A criação de um grupo de trabalho para investigar os crimes cometidos contra trabalhadores e sindicalistas durante a ditadura militar no Brasil será acertada na próxima semana em uma reunião entre integrantes da Comissão Nacional da Verdade (CNV) e dirigentes nacionais da CUT.
Indicado pela presidenta Dilma Rousseff para acompanhar a criação do GT, que poderá ficar responsável pela elaboração de um capítulo específico sobre os trabalhadores no relatório final da CNV, o ministro do Trabalho, Brizola Neto, também participará da reunião, ainda sem dia confirmado, que acontecerá em Brasília.
“Vamos incluir um capítulo específico sobre os trabalhadores para que seja resgatada toda a história dos dirigentes sindicais urbanos e rurais que foram assassinados, os desaparecidos e os sindicatos invadidos pelo golpe e, em seguida, perseguidos pelo regime militar”, diz o secretário de Políticas Sociais da CUT, Expedito Solaney. Em Genebra para uma reunião da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o sindicalista diz que, assim que retornar ao Brasil na próxima quarta-feira (20) agendará uma reunião com a advogada e professora Rosa Maria Cardoso da Cunha, integrante da CNV, para tratar do tema. “A presidenta Dilma escalou o ministro do Trabalho para que seja o interlocutor nessa reunião”, revela.
A iniciativa da CUT foi revelada à Dilma durante uma reunião realizada no Palácio do Planalto com dirigentes da central sindical pouco antes do carnaval. O apoio da presidenta é total, diz Solaney. “A reação da presidenta foi de quem sofreu o peso da ditadura, reflete a visão de quem foi torturada. Ela disse que quem resistiu ao regime, quem combateu o regime – independentemente de ser intelectual, preto, branco, trabalhador, estudante – sofreu a barbárie do regime. Então, são vários os capítulos abertos para serem estudados. A presidenta quer debater, ela é suscetível ao assunto.”
A CUT se proporá a colaborar com os trabalhos da CNV, procurando familiares e colhendo depoimentos. “Já estamos, desde o último congresso da CUT, com um trabalho desenvolvido junto aos nossos sindicatos de base. O congresso discutiu e já naquela ocasião apresentamos nomes à Comissão Nacional da Verdade. Vamos agora aprofundar, pegar os casos mais emblemáticos e contribuir”, diz Solaney.
O dirigente ressalta o interesse da central em esclarecer os fatos ocorridos durante o período de exceção. “A CUT nasceu combatendo o regime. A CUT tem história e tem dirigentes que sofreram perseguição, foram cassados, torturados e mortos. Nós temos muito com o que contribuir, e vamos fazer isso.”
Em julho do ano passado, a CUT entregou à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH) três listas: a primeira com nomes de 82 trabalhadores rurais mortos ou desaparecidos e não incluídos até aqui nos direitos da justiça de transição. A segunda com quatro nomes de sindicalistas mortos ou desaparecidos cujos processos não foram apreciados ou foram arquivados, e a terceira com 23 nomes de sindicalistas mortos ou desaparecidos, reconhecidos pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos.
Os trabalhadores do campo também deverão ser alvo das investigações da CNV. Um estudo divulgado pela SDH em setembro do ano passado revela que pelo menos 1.196 camponeses e apoiadores foram mortos ou desaparecidos do período pré-ditadura ao final da transição democrática (1961-1988). Apenas os familiares de 51 dessas vítimas, no entanto, requereram reparações à Comissão de Anistia. Deste grupo, somente os familiares de 29 tiveram seus direitos reconhecidos.
Metodologia
Por intermédio de sua assessoria de imprensa, a CNV informa que ainda não foi procurada oficialmente pela CUT ou pelo governo para tratar da inclusão de um capítulo específico sobre trabalhadores e sindicalistas em seu relatório final. O assunto deverá ser tratado pela primeira vez no âmbito da Comissão na reunião que será realizada na próxima segunda-feira (18).
Para abrir um novo grupo de trabalho, a CNV pode ser provocada por um grupo social ou mesmo um indivíduo. Foi o que aconteceu com o GT específico sobre as Igrejas, criado a partir do depoimento do Anivaldo Padilha, que procurou espontaneamente a Comissão. Outros temas podem surgir de demandas da sociedade civil ou até mesmo da assessoria da CNV, caso do GT de Gênero, criado para apurar a violência sexual durante o período da repressão.
Se o novo GT for mesmo criado, haverá um anúncio oficial no site da CNV na internet. Além disso, os membros da Comissão precisarão formalizar a nomeação do coordenador de pesquisa do GT e definir se será preciso chamar colaboradores. Segundo a assessoria da Comissão, existe ainda a possibilidade de a questão ser abordada no já existente GT sobre Estrutura da Repressão, que já havia se debruçado sobre alguns casos de perseguição em sindicatos e monitoramento de trabalhadores nas multinacionais por organismos dos serviços de informação da ditadura.