A aprovação, pelo Senado, da Proposta de Emenda Constitucional 66, a chamada PEC das Domésticas, amplia as garantias trabalhistas para a categoria que é formada em sua maioria (mais de 90%) por mulheres negras. A proposta será promulgada na próxima terça-feira (2). A PEC revoga o parágrafo único do artigo 7º da Constituição de 1988, dispositivo que enumerava direitos dos trabalhadores domésticos, mas que, na prática, retirava deles as garantias das outras categorias.
“Essa exceção, na época da promulgação da Constituição, já foi errada. Porque o empregado doméstico sempre foi um trabalhador como outro qualquer, que merecia todos os direitos de outros”, diz o professor Paulo Eduardo Vieira de Oliveira, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). “Nunca entendi essa exceção assegurando-lhes apenas alguns direitos. Isso é um resquício do tempo em que a trabalhadora doméstica era uma escrava que ficava dentro de casa, tinha obrigação de fazer tudo e estar à disposição do empregador o tempo todo sem receber por isso”, lembra Oliveira, que é também juiz do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região.
A PEC 66, ao revogar o parágrafo único do artigo 7° da Constituição, se acordo com o professor e magistrado, “apenas corrigiu um equívoco de 1988, e coloca essa categoria no mesmo patamar dos demais, como sempre deveria ter sido”. Para a senadora Lídice da Mata (PSB-BA), relatora da proposta no Senado, a aprovação da PEC pelo Parlamento “responde à necessidade de modernização da sociedade brasileira, principalmente para garantir o direito dos que precisam dos direitos: quase 8 milhões de trabalhadores domésticos no Brasil”.
(Arte: Júlia Lima. RBA) Clique para ampliar
“Foi uma conquista de longos anos. O artigo 7°era uma discriminação do Estado contra essa categoria. Discriminava quando dizia ‘exceto empregada domésticas’.
A lei maior do país, que dizia que ninguém podia discriminar, nos discriminava. É uma contradição”, diz a presidenta da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Creuza Maria Oliveira.
Direitos
A partir da emenda constitucional, empregadas, jardineiros, motoristas, cuidadores, babás, cozinheiros, entre outros, terão os seguintes direitos, que passam a vigorar e estão assegurados imediatamente a partir da promulgação do texto: garantia de salário, nunca inferior ao mínimo; proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; duração do trabalho não deve ser superior a oito horas diárias e 44 semanais; hora extra de no mínimo 50%; redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; proibição de qualquer discriminação relativa a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência; proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos; proibição de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos.
Segundo o advogado Claudio Pires Ferreira, consultor jurídico do Movimento de Donas de Casa e Consumidores do Rio Grande do Sul e conselheiro dos Procons de Porto Alegre e do estado, um dos dilemas imediatos trazidos pela PEC diz respeito ao início da vigência de aspectos que implicam em questões financeiras. “Um exemplo é a empregada que já tem um contrato de trabalho há muito tempo, digamos dois anos. A nova legislação gera efeitos nesses contratos, claro, mas não que o empregador vá ter de pagar o FGTS, por exemplo, retroativamente. Ele passa a recolher a partir de agora, a partir da data de promulgação da PEC”, explica.
Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, o trabalhador doméstico que estiver em residência sem algum dos direitos previstos na lei deve procurar as superintendências, gerências ou agências regionais para encaminhar denúncia ao plantão fiscal.
A denúncia será atendida por um auditor fiscal do trabalho. “O que vai definir que a responsável pela fiscalização do trabalho doméstico é a inspeção do trabalho será a ratificação da Convenção 189 da Organização Internacional do Trabalho”, diz o ministério. No Brasil, o domicílio é inviolável, de acordo com a Constituição. Sendo assim, a inspeção não poderá entrar nas casas para fazer a fiscalização.