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Moradores relatam violência policial na Zona Norte de Sorocaba

Desigualdade social, desemprego, falta de oportunidades e treinamento da PM são causas apontadas

Yuri Simeon
Yuri Simeon

Dois jovens estão caídos, sem vida, ensanguentados, um com um tiro na cabeça e outro com um tiro na parte superior do peito, um terceiro jovem foge desesperadamente com a camisa ensanguenta, é visível que ele também foi baleado, na barriga. Ao mesmo tempo dois homens encapuzados, armados e com colete a prova de balas estão no centro deste cenário. Um desses homens atira contra o jovem em fuga. Essa ação é vista de longe por uma viatura da Polícia Militar que ronda o campo de futebol onde as mortes acontecem. Assustado um morador observa o ataque por detrás das cortinas da janela de sua casa. É um domingo de lua cheia em abril de 2014.

É fácil descrever essa cena de crime, pois ela está registrada em um quadro, feito em homenagem aos que morreram no caso retratado. Esse acontecimento, além de estar registrado em um quadro, é muito marcante e presente na vida da população do

Parque das Laranjeiras, na periferia da Zona Norte de Sorocaba. Esse episódio ainda hoje é lembrado pelos moradores como a “Chacina do Campinho”, um dos casos que resultou no total de 21 mortes naquela região em abril de 2014, o “Abril Sangrento” como ficou conhecido.

Esse ataque sucedeu o homicídio de um policial naquela mesma região no dia anterior, isso aumenta entre a população local a percepção de que a morte dos jovens foi uma retaliação de policiais pela morte de um militar. A investigação sobre esse caso não avançou, pois foi considerado que se tratava de um acerto de contas ligado ao tráfico de drogas. Isso principalmente porque entre as vítimas, havia casos de apreensão com drogas, o que caracteriza tráfico.

O jovem que sobreviveu ao ataque ficou por bastante tempo com muito medo de que pudessem tentar pegá-lo novamente, sem jamais saber quem foram os autores do homicídio de seus amigos. É o que conta um jovem morador do bairro, amigo da vítima, que não quis se identificar.

“A princípio quando ele foi atendido no P.A. [Pronto Atendimento] os policiais falaram que lá onde eles estavam, no campo, era um ponto de tráfico, tentando justificar. Enfim, ele prestou depoimento, mas não recebeu auxílio [jurídico] nenhum e ficou por isso mesmo”, descreve.

Conhecido como GB, 19, o autor do quadro é morador da Zona Norte da cidade e diz que a obra expressa o que sentiu quando soube do caso. “Cada quadro é um sentimento que você cria. Foi uma expressão de revolta. A verdade nua e crua”.

Para ele “a violência é comum na vida de todo mundo que vive dentro da comunidade”, o jovem relata sentir que este cenário “está piorando, o abuso está mais forte”. Ele acredita que a solução é “a juventude se unir e lutar por seus direitos”.

Jair Vieira, 36, é líder comunitário na região do Laranjeiras, onde ele diz residirem pelo menos 15 mil pessoas. Ele acompanha de perto esses casos e questiona a truculência policial no bairro. “Aqui a violência contra a juventude rola todo dia, a abordagem sempre é truculenta, eu sou pai de um menino de 17 anos, sei que isso acontece todo dia com ele, eles [os jovens] nem chegam a contar para as famílias todas as vezes que isso acontece”.

De acordo com Vieira, uma alternativa para juventude da região se divertir evitando essas abordagens policiais é marcar encontros nos shoppings da cidade. “Para não são serem abordados eles deixam de aproveitar o bairro para ir se encontrar no shopping, mas até lá rola repressão, meu filho já foi expulso de um shopping aqui perto porque os seguranças disseram que ele estava organizando ‘rolezinho’”.

O tráfico é algo presente na vida da juventude e o desemprego também. Isso gera um conflituoso paradigma entre viver na legalidade sem renda ou atuar no crime garantindo uma renda mesal maior do que conseguiriam trabalhando legalmente. “Está difícil de conseguir emprego, o pessoal não escolhe serviço, faz o que aparece, mas mesmo assim não está fácil. Gente que eu nunca imaginei que ia entrar para o tráfico está no tráfico para ajudar na casa, mas tem muita gente resistindo para não cair nessa”, explica Jair.

A falta de oportunidades na periferia também é destacada por Ana Paula de Oliveira, 31, conhecida como Paulinha. Ela é moradora da região, e uma das coordenadoras da Biblioteca Comunitária do Laranjeiras, um projeto construído por moradores da região que existe há mais de 10 anos. Ela é backing vocal do grupo de rap Sínapse Cía e também trabalhou por alguns anos na Fundação Casa.

Segundo ela, a falta de oportunidades é a principal causa da juventude da perifeira tomar decisões criticadas. “Eles veem um tenis bom, veem os outros usando e também querem usar. Todo mundo quer atirar pedras, olha o menino lá vendendo droga, mas não veem que faltam oportunidades. Não que eu queira defender erros, mas é a realidade, faltam oportunidades”.

Ela conta que a biblioteca comunitária e outras iniciativas da população como encontros de Hip Hop são uma forma de apontar saídas positivas para essa juventude. “A gente quer que os jovens vejam uma saída, tem um jovem aqui do bairro que hoje é escritor, a gente pauta em nossas músicas que tem uma saída. Eu vi muito jovem na Fundação Casa vivendo exatamente o que a gente luta para evitar que aconteça”.

De acordo com Paulinha fica difícil ter uma visão mais humanizada da polícia na periferia, a violência acaba sendo algo muito presente na vida dessas pessoas. “Na periferia a polícia vem e julga pelo jeito que você está se vestindo, pelo jeito que você fala. Eles até falam que não são todos assim. Mas é isso que a gente vê aqui, se tem o lado bom e o lado ruim, a gente só vê o lado ruim”.

Para Erich Meier, responsável pelo Programa com Polícia do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), a questão do comportamento policial está associado ao treinamento que recebem. Ele afirma que para garantir que a lei seja cumprida e não haja abuso de poder existe a necessidade de priorizar a defesa da vida no treinamento policial. “Sugiro 500 horas [de Direitos Humanos] na carga horária do treinamento, estou propondo uma carga horária alta”.

Meier explica, “O policial deve ser um agente protetor de direitos”. De acordo ele, quando o policial não cumpre esse papel ele descumpre sua função social, comprometendo o exercício de sua profissão. “Quando ele não respeita isso ou abusa do seu poder, ele está infringindo a lei”.

E conclui que isso deve ser um trabalho constante ao longo da carreira policial para superar essa imagem de suposto inimigo da população. “Isso deve ser parte do serviço durante toda a sua carreira, o policial deve sair à rua pensando em proteger direitos”, ou então, segundo ele “o que fica é a lenda urbana do policial como violador de direitos”.

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