Quatro atletas de Sorocaba foram convocados para um treino preparatório da Seleção Brasileira de Futebol de Amputados para as eliminatórias da Copa do Mundo, que acontece nos dias 25 e 26 de setembro na cidade. O anúncio foi feito na última segunda-feira, dia 30, e o Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região – que é parceiro da Associação Sorocabana de Futebol de Amputados (ASFA) – conversou com os jogadores sobre as expectativas para o treino.
Para se ter uma ideia, a Seleção Brasileira já foi campeã da Copa do Mundo da modalidade ao menos quatro vezes e, ano após ano, vem ganhando espaço com um trabalho sério que agrega inclusão social à prática esportiva. Na cidade, não é diferente. Fundado em 2017, o Sorocaba Futebol Amputados conta com 67 atletas que possuem algum tipo de limitação de mobilidade como a própria amputação, encurtamento do fêmur, má formação congênita e outras condições que são de nascimento ou causadas por acidentes.
São deste clube os quatro atletas sorocabanos que estarão presentes no treino da Seleção. Com uma estrutura completa que vai desde apoio psicológico para os atletas até preparadores físicos e uma comissão técnica, o Sorocaba Futebol de Amputados recebeu a notícia da convocação dos seus jogadores com “alegria”, como descreve o presidente da ASFA, Adilson Nunes, o Dinho. “Essa convocação é fruto do trabalho deles e ficamos muito contentes. Nós, da diretoria da ASFA, não esperávamos que tão cedo já conseguiríamos dar frutos desta atuação”, comenta Dinho.
Os escalados para o treino foram Fagner Américo, 31, atacante; Gustavo Benedito, 33, goleiro; Pedro Henrique, 17, meia-atacante; Paulo Leme, 36, atacante. Para o presidente do SMetal, Leandro Soares, a conquista desses jovens é, também, algo que ele pessoalmente celebra. “Eu também vim do esporte, mas por conta de um encurtamento na perna, tive que deixar a prática. Ver esse time, que o SMetal acredita tanto e apoia, ter quatro convocações, é uma conquista que eu pessoalmente celebro”, afirma.
Como estão os atletas?
Antes de comemorar pela escalação, o goleiro Gustavo Benedito enfrentou diversos momentos difíceis. Uma festa de Ano Novo, que era para ser um dia de descontração e alegria, causou a amputação da sua mão esquerda. Há quatro anos na equipe, ele encontrou a superação da tristeza e dos desafios no esporte. “A modalidade do futebol de amputados me fortaleceu de cem a duzentas vezes mais”, comenta.
O goleiro começou a ver a quão competitiva era a modalidade quando descobriu que o futebol de amputados disputava campeonatos como o Paulistão, Copa do Brasil e Brasileirão. “Eu via companheiros, que jogam em alguns times participando da Copa do Mundo, e isso criou uma sementinha dentro de mim”, diz. Antes de receber a notícia da convocação, ele comenta que sentiu algo positivo. Ao assistir o vídeo da ABDF (Associação Brasileira de Deficientes Físicos) e ouvir o seu nome, o misto de alegria e emoção foi compartilhado com a esposa e os quatro filhos.
Essa alegria também foi registrada pelo atacante Paulo Roberto Leme. “Estava assistindo à convocação. Gritei bastante e parecia que o coração iria sair pela boca, foi uma emoção muito fora do comum mesmo”, relata Paulo. Ele, que sempre praticou esportes desde pequeno, viu essa realidade ser modificada por conta de um acidente de moto que sofreu em 2011, em que perdeu a perna direita.
Desde então, o esporte continuou em sua vida – mas de uma forma diferente. “Quando eu sofri o acidente, achei que nunca mais poderia jogar futebol. Mesmo sendo difícil, me adaptei a jogar com as muletas e, agora, desde 2017, estou jogando”. Paulo conta que a preparação para o treino da Seleção está a todo vapor e os companheiros têm sido orientados pela comissão técnica e os preparadores do clube. A expectativa é alta e o trabalho também tem sido intenso no Sorocaba Futebol de Amputados.
Desde o nascimento
Dois atletas que nasceram com limitações motoras, e convivem com elas desde o início de suas vidas, também foram convocados. Pedro Henrique, de 17 anos, nasceu com uma má formação congênita “mas sempre fui apaixonado por futebol”, nas palavras dele. O meia-atacante joga desde os 14 anos e surge como uma jovem promessa da modalidade.
Pedro conta que o começo foi difícil, mas alcançar essa conquista com tão pouca idade fez o esforço valer a pena. “É um sentimento indescritível e passa até mesmo uma sensação de dever cumprido. Agora as coisas vão ficar mais difíceis por se tratar de um treino de eliminatórias para uma Copa do Mundo. É uma honra e extremamente gratificante representar o nosso país e fazer parte de um grupo tão forte, qualificado e competitivo que é o nosso Brasil”.
Diferente da jovem promessa, muitos atletas da modalidade têm tido conquistas com mais idade. Este é o caso de Fagner Américo, atacante convocado, que nasceu com um encurtamento no fêmur. “Sempre sonhei, como toda criança, em ser um jogador de futebol. Mas, devido a deficiência e outras limitações, nunca tive essa oportunidade quando mais novo e nunca imaginei que um dia isso poderia acontecer. Fico muito feliz e sou grato a Deus pelo momento que estou vivendo”, disse.
Aos 36 anos, nem sempre os momentos vividos foram fáceis. Ele recorda do preconceito que viveu. “Já enfrentei muita discriminação. Cheguei a entrar em quadras e na várzea e não me deixaram jogar. Enquanto eu não saía do campo, não seguia o jogo. Isso sendo um amistoso e, na época, eu tinha 14 anos de idade”, relembra.
As dificuldades foram um incentivo para a superação. Na tarde de ontem, o sentimento de ansiedade esteve presente enquanto ouvia os nomes da convocação da Seleção. Ao escutar o seu, não conteve a alegria. “Fiquei muito feliz com a escalação. Nada seria possível sozinho. O time de Sorocaba me deu uma oportunidade e uma chance, sou muito grato à toda direção e todos que ajudam e apoiam o clube. Eles me deram uma oportunidade de realizar um sonho que eu pensei que fosse impossível”.
Mais atenção
O SMetal acredita que o esporte, em toda sua potência, tem capacidade de transformar a sociedade. Além disso, é pela inclusão social desses atletas que, em agosto deste ano, o Sindicato renovou a parceria com a ASFA, que existe desde 2018, e segue acreditando na causa. Com a parceria, a Associação Sorocaba Futebol de Amputados pode investir em uniformes, materiais para treinamento e viagens para campeonatos que ocorrem durante o ano.
“A sociedade precisa dar mais atenção à modalidade. O Brasil é um país campeão e qualificado o Futebol de Amputados e merece ser tratado como tal”, comenta Leandro Soares. A falta de atenção também é um ponto levantado pelo meia-atacante, Pedro Henrique. “As pessoas costumam ter um certo preconceito com modalidades adaptadas porque elas imaginam que seja algo mais infiel ao que é o esporte. Elas pensam que é algo mais parado e sem graça e o futebol de amputados é completamente diferente disso. Eu acho que é fiel ao que é pensado para ser o futebol. Tem qualidade técnica alta, competitividade, cumplicidade. É muito agradável de se ver”, finaliza.