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ENTREVISTA

Para Frei Betto é preciso fazer inclusão política além da econômica

Frei Betto concedeu entrevista exclusiva à imprensa do Sindicato e aborda o problema do individualismo, a sociedade de consumo, a necessidade de utopia e a relação dos jovens com a política

Imprensa SMetal/Fernanda Ikedo
Divulgação

Frei Betto fará palestra na sede do SMetal, no próximo dia 4, sobre a sociedade consumista

Por Fernanda Ikedo

Frei Betto fará palestra na sede do SMetal, no próximo dia 4, dando continuidade ao ciclo de formação da entidade. Ele concedeu entrevista exclusiva à imprensa do Sindicato e aborda o problema do individualismo, a sociedade de consumo, a necessidade de utopia e a relação dos jovens com a política.

Imprensa SMetal: O comportamento de selfies, que se espalha pela internet, aponta para uma sociedade egocêntrica que não consegue visualizar o entorno?

Frei Betto: Antes, muitos protestavam contra a invasão de privacidade. Hoje, milhares promovem a evasão de privacidade… Havia um muro que separava os territórios da vida pública e da vida doméstica. Agora, o muro ruiu, graças às novas tecnologias eletrônicas. E muitas pessoas se mostram em redes sociais como são de fato na vida privada: egocêntricas, agressivas, vaidosas, preconceituosas… Em suma, frutos do capitalismo neoliberal, cujo valor supremo é a competitividade. Ou seja, suba pisando no próximo, reduzindo-o a seus degraus de ascensão.

IS: Vivemos um processo de intolerância na sociedade. O ser humano está perdendo a capacidade de se relacionar?

FB: Não. É que, antes, os territórios estavam bem delimitados: o plebeu não invade o terreno do nobre; o escravo, do senhor; o negro, do branco; a mulher, do homem; o pobre, do rico. Agora, com o avanço da consciência de direitos humanos (friso: consciência, e não vivência) e dos direitos civis, as barreiras se romperam, e isso provoca intolerância. Os do andar de cima se sentem sumamente incomodados de terem que dividir o espaço com os do andar de baixo… Ou seja, séculos de castas, estamentos, desigualdades sociais estão impregnados em cada um de nós, o que nos faz reagir atavicamente, como um animal diante de seu predador.

IS: Gostaria que o senhor comentasse sobre o repúdio dos manifestantes às instituições e entidades, ignorando a trajetória e contribuições delas, como é o caso da própria CNBB, que assina o projeto pela reforma política.

FB: Essa gente “pensa” com o fígado, e não com a razão. E sem memória histórica. Mas a culpa não é só deles. É do governo, que promoveu inclusão econômica e deixou de lado a inclusão política. E da educação, que não forma os educandos com consciência histórica.

IS: Na visão do senhor há algum movimento que esteja pensando em um novo projeto de sociedade para o país?

FB: Muitos movimentos sociais, como o MST e o MTST, estão na linha de pensar um novo projeto para o Brasil. Mas, infelizmente, órfãos de um partido que transforme isso em projeto político viável a curto prazo. Há tentativas louváveis de formação de frente de esquerdas. Costura que não é fácil, pois não há um alvo inimigo concreto, como na ditadura e, apesar de tudo, ruim com Dilma, pior sem ela…

IS: Nessas manifestações da direita diversos cartazes são exibidos pedindo retorno dos militares no poder. Falta arte e utopia aos jovens?

FB: Convém na confundir as viúvas da ditadura com os jovens, embora haja jovens entre elas. Mas faltam arte e utopia a muitos jovens. Infelizmente o PT no governo criou uma nação de consumistas, e não de cidadãos.Porque não se dedicou à sua proposta mais original: organizar a classe trabalhadora.

IS: Não é difícil encontrar depoimentos de trabalhadores fazendo discurso contra trabalhadores (pessoas pobres). A identidade do Brasil sempre foi tema estudado pelos intelectuais como Darcy Ribeiro e Sérgio Buarque de Holanda. O consumismo atrapalha o sentimento de pertencimento de classe?

FB: Sim, o consumismo é a ideologia do neoliberalismo. Forma de acelerar a apropriação privada do capital. Por isso, todos os produtos têm prazo de validade muito curto. Tudo é reciclável ou descartável. Até as relações humanas…

A consciência de classe é algo muito difícil de se formar. Exige um trabalho político muito intenso, que raros movimentos sociais e sindicatos fazem. Penso nos camponeses alemães incorporados ao Exército Nazista. Sentiam-se orgulhosos de lutar por uma Alemanha hitlerista…

IS: Em 1998, o senhor escreveu o artigo “Para que votar?”, no qual afirmou que a ‘apatia coletiva é grave sintoma para a saúde da democracia. A indiferença do eleitor inviabiliza a diferença na política’. Hoje, o que se percebe é uma hostilização a qualquer movimento/mobilização que defenda os desvalidos e assalariados. O contexto dos dias atuais é de uma ‘partidarização’ elitista?

FB: Enfim, a direita “saiu do armário”. Eu mesmo fui agredido por ela nos lançamentos, no Rio e em Belo Horizonte, de meus livros PARAÍSO PERDIDO – VIAGENS AOS PAÍSES SOCIALISTAS e UM DEUS MUITO HUMANO – UM NOVO OLHAR SOBRE JESUS.
Todos os que, historicamente, defenderam os direitos dos pobres sofrem todo tipo de violência da parte dos que não abrem mão de serem os unidos de posse da riqueza social.

IS: O senhor foi preso na ditadura civil militar. Pode-se fazer alguma comparação com 1964, em relação à caça aos militantes da época – com a ajuda da imprensa?

FB: O velho Marx já dizia que a ideologia de uma sociedade é a ideologia da classe que domina esta sociedade. O que lamento é o PT, em mais de uma década de governo, não ter feito a regularização da mídia. Hoje, somos vítimas de nossos próprios erros.

IS: Ainda está longe um Brasil soberano? Quais são as expectativas do senhor?

FB: Minha expectativa é que o que resta de esquerda – e resta muito pouco – se reorganize melhor em função da defesa dos direitos dos pobres e das mudanças estruturais de que o Brasil tanto necessita.

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