Último espaço de internação psiquiátrica ainda em funcionamento em Sorocaba, o Hospital Psiquiátrico Doutor André Teixeira Lima (TL) encerrará as atividades no final de fevereiro. No início do mês, a Prefeitura prorrogou pela segunda vez, por mais 30 dias, o contrato com o estabelecimento, realizando repasse no valor de R$ 390 mil. Atualmente o hospital abriga 120 pacientes moradores na instituição. Interditado pela Vigilância Sanitária (Visa) do município desde setembro, o hospital não pode receber novos pacientes.
A interdição se deu por insuficiência de funcionários para o número de pacientes internados no local. Durou um mês e em dezembro foi suspensa pois, com a saída de alguns pacientes, o número de profissionais voltou a ser compatível com as exigências legais.
Inicialmente o TL fecharia as portas em dezembro de 2014, mas a necessidade de transferência dos pacientes obrigou o município a prorrogar o contrato com a entidade por duas vezes. De acordo com a coordenadora de Saúde Mental de Sorocaba, Mirsa Elisabeth Dellosi, os internos devem ser transferidos direto para residências terapêuticas (RTs) ou retornar para casa de familiares sem passar pelo Hospital Vera Cruz, polo do processo de desinstitucionalização em Sorocaba. “Eles (pacientes) já estão sendo trabalhados para a desinstitucionalização e seria um retrocesso encaminhá-los para outro hospital. Eles já estão prontos para saírem”, explica.
Para o pagamento das verbas trabalhistas pela demissão dos 105 funcionários, a direção do TL terá de vender pelo menos uma parte da propriedade na rua Ramon Haro Martini, Vila Haro, onde o hospital funciona. Em agosto, o município chegou a formalizar o interesse de que o Teixeira Lima continuasse funcionando como um hospital de apoio, mas a direção afasta essa possibilidade justamente pela necessidade de vender parte da propriedade.
Prejuízo para os pacientes
Filho de um dos fundadores, o atual diretor clínico do Teixeira Lima, o psiquiatra Dirceu de Albuquerque Doretto, lamenta o encerramento das atividades do hospital e critica a política nacional de desinstitucionalização. Ele afirma que o fechamento dos hospitais psiquiátricos mantidos pelo poder público trará prejuízos principalmente para os pacientes de baixa renda que, segundo ele, correspondem a metade dos doentes mentais em caso de internação.
“Quem tem dinheiro vai continuar internando em clínicas particulares. Agora, quem não tem o que faz?”, questiona. Segundo Doretto, o TL sempre manteve a filosofia de manter em internação apenas os pacientes com quadros agudos. Os doentes crônicos, diz ele, podem perfeitamente ser mantidos nas residências terapêuticas. “Não somos contra as residências, mas acho que os cuidadores deveriam ter formação mais específica para trabalhar diretamente com os doentes.”
O psiquiatra revela que as duas residências terapêuticas mantidas pelo TL também serão fechadas até o final do ano. Por ser uma instituição privada, o Teixeira Lima não pode manter as residências em funcionamento. “A lei determina que apenas organizações sociais (OSs) ou filantrópicas podem fazer esse trabalho; então, fecharemos as nossas que funcionam há cinco anos”, lamenta. Durante esse período, acrescenta o psiquiatra, alguns pacientes apresentaram evolução no processo de ressocialização e outros não se adaptaram e precisaram voltar para a internação. “Ficaram agitados, agressivos, tivemos casos de agressão e precisaram voltar”, justifica.
A interdição para receber novos pacientes no TL aconteceu em setembro e foi determinada pela Vigilância Sanitária (Visa) da cidade. Doretto explica que o baixo número de funcionários foi um dos motivos que levaram à interdição do hospital. Recebendo diária de R$ 42,00 por paciente em repasses vindos do governo federal, o psiquiatra afirma ser impossível realizar um trabalho digno com os pacientes. Segundo ele, o repasse mensal chegava a R$ 400 mil, sendo necessários pelo menos R$ 600 mil.
Para fechar as contas no final do mês o hospital realmente trabalhava com um número menor de funcionários do que o exigido pelo Ministério da Saúde. A multa diária pelo desrespeito das determinações legais seria de R$ 1 mil, mas o hospital obteve liminar judicial isentando a instituição da penalidade. “Conseguimos provar que com o valor recebido era impossível cumprir as determinações das portarias”, informa. O valor da diária paga pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para pacientes internados em hospitais psiquiátricos não é reajustado há cinco anos. Doretto acredita que a defasagem é uma forma do governo federal pressionar pelo fechamento desses estabelecimentos.
Fechamento de unidades causa 300 demissões
O fechamento de postos de trabalho é um dos lados negativos da desinstitucionalização em Sorocaba. Segundo o Sindicato Único dos Trabalhadores da Saúde de Sorocaba e Região (Sinsaúde Sorocaba), desde o início do fechamento dos hospitais psiquiátricos, a cidade perdeu 300 postos de trabalho. Com a desativação do Hospital Psiquiátrico Dr. Teixeira Lima, serão 450 empregos a menos para a categoria. O presidente da entidade, Milton Sanches, afirma que o processo de desinstitucionalização está sendo feito “a qualquer preço” e destaca o fato de alguns hospitais não terem se preparado financeiramente para arcar com as indenizações que devem ser pagas por conta da dispensa dos funcionários.
No Hospital Mental os funcionários lutam na Justiça para receber cinco meses de salários atrasados e as verbas demissionais. A dívida trabalhista da instituição com os trabalhadores é de R$ 2,478 milhões segundo o sindicato, e começou a ser paga em dezembro passado. Um acordo trabalhista garantiu que alguns funcionários recebessem parte do valor devido. O sindicato da categoria ingressou com uma ação de arresto e conseguiu bloquear R$ 1,1 milhão que foi repassado pelo município para o estabelecimento psiquiátrico. Foram mais de cem ações judiciais contra o hospital e aproximadamente 60 trabalhadores aceitaram o acordo proposto pela empresa. Sanches lamenta o fato de os valores pagos serem inferiores aos efetivamente devidos.
“Muitos dos funcionários demitidos dos hospitais não conseguiram vagas em outros lugares. Alguns estão desempregados mas muitos mudaram de profissão e estão trabalhando com outras coisas”, afirma. No hospital Mental, o segundo a ser desativado na cidade cerca de 60 funcionários trabalharam por cinco meses sem receber salário. Depois do encerramento das atividades do hospital, em julho passado, os colaboradores que ainda restavam foram dispensados.
Depois de trabalhar por um ano e quatro meses no hospital, a auxiliar de enfermagem Renata Rosbeli, 34, está entre as funcionárias que não abandonaram o emprego mesmo estando há meses sem receber. “Eu trabalhava na área onde pacientes se comportam como crianças. Estava todo mundo deixando o emprego e elas perguntavam se a gente ia voltar no dia seguinte. Muitas nos chamavam de mãe. Não tinha como abandoná-las”, recorda. A dívida do hospital com ela chega a R$ 70 mil, mas com o acordo o valor a ser recebido será reduzido para pouco mais de R$ 10 mil.
“Era isso ou nada. Eu tenho um filho que faz faculdade federal no Rio de Janeiro e outro menor que ainda mora comigo. Preciso mandar dinheiro para o meu filho comer lá. Preciso pagar nossas contas aqui. Acumulei dívidas. Preciso deste dinheiro com muita urgência”, afirmou a auxiliar. Para honrar as contas e não passar necessidade nos últimos meses, ela emprestou dinheiro da família e estourou o limite bancário. Apesar de ter sido oficialmente demitida em julho, o benefício do seguro- desemprego começou a ser recebido por ela em outubro. “Agora estou um pouco mais tranquila, mas isso é temporário, preciso encontrar outro emprego logo”, diz.
Venda de área
No hospital psiquiátrico Dr. André Teixeira Lima são mais de cem trabalhadores que já estão sendo dispensados. As homologações estão sendo feitas no Sinsaúde. Segundo o gestor do hospital, Dirceu Doretto, uma parcela significativa dos funcionários tem mais de 15 anos de serviços prestados à instituição e, por isso, tem direito a indenizações trabalhistas mais altas. A multa pela demissão sem justa causa é calculada sobre o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e, por isso, quanto mais tempo trabalhado na mesma empresa, maior o valor devido. Doretto adianta que pelo menos parte da propriedade onde hoje funciona o hospital deve ser vendida para que o passivo trabalhista seja pago. “Não temos recursos para arcar com todas as demissões de uma única vez. Necessariamente teremos que vender pelo menos uma parcela do prédio para quitar a dívida”, lamenta. (C.S.)