fenômeno pelos seguintes pontos:

falta de acesso a produtos adequados para o cuidado da higiene menstrual tais como: absorventes descartáveis, absorventes de tecido reutilizáveis, coletores menstruais descartáveis ou reutilizáveis, calcinhas menstruais, etc., além de papel higiênico e sabonete, entre outros;

questões estruturais, como a ausência de banheiros seguros e em bom estado de conservação, saneamento básico (água encanada e esgotamento sanitário), coleta de lixo;

falta de acesso a medicamentos para administrar problemas menstruais e/ou carência de serviços médicos;

insuficiência ou incorreção nas informações sobre a saúde menstrual e autoconhecimento sobre o corpo e os ciclos menstruais;

tabus e preconceitos sobre a menstruação que resultam na segregação de pessoas que menstruam de diversas áreas da vida social;

questões econômicas como, por exemplo, a tributação sobre os produtos menstruais e a mercantilização dos tabus sobre a menstruação com a finalidade de vender produtos desnecessários e que podem fazer mal à saúde;

efeitos deletérios da pobreza menstrual sobre a vida econômica e desenvolvimento pleno dos potenciais das pessoas que menstruam.

Miolo de pão

Estima-se que 22% das brasileiras de 12 a 25 anos não têm acesso a produtos confiáveis para a menstruação porque não têm dinheiro ou porque eles não são vendidos perto de casa, segundo pesquisa de 2018 da Sempre Livre.

Segundo dados extraídos a partir do levantamento do Laboratório de Ciências Aplicadas da Universidade de Sorocaba (Uniso), entre fevereiro de 2021 e fevereiro de 2022, um pacote de absorvente com oito unidades subiu 8,89% de valor. Levando em consideração que um ciclo menstrual tem, no mínimo, cinco dias, essa pessoa que menstrua precisará de dois pacotes para passar a semana.

“Para algumas, desembolsar R$20 em um pacote grande de absorvente pode ser uma coisa comum. Agora, em um lar que vive com o mínimo, esse dinheiro pode significar comprar uma bandeja de ovos, leite, pães”, afirma o Coletivo de Mulheres do Sindicato.

A Unicef também reporta que, quando não há uso adequado dos produtos de higiene menstrual, é comum que meninas e mulheres utilizem soluções improvisadas para conter o sangramento menstrual como pedaços de pano usados, roupas velhas, jornais e até miolo de pão.

Para além disso, há meninas e mulheres que não conseguem realizar trocas diárias de absorvente de três a seis vezes, como indicado pelos ginecologistas, e acabam ficando por horas com o mesmo protetor. “Neste cenário, políticas públicas como a da companheira Marília Arraes são mais do que necessárias. Promover a dignidade menstrual é uma pauta que deve ser abraçada por todes”, finaliza o Coletivo de Mulheres.

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