O presidente da Argentina, Mauricio Macri, enfrenta nesta quinta-feira, dia 6, a primeira greve geral em 16 meses de governo. As duas principais centrais sindicais do país exigem aumentos salariais para acompanhar a inflação, que em 2016 foi de 40%, além de reclamar medidas para compensar a perda de empregos, causada pela política de abertura econômica.
O governo argumenta que não pode dar aumentos muito superiores à meta inflacionária deste ano, de 17%, e assegura que as medidas adotadas (entre elas, o reajuste dos preços dos serviços públicos, congelados desde a crise de 2001) atrairão investimentos, tirando o país da recessão.
Como não houve acordo, a Confederação Geral do Trabalho (CGT) e a Central de Trabalhadores Argentinos (CTA) decidiram paralisar o transporte público e o país, enquanto as organizações sociais de esquerda se mobilizaram para bloquear as principais vias de acesso aos centros urbanos.
Cerca de 800 voos foram cancelados. Os trens, o metrô e os ônibus não circularão até a meia-noite. O líder sindical dos motoristas de táxi, Omar Viviani, chegou a ameaçar os que furarem a greve, prometendo “virar os carros”.
Divisão
Nos primeiros três meses deste ano, Macri enfrentou uma manifestação sindical (em março), uma greve de professores e centenas de protestos isolados, além de piquetes (bloqueios de estradas). Em compensação, milhares de argentinos saíram às ruas no sábado (1º) em apoio ao governo. Aos gritos de “Argentina sem Cristina (Kirchner)” e “sim, se pode”, a multidão autoconvocada pelas redes sociais encheu as praças.
“Na Argentina, a política é feita nas ruas”, disse o economista Marcelo Elizondo. “O que ficou evidente é que o país está dividido: uma parte quer manter a política populista dos 12 anos de governo dos ex-presidentes Nestor e Cristina Kirchner e outra quer as mudanças liberais de Macri”.
Na segunda-feira (3), dois dias após a marcha a seu favor, Macri prometeu combater as “máfias” no poder. “Não podemos aceitar mais comportamentos mafiosos na Argentina, que estão nos sindicatos, nas empresas, na política e na Justiça”, afirmou. Segundo o governo, a greve custará ao país US$ 1 bilhão.
De acordo com o líder sindical Hugo Yasky, da CTA, a greve será “um plebiscito contundente contra a política de ajuste do governo”, que resultou em “demissões, suspensões e queda do poder aquisitivo” dos trabalhadores. “O governo já gastou 30% de seu mandato e ainda não vimos as mudanças prometidas”, acrescentou.
Eleições
A queda de braço entre o governo e os sindicatos ocorre em ano eleitoral: em outubro, os argentinos irão às urnas para renovar metade da Câmara dos Deputados e um terço do Senado. Macri espera conquistar votos suficientes para converter seus aliados políticos na “primeira minoria” do Legislativo. O apoio no Congresso, segundo o próprio presidente, é indispensável para dar continuidade às suas políticas.
A principal força de oposição a Macri nas eleições será o peronismo – o movimento fundado nos anos 50 pelo ex-presidente Juan Domingo Peron, que hoje está dividido entre “kirchneristas” e “tradicionais”, mas historicamente contou com a aliança dos sindicatos. Macri ganhou as eleições de dezembro de 2015, prometendo uma Argentina mais transparente e aberta ao mundo. Mesmo sem maioria no Congresso, ele conseguiu reduzir impostos sobre as exportações do setor agroindustrial e da mineração, concluir a renegociação da dívida externa (em moratória desde 2001) e eliminar os controles cambiais (impostos por sua antecessora, Cristina Kirchner, para evitar a fuga de capitais).
Passado um ano, no entanto, ele não conseguiu reduzir de 30% para 25% a inflação herdada, como prometeu. Segundo o analista político Rosendo Fraga, o sucesso de Macri este ano nas urnas vai depender do crescimento econômico e da percepção dos argentinos sobre sua situação. “Ele prometeu crescimento, mas em 2016 a economia encolheu, a inflação aumentou para 40% e a pobreza afeta um terço dos argentinos”, disse. Além disso, houve perda de postos de trabalho.
Histórico
As greves gerais na Argentina, um país que tem uma forte atividade sindical, são uma ferramenta comum de pressão política. Há muitos exemplos disso. Raúl Alfonsín (1983-1989) sofreu a primeira nove meses depois de assumir a presidência e enfrentou 13 ao longo de seu mandato. Já Carlos Menem (1989-1999) viu o país parar três anos depois de colocar a faixa presidencial e suportou oito em 10 anos, enquanto Fernando de la Rúa governou apenas dois anos (1999-2001) e teve sua primeira greve geral no terceiro mês de mandato, depois sofreu outras sete.
Cristina Kirchner (2007-2015) viu a CGT na rua no quinto ano de mandato – quando já tinha sido reeleita – e enfrentou cinco no total. Néstor Kirchner (2003-2007) foi o único presidente pós-ditadura que não sofreu nenhuma greve geral durante a presidência.