O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), e o governador Geraldo Alckmin (PSDB) anunciaram no início da noite desta quarta-feira, dia 19, a revogação do aumento das tarifas de ônibus, trem e metrô da capital. A decisão de voltar atrás no reajuste, que começou a valer no dia 2, vem após quase quinze dias de protestos que começaram na cidade contestando o alto preço do transporte público e ganharam todas as regiões do país, ecoando outros focos de insatisfação da sociedade.
Histórico
As passagens de ônibus, trem e metrô em São Paulo subiram de R$ 3 para R$ 3,20 no último dia 2, graças a um acordo entre os governos estadual e municipal. O reajuste, de 6,67%, ficou abaixo da inflação, como Haddad havia prometido em sua campanha eleitoral. Entre janeiro de 2011, quando do último aumento, e junho de 2013, a inflação acumulada foi de 15,5%. Festejada pela administração municipal, a “conquista” foi viabilizada porque o governo federal, preocupado com o impacto do aumento sobre os índices de inflação, pelos quais vem sendo duramente criticado, escolheu zerar a alíquota de PIS e Cofins que é paga pelas empresas de transporte de passageiros.
Ainda assim, quatro dias depois, 6 de junho, uma quinta-feira, ocorria a primeira manifestação pública contra o reajuste da tarifa na cidade. A segunda foi marcada para o dia seguinte, sexta-feira, dia 7. Novas marchas aglutinaram milhares de paulistanos na terça-feira, dia 11, e na quinta-feira, dia 13. Conforme a mobilização cresceu em força e número de manifestantes, incrementou-se a repressão policial. O número de PMs enviados para dispersar o protesto mais que dobrou entre os dias 11 e 13 de junho: foi de 400 para 900 homens, nos quais estava incluído um destacamento da cavalaria. Com tamanho contingente, a polícia vandalizou as regiões da capital por onde passaram os manifestantes.
O endurecimento havia sido anunciado aos meios de comunicação pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) no dia anterior. Como resultado, 232 pessoas foram detidas, segundo a Secretaria de Segurança Pública. De acordo com o Movimento Passe Livre (MPL), que convocava os protestos, mais de 150 acabaram feridas com maior ou menor gravidade. Demonstrando descaso com o bem-estar da população, a Tropa de Choque utilizou bombas de gás lacrimogêneo vencidas há mais de dois anos – o que pode trazer riscos à saúde, segundo o próprio fabricante.
Até os trabalhadores da imprensa sofreram o peso dos cassetetes. Uma repórter da RBA foi agredida no rosto e na nuca pelos porretes da PM enquanto cobria a repressão na Avenida Paulista. Uma jornalista da Folha de S. Paulo e um fotógrafo da Agência Futura Press foram atingidos no olho por tiros de bala de borracha. Assim como dezenas de manifestantes, um repórter da revista Carta Capital foi levado à delegacia para averiguações antes mesmo da marcha apenas por trazer uma garrafinha de vinagre na mochila – líquido que, além de temperar saladas, serve para amenizar os efeitos do gás lacrimogêneo.
A operação policial da última quinta-feira, dia 13 – desatada logo no início do protesto e sem que houvesse qualquer arroubo de vandalismo por parte dos manifestantes – sensibilizou a sociedade paulistana. Alguns meios de comunicação que até então criticavam as mobilizações e pediam mais rigor policial contra os arruaceiros passaram a dar mais destaque à atuação descabida da PM. Alguns políticos também amainaram seus discursos e passaram a tentar interpretar os motivos das insatisfações, quase sempre atribuindo ao partido do adversário a culpa pela situação. No plano federal, o PSDB passou a dizer que os protestos expressavam a insatisfação com a gestão Dilma Rousseff.
No plano municipal, Haddad também mudou o tom. No começo das manifestações, tentou repetidas vezes deslegitimar a mobilização, que classificava como minoritária e violenta. Depois, o prefeito passou a criticar a ação policial e abriu canais de diálogo com representantes do MPL, convocados na sexta-feira pós-repressão a uma reunião extraordinária do Conselho da Cidade, colegiado formado por empresários, sindicalistas, representantes de movimentos sociais e líderes religiosos.
Apesar das tergiversações do prefeito, a mobilização só fez crescer. Na última segunda-feira, dia 17, estimuladas pela repressão policial dos dias anteriores, cerca de 150 mil pessoas foram às ruas da capital paulista para exigir a redução da tarifa. A manifestação se concentrou no Largo da Batata, na zona oeste, e se dividiu em duas para chegar à Ponte Estaiada, na zona sul – um dos braços da passeata seguiu pela Avenida Faria Lima e outra, pela Marginal do Rio Pinheiros. Uma vez concentrada na megaobra – cujo tráfego é impedido a ônibus e pedestres -, a massa se dividiu novamente: uma grupo seguiu um longo trajeto para a Avenida Paulista, enquanto a maioria pegou a direção do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo estadual. A polícia, que simplesmente não havia aparecido durante toda a jornada, se concentrou no interior do edifício. Alguns manifestantes forçaram os portões, na tentativa de entrar no palácio, mas foram impedidos pelas tropas. Logo depois, a passeata se dissolveu.
No dia seguinte, terça-feira, 18 de junho, uma multidão voltou às ruas. Desta vez a concentração ocorreu na Praça da Sé, no centro de São Paulo. A passeata novamente se dividiu em duas. Uma parte tomou o rumo do Terminal Parque Dom Pedro II, seguindo depois para a Avenida Paulista, onde dezenas de milhares de pessoas se concentraram pacificamente durante a maior parte da noite. Outro braço se dirigiu ao Edifício Matarazzo, sede do governo municipal. O grupo exigia a presença do prefeito Fernando Haddad, que na ocasião não se encontrava no prédio: estava reunido com a presidenta Dilma Rousseff, o ex-presidente Lula, o presidente do PT, Rui Falcão, e o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, discutindo uma saída à situação. Depois de gritarem suas insígnias e demonstrarem seu descontentamento, a maioria dos manifestantes seguiu para a Avenida Paulista.