A convite do Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região (SMetal), Frei Betto, lançou três obras na noite de terça-feira, dia 27, para um público de 150 pessoas.
Autor de mais de 60 livros, o escritor concedeu autógrafos antes e depois de sua palestra sobre os lançamentos e também respondeu questionamentos do público.
Frei Betto é um intelectual que não perdeu o contato com o povo. Um militante social que escreve sobre sua realidade, suas angústias e esperanças de se viver em um país soberano, justo e fraterno. As palavras escritas e faladas de Frei Betto são sempre um alento para quem precisa de força para continuar na luta em defesa da classe trabalhadora; um sopro de sonho por uma viva liberdade.
Antes do evento, ele concedeu entrevista exclusiva para a imprensa SMetal e falou sobre seus livros, a arte e o ofício de escrever, criticou o governo golpista de Michel Temer e ressaltou a necessidade da esquerda fazer uma autocrítica.
Com fé em Deus e militância pelo projeto popular para o Brasil, Frei Betto afirma que é um equívoco discutir apenas um nome para a presidência. É preciso mais do que isso, discutir qual país queremos e investir em lideranças populares para que elas se transformem em nossas lideranças no Congresso.
Confira a entrevista na íntegra:
Imprensa SMetal: O senhor está lançando três livros, entre eles “O Ofício de Escrever”. Com mais de 60 livros publicados, como é a rotina do senhor para a literatura?
Frei Betto: Eu sou uma pessoa muito disciplinada, principalmente, quando se trata de escrever. Eu reservo 120 dias do ano para escrever. Não são seguidos, mas são sagrados. Então, meu ano de atividades de pastorais e movimentos sociais são 240 dias. Porque 120 dias estou recolhido para a escrita.
O senhor escreve todos os dias?
FB: Escrevo. Quando eu me afasto, às vezes são sete dias e eu escrevo bastante.
Escrever pode ser terapêutico e funcionar como autoconhecimento, com indicação para qualquer pessoa?
FB: Escrever é terapêutico! É indicado para qualquer pessoa. Claro, existem pessoas que gostam mais outras menos, como pintar, como dançar. Ou seja, eu sempre falo que existem muitos escritores. Autor é quando o escritor consegue publicar o que ele escreveu. Eu atribuo muito a minha sanidade na prisão por ter escrito muitas cartas, que estão reunidos no livro “Cartas da Prisão”.
Qual conselho o senhor daria a um jovem em relação à leitura e à escrita?
FB: Pois é, escrevi justamente um livro para aqueles que querem aprender a escrever, que gostam de escrever e já escrevem, partilhando a minha experiência. O conselho que dou, primeiro é ler muito e ler os clássicos, prestando atenção no modo como eles escreveram; prestando atenção na construção dos períodos, na sintaxe, na gramática, naquilo que a gente chama do sotaque do escritor, a sua maneira de se expressar. O importante para quem gosta de escrever é prestar atenção como os grandes escritores escreveram suas obras.
O senhor tem preferência por algum gênero literário?
FB: Eu realmente, por razões de ofício, leio muita ficção, mas sou muito obrigado também a ler ensaios por causa da minha atividade ligada a movimentos sociais, políticos. Então, estou sempre lendo ensaios de economia, de política, questões sociais. Acho que não há nenhum gênero que eu não goste de ler. Assim, como produzi livros em diversos gêneros eu também transito, como leitor, em diferentes gêneros.
Diante a reforma do ensino médio promovida pelo presidente ilegítimo Michel Temer, o senhor acredita que os jovens saberão escolher bem as disciplinas para uma formação adequada?
FB: Não, eu acho que o que vem desse governo golpista de Michel Temer é retrocesso. Inclusive, essa reforma do ensino médio, porque ela visa favorecer as escolas particulares, mercantilizar a educação, que deveria ser um bem universal. Veja agora essa absurda aprovação de faculdades virtuais, ou seja, daqui a pouco vamos ter prédios desabando porque os engenheiros foram formados pela internet sem nunca ter, sequer medido, não saberão qual o peso do quinto andar de um prédio quando ele for mobiliado.
O senhor escreveu Fidel e a religião. Fidel, um ateu. Agora, o livro com um budista, o jornalista Heródoto. Como surgiu essa conversa?
FB: “Fidel e a Religião” foi um livro que teve repercussão mundial muito grande porque foi a primeira entrevista de um chefe de estado comunista que presta uma visão positiva da religião. Eu diria que depois dessa entrevista eu tenho dúvidas dele ser ateu e disse isso a ele: ‘as pessoas me perguntam se o senhor é ateu e eu respondo que o senhor é agnóstico’. Ele não disse nem sim, nem não e eu entendi isso como anuência. Achei interessante essa conversa entre nós dois porque, ele do ponto de vista mais político, eu do ponto de vista mais religioso, espiritual, tivemos muitos pontos convergentes. Da perspectiva dos mais pobres, de uma construção do horizonte socialista. Com Heródoto foi a mesma coisa, ele é praticante do segmento mais originário do Budismo, da Índia. Eu sou cristão e nós nos trancamos (no convento de Frei Betto) para elaborar esse texto, verificando quais são as características do budismo e do cristianismo e em que medida os dois convergem e diferem. Não encontramos nenhuma divergência.
O senhor acredita que todas as religiões são importantes?
FB: Sim, Deus não tem religião. A religião é uma expressão humana e, portanto, as que praticam o amor a si mesmo, amor ao próximo e à natureza, são positivas. Existem alguns segmentos que deturpam, como são os casos dos intolerantes, fundamentalistas ou aqueles que usam a crença religiosa para fazer terrorismo.
Dá para conciliar a religião, a fé, espiritualidade com a militância de esquerda?
FB: Durante muito tempo a esquerda brasileira seguiu a esquerda européia, de tradição atéia e cometeu equívocos de impedir que um operário, ingressasse no partido comunista se não se declarasse ateu. Isso é um equívoco político grave porque na América Latina a primeira formulação de visão do mundo que qualquer pessoa tem é de categoria religiosa. Eu debatia muito com os comunistas que estiveram presos comigo que aqui na América Latina a chave do coração é a religião e é através dela que você chega também à razão. Por isso, as comunidades eclesiais de base tiveram tanto sucesso e capilaridade em todo o Brasil. Hoje, a esquerda já tem uma compreensão muito mais avançada e positiva. Nesse ponto, o Fidel com sua entrevista ajudou muito, assim como a Teologia da Libertação. Nem nós podemos assumir o marxismo como uma religião e nem podemos considerar o cristianismo como um método de análise da realidade. Marx quando diz que a religião é o ópio do povo, logo em seguida ele diz, mas é a expressão de um mundo, coração da voz do oprimido.
As comunidades eclesiais de base fazem muita falta hoje em dia porque também eram uma forma do jovem ingressa no mundo político, ter consciência de classe.
FB: É verdade. Mas hoje, com Papa Francisco, muito identificado com a Teologia da Libertação, as comunidades estão se revitalizando depois de 34 anos de pontificados conservadores. Inclusive, no ano que vem nós vamos, em janeiro, mais um grande encontro nacional das comunidades eclesiais de base, em Londrina.
Temos em Sorocaba um prefeito que tem o comportamento agressivo, chama homossexual de ‘anormal’, a ex-presidente Dilma de vagabunda e está sendo investigado por agredir a vice-prefeita. Temos um governo de Estado de São Paulo truculento com os movimentos sociais e com a população pobre. Temos um presidente da República que assume o cargo via golpe e o presidente Trump, dos EUA, que é a favor do avanço imperialista, de interferir em outras nações. Ao que se deve esse movimento conservador e de intolerância? com esse perfil de ódio e de xenofobia?
FB: O mundo hoje é hegemonicamente dominado pela direita. E aí, nós temos que fazer autocrítica. Temos que nos pergunta por que o socialismo se desviou tanto no Leste Europeu e por que ele desapareceu. Nós temos que nos perguntar por que depois de 13 anos o PT já não conseguiu sequer que a Dilma completasse o segundo mandato. Então, nós também cometemos erros e temos que reconhecer esses erros. Por exemplo, nós abandonamos o trabalho de base, abandonamos o trabalho de formação política. Hoje, são raríssimas as equipes de educação popular. Nos anos 70, 80 existia em São Paulo um centro de educação popular, o Instituto Cajamar. Então, nós temos que nos perguntar o que estamos fazendo para esse trabalho de educação política pela alfabetização política do povo. Não adianta só protestar e lamentar que a direção avança. A direita avança porque nós, infelizmente, temos aberto espaço para ela.
Quem retomará esse trabalho de formação política?
FB: Tem agora duas frentes brasileiras que é a Frente Brasil Popular e o Povo Sem Medo e os trabalhos do MST e o MTST. São movimentos muito preocupados com a educação política, ideológica, com esse trabalho de base.
Confira a galeria de imagens do lançamento do livro aqui.