A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Pará divulgaram hoje (7) nota conjunta repudiando a decisão judicial que, na prática, impede que assessores, repórteres e correspondentes internacionais entrem em um dos canteiros de obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará, para acompanhar de perto a ocupação do local, que entrou hoje no sexto dia. Para as entidades, a decisão da juíza estadual Cristina Sandoval Collyer, da comarca de Altamira (PA), “condena quem se dispõe a prestar o serviço da denúncia de diversos problemas vividos pela população daquela região à sociedade paraense e brasileira”.
Na sexta-feira (3), a juíza acatou parcialmente o pedido de reintegração de posse do canteiro Belo Monte, feito pelo Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM), responsável pela construção da usina. Localizado a cerca de 75 quilômetros de Altamira, o canteiro está ocupado desde quinta-feira por manifestantes que exigem a regulamentação do processo de consulta aos povos tradicionais, sobre empreendimentos que afetem seus interesses e a paralisação de todos os projetos hidrelétricos em curso, até que a regulamentação seja concluída e as comunidades ouvidas.
Como a maior parte do grupo é formada por índios, principalmente da etnia munduruku, a juíza estadual disse não ter competência para determinar a desocupação total da área, pedido que o consórcio devia apresentar à Justiça Federal. A magistrada, no entanto, concedeu a reintegração de posse contra os não-índios que estivessem ocupando o local. Com isso, o fotógrafo da Reuters, Lunaé Parracho; o correspondente da Rádio França Internacional (RFI) no Brasil, François Cardona e o jornalista e assessor do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Ruy Sposati, foram retirados do canteiro de obras por um oficial de Justiça auxiliado por policiais.
Único não-índio a ser citado nominalmente na decisão, Sposati ainda foi multado em R$ 1 mil. Segundo a juíza, ele contrariou uma sentença judicial de outubro de 2011, que o proibia de, junto com outras pessoas, voltar a ingressar no empreendimento. Para a Fenaj e o sindicato paraense, o episódio é uma “brutal agressão ao exercício profissional”. “Atitudes como essa extrapolam o respeito e atingem a liberdade de expressão e de imprensa em nosso estado, tendência desgraçadamente verificada em vários outros estados, vitimando outros jornalistas e jornais”, acrescentam as entidades na nota conjunta.
Procurado pela Agência Brasil, o presidente da Fenaj, Celso Scrhöder, afirmou que o fato de um jornalista trabalhar para uma organização não-jornalística, não interfere no exercício da profissão e de suas funções como jornalista. Principal reivindicação dos manifestantes, o processo de consulta aos povos tradicionais, como índios e quilombolas, está previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O Brasil é signatário da norma internacional, que foi aprovada pelo Congresso Nacional em 20 de junho de 2002, na forma do Decreto nº 143, e promulgado pela Presidência da República em 19 de abril de 2004. Entre outras coisas, a convenção estabelece que os povos indígenas e os que são regidos, total ou parcialmente, por seus próprios costumes e tradições ou por legislação especial, devem ser consultados sempre que medidas legislativas ou administrativas afetarem seus interesses.
A convenção determina que a consulta deve ser feita “mediante procedimentos apropriados” e por meio de suas instituições representativas, “com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas”. Ontem (6), a Secretaria-Geral da Presidência da República divulgou nota afirmando que a reivindicação dos manifestantes causa estranheza, já que o governo federal está regulamentando o direito à consulta, com a participação direta de representantes indígenas, realizando reuniões às quais as “autodenominadas lideranças”, sobretudo da etnia munduruku, não têm comparecido.
“O governo federal mantém sua disposição de dialogar com os munduruku para a pactuação de um procedimento adequado de consulta a esse povo. Mas queremos dialogar com lideranças legítimas”, menciona a nota. “Na região do Tapajós está em curso uma experiência prática de participação planejada e conjunta, que será uma espécie de laboratório para a regulamentação da Convenção 169 no Brasil. O diálogo com os indígenas servirá de modelo para a regulamentação da consulta prévia, conduzida de forma participativa e transparente pela Secretaria-Geral”.
Por razões de segurança, o Consórcio Construtor Belo Monte mantém os trabalhos paralisados desde quinta-feira. O prejuízo com a interrupção da jornada de milhares de trabalhadores (segundo a Norte Energia, só o número de funcionários permanentemente alojados no local chega a 4 mil) ainda não foi calculado. Nenhum ato de violência contra funcionários ou de depredação do patrimônio foi registrado. A Norte Energia voltou a recorrer à Justiça Federal, ontem, para obter a reintegração de posse da área.