Após oito meses de tramitação, com manobras, adiamentos, renúncias e trocas de relatores, o Conselho de Ética da Câmara recomendou a cassação do presidente afastado da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), em votação realizada nesta terça-feira 14.
Por 11 votos a 9, o colegiado acolheu o relatório de Marcos Rogério (DEM-RO) e decidiu que Cunha, réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por corrupção, deve ter seu mandato cassado por conta da acusação de mentir à CPI da Petrobras a respeito de contas não declaradas na Suíça. O caso segue para o plenário da Câmara, mas Cunha deve recorrer à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa.
O voto decisivo foi o da deputada Tia Eron (PRB-BA), que ainda não havia declarado sua posição. Nesta terça, ao contrário do que fez na sessão de 7 de junho, quando passou o dia trancada em gabinetes para fugir da imprensa, Tia Eron acompanhou a reunião do conselho desde o início. Ironizou os colegas que a criticaram e disse que não foi “abduzida”.
No momento da votação, Eron rebateu acusações de que seu voto seria moeda de troca nas negociações entre o PRB e o Palácio do Planalto. “No PRB não se troca votos por cargos. Nossa política é diferente”, disse Tia Eron. O voto contra Cunha provocou celebrações dos adversários de Cunha. “Ainda há homens e mulheres de brio, que não se rendem à ameaça”, disse Julio Delgado (PSB-MG).
Eron chegou ao Conselho de Ética em abril, no lugar de Fausto Pinato (PRB), que foi relator do processo contra Cunha, mas acabou removido do cargo em dezembro de 2015 por uma decisão da Mesa Diretora da Câmara, subordinada a Cunha. À época, Pinato disse ter sido ameaçado e ter pedido escolta policial e carro blindado para circular por Brasília.
Em abril, Pinato, após deixar o PRB rumo ao PP, devolveu a vaga no Conselho de Ética ao partido, que decidiu nomear Tia Eron para seu lugar.
Com o fim dos recursos por parte da defesa de Cunha e com a aproximação da votação no colegiado, Eron passou a ser muito pressionada e adversários de Cunha alertaram para a possibilidade de o governo do interino Michel Temer (PMDB) estaria atuando em favor de Cunha.
Na semana de 6 de junho, antes da reunião do Conselho de Ética, Temer e os ministros Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo) e Eliseu Padilha (Casa Civil) receberam líderes e a cúpula do PRB para encontros privados. O governo negou todas as acusações e Temer afirmou que o caso de Cunha era um assunto “da Câmara e da Justiça”.
O voto de Tia Eron, apontado antes da votação como pró-Cunha, surpreendeu a chamada “tropa de choque” do deputado peemedebista. Mais que Eron, entretanto, provocou surpresa o voto de Wladimir Costa (SD-PA). Ferrenho defensor de Cunha, Costa virou a casaca na hora da votação e recomendou a cassação do presidente afastado da Câmara.
Ao proferir seu voto, Laerte Bessa (PR-DF), um dos principais aliados de Cunha, atacou o colega do Solidariedade. “Eu não vou me acovardar igual ao Wlad”, disse. Quanto a Cunha, não se sabe qual a real força do deputado. Segundo seus interlocutores, uma vitória no plenário da Câmara é improvável.
Histórico
O pedido para a cassação de Eduardo Cunha por quebra de decoro parlamentar foi protocolado pelo PSOL e pela Rede no dia 13 de outubro de 2015. Foi o processo mais longo processo contra um deputado no Conselho de Ética.
Em sua defesa, o peemedebista utiliza a figura jurídica do truste para justificar a administração de bens no exterior. “Eu não escondi de ninguém a existência do truste. Não escondi quando foi perguntado o que que significava o truste. Efetivamente existia o truste, ao qual o patrimônio não me pertence”, disse Cunha em sessão do dia 20 de maio.
O advogado do parlamentar, Marcelo Nobre, afirma que truste não é conta bancária e que, por isso, Cunha não mentiu na CPI da Petrobras. “Truste não é propriedade. Não se pode considerar um truste como um bem seu”, afirmou.
Antes da votação desta terça-feira 14, o presidente do conselho, José Carlos Araújo (PSD-BA), anunciou o recebimento de um documento do Banco Central informando que a instituição decidiu multar Eduardo Cunha em 1 milhão reais e sua mulher, Cláudia Cruz, em 130 mil reais. Eles foram multados por não terem declarado contas mantidas em outros países.
Como votaram os deputados
SIM (a favor do relatório, contra Cunha)
Paulo Azi (DEM-BA)
Tia Eron (PRB-BA)
Wladimir Costa (SD-PA)
Leo de Brito (PT-AC)
Valmir Prascidelli (PT-SP)
Zé Geraldo (PT-PA)
Betinho Gomes (PSDB-PE)
Júlio Delgado (PSB-MG)
Nelson Marchezan Junior (PSDB-RS)
Sandro Alex (PSD-PR)
Marcos Rogério (DEM-RO)
NÃO (contra o relatório, a favor de Cunha)
Alberto Filho (PMDB-MA)
André Fufuca (PP-MA)
Mauro Lopes (PMDB-MG)
Nelson Meurer (PP-PR)
Sérgio Moraes (PTB-RS)
Washington Reis (PMDB-RJ)
João Carlos Bacelar (PR-BA)
Laerte Bessa (PR-DF)
Wellington Roberto (PR-PB)