O governo de Michel Temer defende que trabalhadores devem ter acesso à aposentadoria mais difícil, para que as futuras gerações possam “bancar” a receita. Dizem que há um rombo na Previdência Social, apesar de números comprovarem que suas contas fecham em superávit.
A Proposta de Emenda Constitucional 287 torna obrigatória a contribuição mínima o INSS, de homens e mulheres, durante 25 anos combinada com 65 anos de idade. Isso para ter aposentadoria com valor parcial. Para ter benefício com valor integral, a trabalhadora ou trabalhador terá que contribuir durante 49 anos para a Previdência.
Juliane Furno é graduada em ciências sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), doutoranda em desenvolvimento econômico na Unicamp e militante do Levante Popular da Juventude em Campinas.
Ela concedeu entrevista à Imprensa SMetal nesta segunda-feira sobre o que a reforma da Previdência significa para a juventude brasileira.
Imprensa SMetal – Em termos gerais, qual tem sido a realidade atual dos jovens trabalhadores no último período?
Juliane Furno – A realidade da juventude trabalhadora brasileira é a seguinte: a partir de 2004 começamos a ingressar em um período de queda da população economicamente ativa jovem. Isso significa que com a elevação da renda das famílias e com os diversos programas sociais de incentivo à formação escolar (expansão das universidades e do ensino médio, ProUni, Fies), possibilitou que os jovens permanecessem mais tempo fora do mercado de trabalho, se qualificando para disputar vagas em postos de trabalho que exijam melhores qualificações.
SMetal – Após a crise econômica internacional e as políticas de ajuste fiscal, isso mudou?
Juliane – Desde 2015 essa curva tem se invertido. Tem crescido novamente a taxa de participação dos jovens no mercado de trabalho, à semelhança dos anos 90, em que predominava uma lógica neoliberal no Estado. Isso resulta em duplo problema. Por um lado os jovens têm que optar entre estudar e trabalhar, ou fazer os dois, comprometendo seus estudos e, logo, reafirmando as desvantagens sociais na busca de uma melhor qualificação no mercado de trabalho. O segundo problema é que do ponto de vista geral, mais jovens ingressando no mercado de trabalho é mais pressão na oferta de mão-de-obra, logo, é mais desemprego. Os jovens que têm sido empregados atualmente estão, prioritariamente em setores informais, de baixos salários e precários. A juventude ocupa, principalmente, os postos terceirizados, ligados aos serviços como telemarketing e serviços pessoais, e empregos informais, chamados de “bicos”, e voltou a crescer o número de mulher jovens no emprego doméstico.
SMetal – Como os jovens de hoje serão afetados pela reforma?
Juliane – A reforma atingirá sobremaneira a juventude brasileira, principalmente a mais pobre, moradora das periferias urbanas. O principal motivo é porque a reforma muda o cálculo do número de contribuições para a aposentadoria. Além de estipular a idade mínima de aposentadoria, 65 anos, ainda exige um total de 300 contribuições [isso para aposentadoria com valores parciais]. Atualmente bastariam 150 contribuições para que um trabalhador pudesse se aposentar. As 300 contribuições correspondem a 25 anos de contribuição. No entanto, segundo dados recentes do Ministério do Trabalho, apenas 46% dos trabalhadores no Brasil conseguiram 12 meses de contribuições no ano de 2016, isso acontece porque o mercado de trabalho no Brasil é muito descontínuo, temos poucas políticas públicas que inibem a demissão e desestimulam a rotatividade. Portanto, 300 contribuições não são triviais em uma economia como a brasileira. Por isso, os jovens terão que começar a trabalhar mais cedo, evitando as descontinuidades se quiserem se aposentar integralmente e a tempo de vivenciar a aposentadoria como um direito e com plenitude.
Por outro lado, a PEC 287, proposta pelo governo golpista de Michel Temer, modifica também a base de calculo da aposentadoria. Hoje vigora uma base que calcula o reajuste como uma média de 80% das maiores contribuição. Dessa forma, um jovem pode até ingressar no mercado de trabalho com um salário baixo, no entanto, caso o rendimento suba, essa valor impactará proporcionalmente mais no valor do benefício final. Com a PEC, o reajuste final passa a ser uma média de todas as contribuições. Para a juventude isso é extremamente danoso, uma vez que a juventude mais pobre ingressa no mercado – como já falamos – em posições muito precárias, e esses baixos salários terão um peso importante na aposentadoria. Mais uma vez essa mudança não é trivial em uma economia de baixos salários.
SMetal – Por qual motivo a juventude brasileira deveria lutar contra a reforma da previdência?
Juliane – A PEC 287 vai contra os avanços desses últimos anos, em que o Estado atuava como um indutor do desenvolvimento. O segundo motivo é que o nosso sistema de seguridade é um dos mais avançados do mundo, principalmente em uma dimensão universalizada. Essas são conquistas dos movimentos sociais na democratização do Brasil e nós, jovens, somos os herdeiros e defensores desse processo. Por último, porque entendemos que os interesses que estão por trás dessa reforma não é o equilíbrio fiscal e a manutenção da previdência social, se não que a sua gradual privatização e a drenagem dos seus recursos para pagar os juros da dívida pública.
Essa reforma responde – unicamente – a uma lógica neoliberal de política social. Para os golpistas a seguridade social (assistência, previdência e saúde) não são direitos conquistas na luta dos trabalhadores, são – antes de tudo – mercadorias, que precisam se auto sustentar e gerar lucro. A ideia dos golpistas é sucatear cada vez mais as conquistas do nosso “nascente” estado de bem estar social e transferir a gestão da vida e das políticas sociais para o mercado
SMetal – Qual seria a consequência da reforma para as jovens mulheres?
Juliane – As mulheres serão especialmente atingidas. O primeiro motivo é que a PEC 287 equipara a idade de aposentadoria entre homens e mulheres. Atualmente mulheres se aposentam com 55 anos e homens com 60. A equiparação da idade é um desconhecimento de que as mulheres trabalham duas – ou às vezes três – vezes mais do que os homens, porque no nosso modelo de sociedade patriarcal o trabalho doméstico e de cuidado é de responsabilidade exclusiva feminina. Portanto, mulheres trabalham no mercado de trabalho e cumprem uma jornada de trabalho de mais 10h semanais de trabalho doméstico, contra apenas 2h semanais dos homens, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2014. Além disso, as mulheres têm trajetórias menos contínuas do mercado de trabalho, em função da maternidade, de doenças de familiares, do desemprego que atinge mais as mulheres e do frequente machismo que ainda encara a atividade produtiva das mulheres como uma “ajuda” apenas em momentos de aperto financeiro doméstico. Com isso, 300 contribuições são praticamente inviáveis. Além disso, as mulheres ganham em média apenas 80% do salário masculino, o que também acarretará em benefício pecuniário menor no cálculo previdenciário. Além disso, de todas as ocupações existentes no mercado de trabalho, o trabalho doméstico hoje é uma das principais concentradoras de mão-de-obra feminina, e dado que essa é uma ocupação essencialmente informal, será quase impossível uma doméstica se aposentar.
Por fim, a PEC 287 acaba com o regime especial de aposentadoria para os professores do ensino fundamental, que são na maioria mulheres, comprometendo mais um benefício da categoria.