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Retrocesso

Mais de 19 milhões de pessoas passaram fome no Brasil, mostra estudo

Estudo mostra que, entre outubro e dezembro de 2020, 43,4 milhões de brasileiros não tinham alimentos suficientes e 9% da população passava fome no país; enquanto isso, número de bilionários cresce

Imprensa SMetal
Marcello Casal - Agência Brasil
De 2018 a 2020, como mostra a pesquisa, o aumento da fome foi de 27,6%

De 2018 a 2020, como mostra a pesquisa, o aumento da fome foi de 27,6%

No cenário da pandemia, em que milhares de pessoas perderam seus empregos, os índices de insegurança alimentar trazem uma triste realidade para o debate: a fome faz novamente parte da vida de milhões de brasileiros. Segundo a pesquisa intitulada ‘Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no contexto da pandemia da Covid-19 no Brasil’ ao menos 19,1 milhões de pessoas estavam passando fome no período em que o estudo foi realizado, entre 5 e 24 de dezembro de 2020.

Para se ter uma ideia, o número equivale a população de São Paulo – o estado mais populoso do país. Os dados foram organizados pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENNSAN) e têm como objetivo conscientizar e alertar para a questão no país. De forma mais abrangente, pelo menos 116,8 milhões de brasileiros não tinham acesso pleno e permanente a alimentos. Os dados são referentes aos três últimos meses de 2020.

O cenário faz parte de uma combinação de fatores. O primeiro é a crise econômica e a resseção que cresce no país há alguns anos; o segundo é, sem dúvidas, os impactos da pandemia da covid-19 com o fechamento de mais postos de trabalho e a pouca efetividade das políticas públicas desenvolvidas para o período. “Com muito custo, o auxílio emergencial de $600,00 foi pago aos desempregados e para a população mais pobre. Ainda assim, vemos que a efetividade da medida foi baixa, devido ao custo de vida que é maior do que o valor pago. Agora, o governo apresentou novos valores que vão de R$150,00 a R$375,00 e espera que as famílias possam viver disso. É inaceitável e precisamos lutar para que exista uma assistência justa”, comenta Leandro Soares, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região (SMetal).

Outro ponto a ser considerado, que foi acentuado pelo coronavírus, é a desigualdade social. “O Brasil é um país de diversas realidades como fica exposto pelo número de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza e pelo número de cidadãos que estão no privilégio da riqueza e fartura”, afirma Leandro.

Este fato está bem exemplificado em um dado do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que aponta que, em 2019, o rendimento da parcela 1% mais rica da população era 33,7 vezes maior do que o recebido pela metade da população mais pobre do país que ganhava, à época, R$ 850 mensalmente.

Se amplificarmos, no mundo o cenário é bem parecido. Nesta última terça-feira, dia 06, o índice da revista americana Forbes, que elenca as pessoas mais ricas do mundo, registrou que existem 2.755 bilionários em território terrestre. Entraram para o ranking 660 novas pessoas, que expandiram suas fortunas mesmo em um cenário de pandemia. Nesta esteira, ao menos 20 novos brasileiros integram a categoria “bilionários”. Com essa demonstração de desigualdade, há um simbolismo para o número 20, ilustrando o cenário social do país: enquanto 20 pessoas comem à vontade, quase 20 milhões só sentem a vontade de comer.

Para o presidente do Banco de Alimentos de Sorocaba, Tiago Almeida do Nascimento, a pouca distribuição de renda e a falta de políticas públicas de amparo aos mais pobres acentuam essas desigualdades. “Do ponto de vista social, a desigualdade é um projeto já que o dinheiro fica concentrado nas mãos de uns poucos. Para que se exista uma parcela mínima que come muito bem, veste muito bem e vive muito bem, deve haver milhares escolhendo entre comer e vestir”, afirma.

Com poucas políticas públicas, entidades como o Banco de Alimentos ajudam, da forma que podem, para que as famílias mais necessitadas possam ter acesso à alimentos. Tiago recorda que, no passado, o Banco era um espaço que pautava a autonomia alimentar, ou seja, a possibilidade das pessoas conhecerem nutricionalmente seus alimentos e terem a liberdade de escolher entre opções que melhor as atendessem. Hoje, com a crise mundial, a luta é para que existam essas doações e que elas sejam repassadas.

Conclusões da pesquisa

As conclusões do ‘Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no contexto da pandemia da Covid-19 no Brasil’ também recordam dois pontos do passado. O primeiro recorte é de 2004 a 2013 quando o país colhia os resultados do programa ‘Fome Zero’ instaurado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No período, os registros de insegurança alimentar caíram exponencialmente e o país chegou a registrar que só 4,2% da população brasileira estava em situação de fome. Embora seja difícil aceitar que há existia fome, esse foi o registro mais baixo na história da nação.

A pesquisa mostra que o retrocesso mais acentuado se deu nos últimos dois anos. Entre 2013 e 2018, segundo dados da PNAD e da POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares), a insegurança alimentar grave teve um crescimento de 8,0% ao ano. A partir daí, a aceleração foi ainda mais intensa: de 2018 a 2020, como mostra a pesquisa, o aumento da fome foi de 27,6%.

“Em apenas dois anos, o número de pessoas passando fome saltou de 10,3 milhões para 19,1 milhões. Não devemos ignorar esses números, porque ao fazer isso, estamos tapando os olhos para a fome”, finaliza Leandro Soares.

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