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Como retroceder 30 anos em 7 dias

Em artigo, o coordenador do MTST, Guilherme Boulos, fala sobre a primeira semana de Michel Temer como presidente interino do Brasil, que tem colocado em xeque as conquistas sociais de quase 30 anos

Guilherme Boulos (Coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST))

Deus deve estar perplexo. Ele, que criou o universo em sete dias, jamais imaginou que um simples mortal pudesse em tão pouco tempo destruir um país. A primeira semana de Michel Temer como presidente interino -e ilegítimo- do Brasil colocou em xeque as conquistas sociais de quase 30 anos, desde a Constituição de 88.

Bem que Roberto Brant avisou. O ex-ministro de Fernando Henrique e autor do programa econômico de Temer disse numa entrevista, ainda em 18 de abril: “A proposta não foi feita para enfrentar o voto popular. Com um programa desses não se vai para uma eleição. (…) Vai ser preciso agir muito rápido. E sem mandato da sociedade. Vai ter de ser meio na marra”.

Houve quem não acreditasse que estavam falando sério. Aí está. Em poucos dias apresentaram a ponte para um Brasil arcaico, elitista e autoritário. Diante da falência da Nova República, ofereceram o retorno à República Velha, pré-varguista.

A Constituição e a limitada rede de proteção social do Estado brasileiro passaram a ser apresentadas como um entrave pelo time que usurpou o Palácio do Planalto.

O ministro interino da Saúde foi logo dizendo que é preciso reduzir o SUS e aumentar a rede de planos privados. Disse ainda que não é papel do Estado fiscalizar os planos e seus abusos (de quem seria então, da Unimed?). Ele, vale dizer, financiado em sua campanha por operadoras desses mesmos planos. Terminou o raciocínio propondo a Grécia -onde 40% da população não tem acesso ao sistema público de saúde- como modelo a ser seguido.

Na Educação não ficaram atrás. Nomearam como ministro um cidadão que foi contra as cotas, o ProUni e a destinação de recursos do pré-sal para a área. Em sua primeira declaração foi além e defendeu a cobrança de mensalidades em cursos nas universidades públicas.

No caso da moradia, a intenção já converteu-se em gesto e fez do Minha Casa Minha Vida a primeira vítima da tese cretina de que “a Constituição não cabe no PIB”. Logo ele, programa que seria “mantido e ampliado”. O ministro interino das Cidades mandou suspender a contratação de 11 mil casas populares. Isso em apenas sete dias. Mas não limitaram-se às medidas econômicas. A regressão soprou seus ventos contra conquistas civilizatórias que nada tem a ver com o orçamento.

Pela primeira vez deste o general Geisel não há mulheres no comando de ministérios. Até com Figueiredo. Até com Sarney. A foto de Michel Temer com seu ministério lembra os governos mais aristocráticos da Primeira República. Poderia ser o retrato da equipe de Prudente de Moraes ou de Campos Sales.

Extinguiu o Ministério da Cultura. Assim como o do Desenvolvimento Agrário. Subordinou as secretarias nacionais de Direitos Humanos, Mulheres e Igualdade Racial ao Ministério da Justiça, sob o comando do brucutu Alexandre de Moraes. Atacou a autonomia ao EBC, apontando para o desmonte da comunicação pública no país.

Nem o garçom do Planalto escapou da fúria hidrofóbica. José Catalão, que servia no Palácio há oito anos, foi demitido sob a “acusação” de ser petista.

A política é de terra arrasada. Tinha razão Roberto Brant ao dizer que medidas como essas não foram feitas para enfrentar o voto popular. O programa de Temer jamais seria vitorioso nas urnas. Exatamente por isso precisou de um golpe como atalho. Não é a Constituição que não cabe no PIB. É vosso projeto que não cabe na democracia.

E quando essa equação não fecha, quando a institucionalidade entra em conflito flagrante com os anseios populares, as ruas tomam a frente. Já começou, com os artistas, os sem-teto e as mulheres. Vai aumentar.

Sequestram-nos os votos, mas não a voz. Nem a capacidade de lutar.

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