Os ex-jogadores Afonso Celso Garcia Reis (Afonsinho) e Fernando Antunes Coimbra (Nando Antunes), além de representantes do futebol que une e dos dribles do futebol arte, também são símbolos de coragem e resistência.
Eles contaram suas trajetórias, que envolveram o enfrentamento à ditadura militar, num bate papo no auditório do sindicato com o público do Ciclo de Formação, durante o evento da noite desta quarta-feira, 14. (confira fotos)
Lembranças dolorosas marcam a vida de Nando, como a da prisão em agosto de 1970, onde passou quatro dias nos porões do DOI-CODI (órgão de repressão da ditadura militar) e a perseguição política sofrida pela sua família, que fez o irmão Edu ser deixado de fora da Copa, no final de 60 e Zico fora da convocação das Olimpíadas, em 1972.
O ato que o levou a ser fichado e torturado pela ditadura foi o de ter sido professor do Plano Nacional de Alfabetização (PNA), do pedagogo Paulo Freire. Ele conseguiu dar aula apenas um mês, aos 18 anos, até que foi dado o golpe de Estado de 1964 e o PNA ser considerado subversivo.
Primeiro jogador anistiado
Numa época em que nada podia ser contestado, ser subversivo era o que restava. Nando jogou no América, time dos irmãos Edu e Antunes, que já brilhavam em campo. Mas, sentiu a perseguição quando os clubes elogiavam seu futebol, mas o dispensavam.
“Desculpe, não posso dizer nada”, avisavam os presidentes dos clubes. Foi assim no Vitória, América e no Madureira, onde sacou tudo. A polícia política da ditadura não queria um professor do PNA em campo. Por sorte, Nando chegou no Ceará Sporting Club e de lá, seguiu para Portugal, aceitando um convite do Belenense.
Mas aos 22 anos, sozinho na Europa, sem contar com as tecnologias da comunicação atual, não foi fácil. “Naquela época, para conversar com a família no Brasil eu tinha que pedir a ligação de manhã para ver se à noite eu conseguia falar”.
Ainda mais depois do episódio que ocorreu após 15 dias em terras de Portugal. Nando conta que a PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado) bateu em sua porta e o ameaçou ser “exportado” para a guerra na África, já que seu pai era português. “A polícia daqui tinha avisado a polícia de lá. Por sorte, contei com a ajuda de uma esposa de um Belenense que me colocou no avião de volta pro Brasil”.
Mas sabia que ao chegar em seu país, poderia ser preso. Foi o que aconteceu, após a prisão de sua prima Cecília Coimbra, conhecida por ser responsável do Grupo Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro.
Nando preservou ao máximo a carreira dos irmãos Edu, Antunes e Zico. Só depois de 40 anos entrou com pedido de reparação por parte do Estado e conseguiu a anistia política.
Nando, ponta esquerda, ainda voltou para Portugal para jogar no Gil Vicente, mas com uma série de contusões encerrou a carreira.
No começo da década de 90 quando estava trabalhando na área de vendas de uma multinacional, foi reintegrado ao Ministério da Educação (MEC) e conseguiu a devida aposentaria.
Passe livre
Filho de ferroviário, Afonsinho afirma que sua visão de mundo brotou dentro da casa, com seu pai. Sempre soube que era preciso lutar para ser livre.
Cabelo comprido e barba, naquela época de ditadura civil-militar, não podia. Era também considerado subversivo. Não teve conversa. Manteve-se rebelde à La Che Guevara.
Jogou no XV de Jau, sua cidade natal, na condição de amador e seguiu para o Botafogo, ficou um ano até se profissionalizar. Mas quando teve problemas no clube ficou na geladeira, impedido de treinar.
Foi para o Olaria, onde acreditavam que ele seria enterrado de pé (mas o que queria dizer a ditadura era que fosse enterrado vivo). Afonsinho estudava medicina, participava das passeatas contra a ditadura e o que restava “era eu buscar meus direitos”.
Foi assim, com rebeldia e ação que conseguiu ser o primeiro jogador do mundo a conquistar o passe livre e mudou a relação dos clubes com os jogadores.
Médico, articulista da Carta Capital, Afonsinho ainda se diverte com o futebol no “Trem da Alegria – sub100”.
Boleiros
O público do evento encheu os ex-jogadores de perguntas. Eles foram respondendo uma a uma. A interferência política no futebol, a influência da televisão a cabo e a chegada dos empresários no futebol foram os principais temas.
Uma das perguntas foi do juiz relator do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB Sorocaba, Imar Rodrigues, que foi advogado do SMetal. Imar aproveitou para presentear os ex-jogadores com exemplares de seu livro “Forte e Vingador: a era de ouro do Atlético Mineiro (anos 70 e 80)”
“Há um descontrole do capitalismo no esporte”, diz Afonsinho. “Na nossa época, não havia transmissão ao vivo. Era videotape o jogo era passado depois de dois ou três dias. Com a entrada da TV a cabo, nos EUA, começaram a ter de inventar programação. Isso começou com Havelange na FIFA. Imitaram o que acontecia com o tênis. Era sobre-humano. Os atletas tinham tantas partidas que começaram a ter lesões”, explica Nando.
O ponta esquerda lembra também que quando jogava no Gil Vicente, em Portugal, levava bolas e chuteiras da Drible, “porque a Adidas ainda tava começando”.
Na visão dos palestrantes, a era dos empresários reinando por cima dos clubes começou com Havelange. “Na minha época no Madureira, meu salário era igual ao dos meus irmãos Edu e Antunes, que jogavam no Botafogo. Hoje, tudo fica na mão dos empresários”, compara Nando.
Por volta das 22h, o evento tinha que ser encerrado. Houve sessão de autógrafos com Nando. Pois o advogado e escritor e também livreiro Antonio Pedroso – que formalizou os convites do SMetal para a vinda dos palestrantes – disponibilizou algumas obras à venda, como “Clube dos Vitalícios”, de Nando e “Futebol e Ditadura”, do Centro Cultural Ceará Sporting Club.
Acompanhe a programação do Ciclo de Formação SMetal pelo portal www.smetal.org.br. A próxima atividade acontece no próximo dia 26, às 19h, com Fernando Morais.