O Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) que a Polícia Federal investigue uma chacina que deixou cinco mortos em maio de 2006 em São Paulo, durante os conflitos que ficaram conhecidos como Crimes de Maio.
No dia 14 de maio daquele ano, cinco homens foram assassinados no Parque Bristol, na zona sul, após serem atingidos por tiros disparados por pessoas encapuzadas. De acordo com a PGR, houve alteração da cena do crime, sugerindo atuação similar ao que era visto nos homicídios cometidos por grupos de extermínio no Estado, com a participação de policiais militares.
“A Polícia Civil de São Paulo deixou de realizar diligências imprescindíveis à elucidação da autoria do episódio conhecido como chacina do Parque Bristol”, afirma Janot em seu despacho. “Manter o arquivamento do inquérito, sem a investigação adequada, seria ratificar a atuação institucionalmente violenta de agentes de segurança pública e, consequentemente, referendar grave violação de direitos humanos”, continua o PGR.
Os Crimes de Maio foram uma resposta da polícia e de grupos de extermínio aos ataques e rebeliões comandados pela facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) contra a transferência de líderes para presídios de segurança máxima. O total de vítimas da onda de violência varia de acordo com a fonte, mas estima-se que ao menos 43 agentes públicos e 450 civis – em sua maioria jovens negros, moradores das periferias – tenham sido assassinados entre os dias 12 e 20 de maio de 2006.
A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo informou que “a investigação das mortes ocorridas em maio de 2006 foi feita corretamente” e que o pedido de deslocamento de competência “não tem procedência e não deve prevalecer, pois não houve inércia das autoridades estaduais”.
Para a PGR, no entanto, a apuração policial foi prematuramente interrompida. A Polícia Civil de São Paulo instaurou inquéritos para apurar os fatos, mas concluiu que não havia elementos suficientes de autoria e encaminhou os autos ao Ministério Público do Estado. O MP, por sua vez, pediu o arquivamento do caso, e o pedido foi acolhido pela Justiça.
Crimes em Santos
O movimento Mães de Maio, formado por 17 mães de mortos e desaparecidos, comemora a decisão, mas quer que ela seja ampliada. “Exigimos que a federalização seja para todos os Crimes de Maio, e não apenas para cinco”, afirma Débora Maria da Silva, coordenadora do movimento e mãe de Edson Rogério Silva, morto a tiros aos 29 anos, na Baixada Santista.
O deslocamento de competência da Justiça Comum para a Justiça Federal está previsto no artigo 109 da Constituição Federal (parágrafo 5º) e destina-se à análise de casos em que há grave violação aos direitos humanos. De acordo com o procurador da República Ubiratan Cazetta, coordenador da assessoria jurídica de tutela coletiva da PGR, na decisão “não se discute a análise de todas as mortes dos Crimes de Maio, mas sim de algumas específicas, e estas poderão puxar o novelo das demais”.
A requisição para que a investigação da chacina do Parque Bristol fosse federalizada partiu da ONG Conectas, em 2009. No ano seguinte, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo pediu deslocamento de competência da apuração dos crimes de Santos, mas o pedido está em análise.
“No caso de Santos, com a criação de um grupo específico do Ministério Público de São Paulo, estamos acompanhando para ver se a nova atuação é suficiente para demonstrar o interesse do Estado em ver apurados os fatos”, continuou Cazetta, conforme nota publicada pela PGR.
Procurada, a Defensoria Pública de São Paulo informou, em nota, que o precedente da decisão do Parque Bristol mostra que a federalização dos crimes de Santos é “ainda mais cabível, necessária e urgente”. De acordo com a Defensoria, após dez anos, os Crimes de Maio “continuam não solucionados e sequer investigados”, e os familiares das vítimas ainda não receberam qualquer tipo de indenização.
A Defensoria também faz críticas à atuação do grupo específico do Ministério Público em Santos. “Passados sete anos da constituição do grupo, não há notícia de qualquer avanço na investigação e elucidação dos crimes. Foram ouvidas algumas poucas pessoas, quase todas familiares das vítimas, e não houve, por exemplo, perícia técnica de projétil recuperado após exumação do corpo de uma das vítimas”, diz a nota.
O corpo exumado é o do filho de Débora Silva, que diz não acreditar na investigação do Estado de São Paulo. “Esse jogo do Ministério Público Estadual é para esconder os crimes cometidos pelo Estado. Então a gente vê que o único caminho é a federalização”, afirma.
“A esperança está aí, e a gente não vai desistir nunca, mesmo sabendo que o chefe da Polícia Federal, no desenho político deste nosso País, pode ser o Alexandre Moraes, que vem de um fascismo. Basta ver o que a sua polícia está fazendo com os estudantes”, diz Silva sobre o secretário da Segurança Pública de São Paulo, cotado para assumir o Ministério da Justiça em um eventual governo de Michel Temer (PMDB).