São 33,1 milhões de brasileiros sem ter o que comer no país. Mais da metade da população, mais especificamente 125,2 milhões de pessoas, vive com algum grau de insegurança alimentar, ou seja, a falta de acesso regular e permanente a alimentos. Os dados são do segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil e são os piores dos últimos 30 anos.
Que o país voltou para o Mapa da Fome não é novidade, mas os números são alarmantes. De acordo com a pesquisa, entre o último trimestre de 2020 e o primeiro de 2022, a insegurança alimentar (IA) grave subiu de 9% para 15,5%, incorporando, em pouco mais de 1 ano, 14 milhões de novos brasileiros ao exército de famintos do país.
“A intensificação dessa onda deformadora do Estado, em curso desde 2016, impactou direitos sociais, econômicos e ambientais, com incidência especialmente grave no Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA). A má gestão pública da pandemia no Brasil é um fator agravante desse cenário pré-existente”, aponta trecho da pesquisa.
Além disso, o cenário do desmonte de políticas públicas agrava ainda mais a situação dos brasileiros. Os principais deles: a extinção do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa Bolsa Família (PBF). O documento aponta que ambos foram “substituídos pelos programas Alimenta Brasil e Auxílio Brasil, respectivamente, reconhecidos por analistas sobre o tema como frágeis em suas concepções e objetivos, além de limitados na abrangência populacional. Estima-se que apenas metade dos 100 milhões de pessoas antes atendidas pelo PBF e pelo Auxílio Emergencial permaneceu com acesso ao Auxílio Brasil. Ademais, sobressai, neste período da pandemia, a má gestão do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)”.
A fome mora ao lado
Para Tiago Almeida do Nascimento, presidente do Banco de Alimentos de Sorocaba (BAS), entidade que luta pelo combate à fome há 16 anos na região e tem como único mantenedor o Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região (SMetal), essa falta de política é evidente dentro do contexto da entidade, que trabalhou de perto com os produtores rurais ligados ao PAA e atendendo às famílias que precisavam das doações antes do fim do programa.
“O que fazíamos durante os governos Lula e Dilma era o mundo ideal. Podíamos atender aqueles que mais precisavam, mas também permitir que a agricultura familiar se desenvolvesse. Com isso nossa atenção ía para além de garantir um prato na mesa, mas trabalhar formação profissional, educação, promover a soberania alimentar, entre outros projetos que desenvolvíamos. Mas o cenário desde 2016 é devastador. A pandemia piorou a pobreza, mas não podemos esquecer que isso é também uma escolha política que é reforçada há anos”, afirma Tiago.
A entidade costumava distribuir quase 100 toneladas de alimentos por mês no período do PAA e conseguia atender mais de 20 mil pessoas. Em 2020, o número já tinha caído pela metade; entre 2021 e 2022, essa média despencou para 20 toneladas, conseguindo atender 9 mil pessoas. Os principais doadores da entidade são comerciantes Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (CEAGESP), hipermercados e produtores rurais. Mas pessoas físicas também fazem doações esporádicas.
A assistente social da entidade, Meire Elen Rodrigues, reforça que “no início da pandemia a ajuda vinha aos montes, as pessoas se sensibilizavam com o aumento do desemprego e a situação daqueles que estavam em vulnerabilidade, mas a solidariedade esfriou, e temos muito mais dificuldades de atender um número ideal hoje”.
Apesar dessa constatação local, a região Sudeste não enfrenta o pior cenário, mas vem em segundo lugar, onde 3 em cada 10 famílias tiveram redução parcial ou severa no consumo de alimentos. Em primeiro lugar vem o Nordeste, com 4 em cada 10 famílias; e por último a região sul, com 2 em cada 10 famílias.
Negros e mulheres sofrem mais
A pesquisa da rede PENSSAN aponta que 65 % dos lares comandados por pessoas pretas e pardas enfrentam insegurança alimentar. A fome também saltou de 10,4% para 18,1% nessas casas. Já no caso dos domicílios onde o chefe-de-família se autodeclara branco, são 46,8%.
No contexto de que quase metade dos lares é sustentado por mulheres no país, 6 de cada 10 das casas comandadas por elas convivem com a falta de acesso regular e permanente a alimentos e a fome cresceu de 11,2% para 19,3%. “Nos lares que têm homens como responsáveis, a fome passou de 7,0% para 11,9%. Isso ocorre, entre outros fatores, pela desigualdade salarial entre os gêneros”, informa o levantamento.
Os atendimentos do Banco de Alimentos de Sorocaba reforçam isso. De acordo com dados levantados até março deste ano, das 55 pessoas que procuraram ajuda, 47 eram mulheres. Esse número representa 85,45% dos atendimentos. Desse montante, 65,96% eram mães solo e chefes de família. Apenas 34,04% delas têm o apoio de um companheiro em casa.
Chefes de família são elas: quase metade dos lares é sustentado por mulheres no país
Como ajudar?
Os interessados em apoiar o trabalho realizado pelo Banco de Alimentos de Sorocaba, seja com trabalho voluntário ou doações de alimentos, podem entrar em contato pelo Whatsapp (15) 97400 0206. Se preferir doar em dinheiro, a chave PIX é o CNPJ: 08.741.511/0001-76.
As maiores necessidades são: alimentos básicos, como arroz, feijão, óleo, leite, farinha, etc; e produtos de higiene, como papel higiênico, pastas de dente, absorventes, sabonetes.
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