Na última semana, o preço do dólar variou para cima pela sexta vez consecutiva, chegando a R$5,66 e levantou questionamentos sobre a política monetária brasileira. O episódio coincide com a manutenção da taxa básica de juros, a Selic, em 10,5%.
A taxa de câmbio desvalorizou cerca de 17,88% nos últimos 12 meses e tem apresentando uma alta variação desde o início do ano, grande parte devido às especulações de contratos futuros de proteção cambial, conhecidos como hedge cambial. Esses contratos funcionam como um seguro contra variações no preço de uma moeda estrangeira, geralmente do dólar, estabelecendo um valor fixo para a essa moeda em reais, garantindo que os custos e as receitas sejam previsíveis para os produtores.
O economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Felipe Duarte, explica que devido à alta do dólar, o preço do que é importado fica mais caro.
“O câmbio funciona como se fosse um interruptor da competitividade internacional das economias. Toda vez que o real se desvaloriza em relação ao dólar, fica mais caro importar, porque o nosso dinheiro passa a ter um menor poder de compra internacional. E se temos maior dificuldade para importar bens que não produzimos internamente, os preços destes bens tendem a subir, gerando, desta forma, inflação. Por exemplo, a mesma quantidade de reais que antes compravam um celular pode passar a não pagar nem mesmo ‘meio celular’. Contudo, ao mesmo tempo, nossas exportações ficam mais baratas para o resto do mundo, portanto, relativamente mais competitivas”, afirma Felipe.
Diversos itens que dependem da importação de produtos ficam mais caro. Outro exemplo, que impacta a vida cotidiana do trabalhador, é o preço do pão, que varia de acordo com o preço da farinha, que vem de fora do Brasil.
Diversas políticas de impulsionamento da economia aplicadas pelo Governo federal tem se desdobrado, por um lado, em crescimento e, por outro, em pressão por parte do mercado financeiro, para que o Governo Federal realize contenção de despesas, conhecido como ajuste fiscal, e faça valer a qualquer custo o ‘arcabouço fiscal’ e a geração de superávits fiscais, mesmo que isso signifique cortar investimentos, acabar com a política de valorização do salário mínimo ou resulte em cortes em áreas como saúde e educação, que possuem despesas orçamentárias obrigatórias previstas pela constituição.
Políticas como a PEC da transição, que assegurou o pagamento de benefícios sociais ao longo de 2023; o pagamento de precatórios; o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e a política de valorização do poder de compra do salário mínimo, são algumas das iniciativas que geram conflito com o mercado financeiro.
De acordo com o economista do Dieese, “o próprio Banco Central, na ata do Copom, afirma que o Brasil está crescendo de forma sustentável”. Porém, a avaliação não impediu que a instituição mantivesse a taxa básica de juros, a Selic, em um dos maiores patamares do mundo.
O Banco Central e a Porta giratória
A análise do economista indica que há um profundo conflito de interesses entre aqueles que vivem de rendas e lucro e aqueles que vivem do trabalho. “Não podemos esquecer que o Banco Central é uma instituição pública, cuja finalidade é, ou deveria ser, a defesa do interesse público e da economia popular”, afirma.
O Banco Central é uma instituição de Estado, que administra o poder de compra da moeda brasileira, o Real, e tem o poder de destruir ou promover negócios e setores, trabalhos e vidas. Para o economista, teoricamente, o mercado financeiro é fundamental na economia capitalista, sendo o principal responsável por distribuir riscos e viabilizar crédito no volume e custo necessários para permitir grandes investimentos na economia.
Mas, ao mesmo tempo, questiona: “O mercado financeiro brasileiro tem exercido o seu papel econômico e social ou tem sido disfuncional para a economia e a sociedade brasileiras? Será que ele tem buscado cumprir seu papel econômico ou está mais interessado em adquirir meios de comunicação de massa para disseminar sua visão de mundo e, dessa forma, defender seus interesses acima de tudo?”.
Felipe relembra a “Ponte Para o Futuro”, programa de governo de Michel Temer implementado após o golpe de 2016. “Atravessamos a ‘ponte’ e, do lado de cá, o Banco Central é independente. Independente da nossa restrita democracia eleitoral, mas não dos interesses de segmentos do mercado financeiro, como demonstra a ‘porta giratória’ do Banco Central”.
Para explicar a relação entre os diretores de Bancos Centrais com o mercado financeiro, o que é visto no mundo inteiro há décadas, Felipe utiliza a imagem de uma porta giratória: os agentes financeiros saem do mercado para dirigir o BC e, depois, voltam para o mercado financeiro.
“Podemos e devemos discutir os problemas éticos e os conflitos de interesse entre o público e o privado que isso envolve. Além disso, podemos nos perguntar: por que a esmagadora maioria dos diretores e presidentes vem do mercado financeiro que, não por acaso, é um dos principais interessados e mais imediatamente afetados pela condução da política monetária? Afinal, conduzir a política monetária de um país não é pouca coisa, é determinar a vida de milhões de pessoas que vivem sob essa política”, analisa Felipe.
Para Duarte, a economia não é uma espécie de física social, onde os fenômenos são dados da realidade, como o é a passagem do tempo e a gravidade. “Na verdade, embora sofra com a influência de fenômenos naturais, a maioria dos fenômenos econômicos são abstrações criadas pelo ser humano para regular a vida em sociedade. Portanto, são construções históricas e sociais que podem ser politicamente modificadas”, completa.