As condições das mulheres no mercado de trabalho nunca foram justas do ponto de vista de igualdade salarial, estabilidade, projeção de carreira e até mesmo no que se refere à violência no ambiente de trabalho, já que são as maiores vítimas de assédio moral e sexual. Na pandemia, a soma das condições de trabalho a da rotina doméstica, onde elas, na maioria dos casos, são as responsáveis pelos cuidados com a casa, os filhos e outros afazeres, aumentou o estresse e a exaustão.
Esse conjunto de fatores, que sempre existiram, mas foram agravados durante a pandemia, quando elas têm de trabalhar, fazer todas as tarefas e ajudar os filhos nas aulas online, está levando algumas mulheres a pensa em desistir de suas carreiras profissionais.
Pesquisa realizada pela Deloitte Auditoria, publicada no Valor Econômico, que ouviu 500 mulheres no Brasil, revelou que 19% das brasileiras cogitam deixar o trabalho por causa dos efeitos negativos proporcionados pela chamada “nova realidade”.
Delas, 41% apontam como motivo a sobrecarga; 35% a redução salarial e maior carga horária; 13% maior comprometimento profissional aliado a mais cuidados familiares; e 10% apontam dificuldade em manter equilíbrio pessoal e profissional.
Metade das entrevistas afirmou ter sofrido assédio no ambiente de trabalho que incluem questionamentos e julgamentos sobre o trabalho, tratamento desrespeitoso; menos oportunidades do que colegas homens e comentários sexistas.
Para a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, Juneia Batista, a pesquisa mostra que as mulheres não estão ‘pensando’ em deixar o mercado de trabalho, e sim, praticamente sendo obrigadas a isso.
“A principal questão é a dupla e tripla jornada. As mulheres estão sendo mais exploradas – as que estão em home office e aquelas que trabalham presencialmente porque agora elas têm de cuidar também do reforço escolar das crianças que estão tendo aulas on- line”, argumenta a secretária, que lembra dos efeitos da reforma Trabalhista que permite a retirada de direitos e outras formas de relação de trabalho que são verdadeiras explorações dos trabalhadores, que já vinham atingindo em cheio as mulheres.
Os fatores que levam as mulheres a abandonar o trabalho não estão relacionados exclusivamente à pandemia, na opinião da dirigente.
“Essa crise só escancarou aquilo que já existia. A violência doméstica, as condições de saúde mental da mulher, a exploração do trabalho em casa, as diferenças salariais, tudo isso sempre existiu, mas aumentou e ficou escancarado com a pandemia”, afirma Juneia.
Segundo a economista do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit) da Unicamp, Marilane Teixeira, de fato, o mercado de trabalho para as mulheres, dada a realidade imposta a elas desde sempre, foi o primeiro a ser deteriorado, por isso elas acabam não vendo outra alternativa a não ser abandonar o emprego e a carreira.
“Aquelas que estão mais bem colocadas no mercado, provavelmente, estão vendo suas carreiras estagnarem, paralelamente à sobrecarga de trabalho que tem se tornado comum nas empresas durante a pandemia. Mas as situações mais graves são aquelas em que a mulher não consegue ou não tem condições de conciliar atividades profissionais com afazeres domésticos”, diz Marilane.
É preciso ter em mente que essa ‘nova realidade’, em grande parte, é de famílias em casa, com filhos, e por causa da característica ainda machista da sociedade, o peso maior das responsabilidades – leia-se ‘a cobrança’ – recai sobre as mulheres.
E essa responsabilidade se refletiu no resultado da pesquisa. “Se ficaram trabalhando em casa, veio a sobrecarga justamente por causa das responsabilidades em casa e da profissão e, portanto, veio a dificuldade de se manter no trabalho remunerado”, explica Marilane.
Para aquelas que tiveram de continuar em trabalhos presenciais, o peso não é diferente. “Tiveram, por vezes, até de levar os filhos para o trabalho para continuar cuidando deles, já que não tem com quem compartilhar a responsabilidade – com o pai ou outros familiares”.
Elas não têm com quem deixar os filhos, reforça a economista. “Muitas têm filhos em idade escolar que não estão frequentando a escola, nem a creche, portanto, elas precisam abandonar o trabalho remunerado porque não têm com quem dividir as responsabilidades de casa. Outas tantas são mães chefes de família, inclusive. E são as mulheres mais pobres”, diz Marilane Texieira.
Para reverter esse processo é preciso acabar com o machismo estrutural, acrescenta Juneia. “Em uma sociedade capitalista baseada do patriarcado, como a nossa, a opressão das mulheres é característica principal”.
E isso passa por mudar, pragmaticamente, as relações familiares. “Tem que acabar com essa obrigação de que é a mulher que tem que fazer tudo em casa, acabar com a ideia de que é delas a responsabilidade toda pela casa, que ocasiona na dupla, na tripla jornada”, diz Juneia.
Tem a pandemia e a culpa do governo
“No momento em que estamos num quadro de crise sanitária, econômica e política, em um país que não respeita a classe trabalhadora, com um presidente irresponsável e negacionista é muito difícil conseguir reverter a vulnerabilidade das mulheres para poder mantê-las no mercado de trabalho”, a afirmação é de Juneia Batista, que se refere à conduta de Jair Bolsonaro (ex-PSL) que sequer tem políticas de proteção ao emprego e zomba da pandemia.
Não há por parte do governo nenhuma estratégia, nenhuma ação para enfrentar esse possível êxodo das mulheres em relação ao mercado de trabalho, acrescenta Marilane Teixeira, que ressalta: “Quem teria que tomar iniciativas, realmente é o Estado, no sentido de pensar como amparar e assegurar condições, mas não tem absolutamente nada sobe isso”.
Para a economista do Cesit/Unicamp, esse quadro pode representar um grande atraso para as mulheres, do ponto de vista econômico. “Muitas vão demorar muito para voltar às condições semelhantes às de antes da pandemia”.
Ação sindical
Juneia Batista reforça que a agenda da CUT, do movimento sindical e de movimentos sociais inclui a luta contra a violência, pela igualdade de oportunidades, de combate ao assédio, ao feminicídio, mas uma questão é urgente para a sociedade – a vacinação em massa.
Ela reforça que além da dificuldade das mulheres, a fome tomou conta do Brasil e pensar minimamente em uma reorganização do mundo do trabalho passa pelo enfrentamento à pandemia.
Além das campanhas solidárias de entidades sindicais para ajudar quem precisa, a luta para salvar vidas é prioridade da CUT. E inclui, além da vacinação em massa, a volta do auxílio emergencial de R$ 600 e defesa do serviço público, essencial para os trabalhadores e trabalhadoras mais pobres.
E a dirigente avisa: “a gente tem que mudar esse quadro político atual do país, e não só o presidente, mas os deputados federais e estaduais também, lá em 2022”, alertando para a escolha de representantes que defendam as pautas da classe trabalhadora.