Pedimos ao jovem metalúrgico que imagine-se vivendo em um país onde um grupo de pessoas reunidos em praça pública esteja, automaticamente, sujeito a passar por revistas policiais. Caso os “elementos” do grupo sejam considerados suspeitos de ter ideias subversivas, são levados para a delegacia para averiguações. O resultado pode ser o “fichamento” deles em algum órgão de repressão do regime militar.
Imagine também que nesse cenário, onde você habita, o governo tenha o poder de decidir o que você pode, ou não, ler e assistir. Livros, jornais, programas de TV, músicas e outras formas de comunicação e de arte só são liberados ao público se não tiverem nenhum conteúdo contrário ao sistema social, econômico e político vigente.
Caso você seja pego consumindo algum produto cultural ou de mídia com “ideias esquerdistas”, ainda que seja um boletim sindical, seu destino também será a delegacia ou os porões da ditadura, que são parques de diversão de torturadores.
Por fim, jovem trabalhador, imagine que a pauta de reivindicações da sua categoria ao patrão contenha itens como: papel higiênico nos banheiros, água potável no ambiente de trabalho, fornecimento gratuito de uniformes e equipamentos de proteção individual (EPI), refeitório na fábrica ou, pelo menos, fogão para esquentar marmita e registro em carteira dos funcionários.
Pois bem, essa realidade “imaginária” era o Brasil na ditadura militar.
Esse cenário ainda existia quando a chapa de metalúrgicos liderada por Wilson Fernando da Silva, o Bolinha, venceu as eleições sindicais de 1983, com propostas desafiadoras, como liberdade de organização dos trabalhadores, formação de uma central sindical, direito de lutar por uma sociedade mais justa e solidária e de exigir melhores condições de trabalho e de vida para a categoria.
Alguns podem dizer que em 1983 a ditadura já agonizava. É verdade. Mas o regime só estava no fim porque muitos brasileiros haviam lutado nas décadas anteriores para que isso acontecesse. Além disso, feito um animal ferido, a ditadura ainda foi capaz de ser feroz e traiçoeira em muitos episódios dos anos 80.
Propusemos esse exercício de imaginação para termos noção da coragem daquele grupo de trabalhadores que, 30 anos atrás, implantou uma nova concepção de sindicalismo na região, o sindicalismo combativo e cidadão da CUT.
A partir de então, os sorocabanos passaram a ver, após décadas, assembleias, passeatas e outras manifestações públicas nas ruas da cidade. Muitos cidadãos sentiram-se motivados a exercer, abertamente, seu direito de opinião e de expressão.
Necessário ressaltar que os militantes sindicais e sociais davam a cara para bater. Não se escondiam atrás de máscaras. Enfrentavam as consequências da coragem, sendo perseguidos e ameaçados em seus locais de trabalho e de moradia.
Cientes de sua condição transitória na condução das transformações sociais, Bolinha e seus companheiros também não eram mascarados no comportamento. A humildade autêntica, somada com a convicção ideológica e as atitudes diárias de quem cumpria uma missão coletiva, rendeu-lhes um merecido lugar na história.
Munidos também de inteligência estratégica, capacidade de articulação e negociação, dedicação, perseverança, idealismo e sensibilidade social, aqueles trabalhadores deixaram um precioso legado para as diretorias que os sucederam.
Eles fizeram a diferença. Por isso toda homenagem é pouca para celebrar o pioneirismo daqueles combatentes sociais. A lembrança deles deve estimular novas e necessárias conquistas no mundo do trabalho e na sociedade.