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Crise de identidade

Foi um acordo para não mexer nos grandes interesses econômicos e políticos e, com isso, conquistar o voto de confiança dos grandes banqueiros, do capital internacional e dos grandes empresários nacionais

Jornal Cruzeiro do Sul

O Partido dos Trabalhadores, que no último dia 10 de fevereiro completou 35 anos, passa por uma séria crise de identidade e é alvo de críticas de muitos de seus próprios militantes, o chamado “fogo amigo”. No último sábado, Emir Sader, sociólogo e cientista político de renome internacional, professor aposentado da USP e considerado um dos teóricos do partido, esteve em Sorocaba. Sader é filiado desde 1983 e acredita no partido. Ele fez sua palestra no Sindicado dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região, reunindo militantes e sindicalistas. Em entrevista concedida a este jornal, entretanto, o sociólogo criticou a política de alianças adotada pelo PT para chegar ao poder, o que, segundo ele, acabou neutralizando sua função e identidade. Sader, que vê no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a única liderança capaz de despertar o que chama de consciência social da população, diz que o PT não soube se renovar, colocar novos objetivos. O mais grave, segundo ele, é o partido ter permitido que se fizessem irregularidades com recursos públicos.

Assim como Emir Sader, o ex-deputado Djalma Bom continua fiel a Lula e ao partido, mas não perdeu o espírito crítico. O ex-sindicalista, braço direito de Lula nas históricas greves de 1979 e 1980 no ABC paulista e um dos fundadores do partido, afirmou na semana passada, em entrevista concedida ao jornal O Estado de São Paulo, que o partido se transformou em uma máquina eleitoral. O ex-sindicalista diz que a deformação começou na Carta ao Povo Brasileiro, de 2002, um documento divulgado antes das eleições presidenciais. Djalma Bom diz que o documento foi feito para que Lula pudesse ganhar a eleição. Foi um acordo para não mexer nos grandes interesses econômicos e políticos e, com isso, conquistar o voto de confiança dos grandes banqueiros, do capital internacional e dos grandes empresários nacionais. “Aí o Lula, pela sua liderança, carisma e talento de grande negociador, de pessoa inteligente e sensível, conseguiu a façanha surpreendente de ser o pai dos pobres e mãe dos ricos nos oito anos de seu governo”, afirmou o ex-sindicalista.

Aos poucos, o PT foi conquistando espaço político e vencendo eleições. Nas eleições gerais de 1982, o PT ganhou as primeiras cadeiras na Câmara Federal, Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores.

Várias de suas estrelas, entretanto, foram abandonando o barco, ressentidas com os rumos da agremiação. Em 1985, conquistou a primeira prefeitura de uma capital, ao eleger Maria Luíza Fontenele prefeita de Fortaleza e, em 1988, elegeu Luíza Erundina prefeita de São Paulo. Coincidentemente, ambas deixaram o partido e não poupam críticas aos ex-companheiros. Fontenele foi expulsa do PT e filiou-se primeiro ao PSB e mais tarde ao PSTU, enquanto Erundina é deputada e um dos nomes mais importantes do PSB.

No final de abril, Marta Suplicy, que foi deputada federal, prefeita de São Paulo, duas vezes ministra e hoje tem um mandato de senadora por São Paulo, também deixou o partido e saiu atirando. Acusa a sigla de se afastar dos seus princípios ao se envolver em corrupção, de trair seus eleitores e renegar seu programa partidário. Ao sair, Marta juntou-se a nomes como das ex-senadoras Heloísa Helena, Marina Silva e do ex-ministro, ex-governador e senador Cristovam Buarque, que tiveram relevância na organização do partido e hoje estão na oposição. É importante lembrar que o envolvimento de políticos de projeção nos escândalos do mensalão e petrolão causam um desgaste ininterrupto ao partido.

Um sintoma de que as coisas não vão bem é um texto publicado pelo jornalista Ricardo Kotscho, um dos mais premiados e respeitados do País e que foi secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência no primeiro governo Lula. Após assistir ao comício de 1º de Maio em São Paulo, onde o ex-presidente falou para um número reduzido de pessoas e sem ter figurões do partido ao seu lado no palanque, Kotscho escreveu: “O que aconteceu? Como seu velho amigo e parceiro de tantas campanhas políticas, percorrendo várias vezes este nosso imenso país de ponta a ponta, também estou em busca de uma resposta.”

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