O Ministério Público de São Paulo estuda a possibilidade de pedir uma liminar que suspenda a “reorganização” da educação paulista, projeto imposto pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB), que vai fechar pelo menos 93 escolas e transferir compulsoriamente 311 mil alunos. Promotores de justiça estão reunindo fatos, denúncias e provas e organizando um inquérito civil, que pode embasar o pedido de liminar. A comarca de Presidente Prudente, no interior do estado, já entrou com o pedido de suspensão do projeto no município.
“Temos que aguardar os acontecimentos dos próximos dias. Depois que o inquérito for concluído, vamos analisá-lo e ele poderá ser arquivado ou servir de base para a ação, se ela vier a ser publicada”, diz o promotor João Paulo Faustinoni, do Grupo Especial de Educação (Geduc) do Ministério Público. “Quando o governo acena que não há espaço para revisão do processo e quando o tempo se mostra escasso o que resta é a mitigância judicial. Se permanecer essa situação e para resguardar a integridade de quem está envolvido, a via do processo judicial aparece como alternativa para apaziguar o conflito.”
O promotor lembrou que desde que a “reorganização” foi anunciada pelo governo Alckmin, em setembro, o Ministério Público havia instaurado o inquérito para buscar diálogo entre a gestão estadual e a comunidade escolar.
“Trabalhamos desde o começo para buscar uma saída negociada e consensual, pelos estudantes e pela Secretaria de Educação. Desde que tivemos contato com o secretário (estadual da Educação, Herman Voorwald) nossa ponderação foi que uma modificação desse tamanho não poderia ser tomada sem participação e consulta popular. Vínhamos mantendo essa postura até ontem (1º). Em vista da persistência dos alunos e da chegada próxima do fim do ano, esperávamos que a secretaria se sensibilizasse e aproveitasse o momento para uma grande discussão sobre qualidade da educação.”
Em Presidente Prudente, também no interior, o promotor de Justiça Luiz Antônio Miguel Ferreira já entrou com um pedido de liminar exigindo que o governador suspenda imediatamente a “reorganização” no município, onde sete escolas serão afetadas. O magistrado entendeu que o projeto não visa melhorar a qualidade da educação, mas unicamente economizar recursos, e que o governo Alckmin feriu a Constituição e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) por não ter ouvido estudantes, pais, professores e conselhos municipais e estadual de educação. A decisão do juiz da Vara da Infância deve ser publicada amanhã (3).
A “reorganização” escolar, imposta por Alckmin sem um diálogo prévio com a comunidade escolar, desencadeou a ocupação de 207 escolas, segundo o último levantamento do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), além de uma série de protestos. Só ontem, cinco estudantes foram presos durante um ato no centro de São Paulo, que foi duramente reprimido pela polícia militar. Novas prisões já ocorreram hoje.
O governo de São Paulo publicou ontem, em apenas 166 palavras, o decreto que autoriza a transferência de professores para a implementação da reorganização escolar. O texto não é assinado nem sequer pelo secretário estadual de Educação e não menciona que 93 escolas serão extintas, que ciclos serão encerrados e que alunos serão transferidos, apesar de a própria Secretaria Estadual de Educação ter publicado, em 28 de outubro, a lista das escolas que serão “disponibilizadas”, segundo palavras do órgão.
Na manhã de domingo (29), 40 dirigentes de ensino do estado se reuniram com o chefe de gabinete do secretário de Educação, Fernando Padula Novaes, e receberam instruções de como quebrar a resistência de alunos, professores e funcionários. Novaes repetiu inúmeras vezes que se trata de “uma guerra”, que merece como resposta “ações de guerra” e que “vai brigar até o fim”. O áudio foi publicado pelo coletivo Jornalistas Livres, e replicado por diversos sites e blogues, inclusive pela Rede Brasil Atual.
Desde segunda-feira (30), estudantes denunciam que investidas truculentas contra as ocupações têm sido intensificadas pela Polícia Militar e pelos chamados “provocadores”, supostos pais e diretores que criam confusão nos prédios ocupados, para justificar a entrada da PM nas escolas. Um grupo de cinco desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo proibiu, em reunião no último dia 23, que fossem realizadas reintegrações de posse em escolas da capital paulista.
A Apeoesp denunciou ontem que durante a madrugada um policial disparou tiros contra a escola Joaquim Adolfo, em Interlagos, enquanto o prédio era ocupado. Em Osasco, a Coronel Sampaio foi invadida, saqueada e incendiada. A PM, que estava nas imediações, nada fez e ainda lançou bombas de gás lacrimogêneo contra os estudantes, deixando dois feridos.
Na manhã de ontem, estudantes fizeram manifestação na zona sul de São Paulo, próximo da Ponte João Dias, e duas pessoas foram detidas. Há relatos também de abusos policiais nas escolas Maria José, na Bela Vista, Octávio Mendes, em Santana, República do Suriname, na zona leste. Na segunda-feira, PMs entraram numa escola no extremo sul da capital e um aluno foi levado para a delegacia. Em Pinheiros, na zona oeste da capital, policiais agiram com truculência contra estudantes que realizaram um ato público. Na zona norte, estudantes denunciam sucessivas tentativas de intimidações.