No final de maio deste ano foi deflagrada a Operação Hipócritas que investiga uma rede de profissionais envolvidos com fraudes em perícias a favor das empresas. Segundo informações da investigação, médicos assistentes de empresas e advogados empresariais negociavam valores com os peritos judiciais para que os laudos fossem negativos.
A operação ainda não tem data para ser finalizada. Já foram cumpridos mandados de apreensão de documentos e de prisão, em Sorocaba e região. Para o movimento sindical essa investigação é de extrema importância para que os trabalhadores parem de ser prejudicados duplamente pelas próprias empresas que lesionam e causam acidentes de trabalho.
Por outro lado, a Medida Provisória 739, publicada em 7 de julho, pelo governo golpista de Michel Temer (PMDB), anuncia mais ameaças à vida do trabalhador. A medida pretende rever concessões de auxílios para cortar benefícios de trabalhadores afastados do trabalho por doença.
A partir de agosto deste ano os segurados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que recebem auxílio-doença e aposentadoria por invalidez serão convocados para novas perícias.
A intenção anunciada pelo governo golpista é a de cortar pelo menos 30% das despesas com os benefícios aos trabalhadores. Para isso, instituiu, por meio da mesma MP, o Bônus Especial de Desempenho Institucional por perícia médica em benefícios de incapacidade. Os médicos peritos receberão R$ 60 por perícia extra realizada, ou seja, que represente acréscimo real à capacidade operacional.
Para o secretário-geral do Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região (SMetal), Leandro Soares, isso representa um cenário temeroso para os assalariados que já tiveram suas vidas prejudicadas na rotina do trabalho, ao perder o movimento de uma parte do corpo ou por transtornos psíquicos. “Já foi comprovado fraude em laudos de peritos judiciais pagos pelas empresas, agora esse pagamento de bônus para os peritos médicos do INSS fazer essa revisão é claramente uma violação aos direitos sociais”, declara.
A Operação
No dia 31 de maio, foram cumpridos mandados de prisão da Operação Hipócritas, do Ministério Público Federal, com atuação também do Ministério Público do Trabalho, por meio dos procuradores Ronaldo Lira e Nei Messias.
Eles receberam a denúncia e encaminharam ao MPF e Polícia Federal, que investigam uma rede de profissionais de peritos médicos judiciais cooptados por médicos assistentes técnicos a serviço de escritórios de advocacia contratados por empresas em várias cidades, incluindo Sorocaba.
Conforme explica a advogada Érika Mendes, do departamento jurídico do SMetal, são dezenas de casos em que há perícias judiciais mal elaboradas, sem respostas de quesitos, sem realização de vistoria no posto de trabalho do empregado, sem correspondência entre a conclusão pericial e os demais documentos médicos, CAT, afastamentos, prontuários médicos.
A advogada pontua “que certamente deve haver muitos casos em que o esquema investigado pela Polícia Federal deve ter levado o trabalhador a perder a ação e que o laudo pericial foi decisivo para isso”.
As investigações
Em entrevista à Revista Ponto de Fusão, o procurador Ronaldo Lira conta que há mais de três anos o Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas encaminhou documentação na qual tinham várias perícias, de uma determinada empresa, com resultados negativos. “O médico não reconhecia o adoecimento, o que por si só, não diz nada, mas considerando o ambiente de trabalho, que era uma linha de produção, surgiu a suspeita e começamos a investigar o assunto”, relata.
O procurador afirma que um desses processos é de uma empresa de Hortolândia, que tem um dos médicos peritos envolvido na fraude investigada pela Hipócritas. “Fizemos cruzamento dos processos, ouvimos algumas pessoas, e fizemos representação ao Ministério Público Federal”.
Até agora, foi instalado inquérito criminal e houve ordem de prisão para três médicos, além de busca e apreensão.
Violação aos direitos
Essa Operação está voltada aos laudos de perícias de trabalhadores já dispensados para constatar se houve uma doença ou acidente relacionado ao ambiente de trabalho. O procurador Ronaldo Lira explica que o trabalhador entra com ação na Justiça do Trabalho e afirma que está incapacitado para determinado trabalho e por conta disso precisa ser indenizado. Aí, o juiz determinava a perícia. Se o perito faz uma falsa perícia e constata que a doença não é do trabalho, o trabalhador não recebe indenização da empresa.
“Esses crimes comprometeram a veracidade de muitas perícias e causam um prejuízo inestimável à saúde do trabalhador e também para a idoneidade da Justiça do Trabalho”, lamenta.
A advogada Erika comenta que há peritos judiciais na comarca de Sorocaba e Região “que em 98% (para não dizer 100%) das perícias que realizam concluem que a doença ocupacional ou profissional e o acidente de trabalho não estão relacionados ao trabalho ou não provocam qualquer dano ao trabalhador”.
Um desses casos aconteceu com o metalúrgico E.S, que foi admitido por uma multinacional de Sorocaba, em 2001, na função de operador de máquina de produção. Ele continua trabalhando na empresa, porém com severas restrições resultantes de doenças profissionais que atingem seus membros superiores.
Ele esteve afastado das atividades entre 2002 e 2007 e 2008 e 2011. Durante esses períodos recebeu auxílio-doença acidentário e foi reabilitado pelo CRP (Centro de Reabilitação Profissional) do INSS.
Para confirmar as doenças profissionais e a redução da capacidade profissional, foi designada a realização de perícia devido ao pedido de ação indenizatória.
A perícia ocorreu em 2013 em clínica particular. Portanto, o perito não fez a vistoria necessária no local do trabalho.
O perito afirmou que tais doenças são degenerativas, não reconheceu o nexo causal (que relaciona a doença ao trabalho), nem a incapacidade do trabalhador para desempenhar suas funções originais, apesar da própria empresa e do próprio INSS terem reconhecido a relação da doença com o trabalho (por meio de abertura de Comunicado de Acidente de Trabalho – CAT).
A advogada Érika ressalta que o perito desprezou a realização de perícia no local de trabalho. Após a insistência do departamento jurídico do SMetal, a vistoria foi realizada, mas o perito a realizou de forma falha, demonstrando total desinteresse para com o caso.
Diante da inconsistência do laudo pericial, o jurídico do Sindicato requereu que o juiz determinasse a realização de nova perícia médica com outro perito e vistoria ao local de trabalho, mas o pedido foi indeferido. A ação foi julgada improcedente em primeira instância e o departamento jurídico recorreu.
Comoção pública
Ronaldo Lira pontua que essa situação é ardilosa porque além do trabalhador ficar desestimulado a entrar com processo, ele tem os direitos duplamente lesados. Primeiro, pela empresa e depois por esses peritos corruptos. “São 12 milhões de desempregados no Brasil, imagina um trabalhador lesionado que tem seu benefício negado. Além dele não conseguir receber indenização de quem provocou isso, dificilmente retornará ao mercado de trabalho”.
Ao final da investigação o Ministério Público Federal apresentará tanto os nomes dos profissionais envolvidos como das empresas.
“Esperamos que essas investigações tenham um cunho pedagógico para que não aconteçam mais casos desse tipo. Nós queremos a verdade, os fatos esclarecidos e os envolvidos punidos.
O Ministério Público do trabalho tomará as providências no que nos compete”, conclui Lira.
Entenda
1. No dia 31 de maio policiais cumpriram mandados em 20 cidades.
2. Três pessoas foram presas durante a operação.
3. A suspeita de corrupção partiu do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas.
4. A Operação foi apelidada de Hipócritas devido ao juramento dos médicos ao se formarem (Juramento Hipócrates), no qual juram praticar a medicina honestamente.
5. Na prática, o perito ganhava duas vezes quando dava laudo negativo para o trabalhador.
Saiba mais
– O esquema de corrupção de médicos peritos judiciais funciona, pelo menos, desde 2010.
– Foi detectado tanto em processos que tramitam nas varas do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (que inclui Sorocaba), sediado em Campinas, como no da 2ª Região, localizado em São Paulo.
– Há indícios de multinacionais de Sorocaba envolvidas no esquema.
Afastados poderão passar por novas avaliações
Governo Temer quer cortar benefícios e pode prejudicar milhares de trabalhadores
As novas perícias, previstas pela MP 739, devem ocorrer em forma de mutirão e com os peritos recebendo bônus de R$ 60 por perícia.
Para o médico do trabalho do SMetal, Paulo Kaufmann, “revisões de benefício servem para corrigir desvios e podem até contribuir com as condutas para a saúde. Contudo, a experiência indica que, na prática, os cortes tenderão a obedecer mais ao ‘sistema’ e à contabilidade financeira em relação a prioridade de saúde individual e saúde pública”. Ele questiona: “onde estão as ações de reabilitação – prescritas em leis e previstas no Código de Ética? Tem sido feito ‘vistas grossas’ em muitos casos, um ‘te vira!’, numa aposta negligente e deliberada pela instituição, como se houvesse tratamento ideal, recuperação ideal e trabalho que absorvesse tantos doentes”, ressalta.
O SMetal orienta ao segurado que deve sempre guardar toda a documentação, anotando e juntando todos os relatórios médicos antigos e atualizados, preparando-se para eventual convocação. Nenhum trabalhador pode se negar a fazer essa nova avaliação, porque o INSS pode cortar o benefício à revelia.
A advogada Érika Mendes reforça que os trabalhadores metalúrgicos da base de Sorocaba que tiverem como resultado da nova perícia o retorno ao trabalho (apto) devem procurar o Sindicato pelo telefone (15) 3334-5447 ou na sede, na rua Júlio Hanser, 140, Lageado.