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Política

Com sociedade dividida, Venezuela vive rescaldo de conspiração golpista

Sindicalistas, defensores de direitos humanos e estudiosos defendem que plano foi mais uma tentativa da oposição para criar um clima de caos no país e assim justificar uma mudança de governo

Sarah Fernandes/Rede Brasil Atual
MIRAFLORES/EFE/EPA

Maduro participou no sábado de protesto em Caracas contra participação dos EUA em assuntos internos da Venezuela

Com a sociedade claramente dividida, a Venezuela vive hoje os rescaldos da última tentativa de enfraquecer o governo do presidente Nicolás Maduro, desmontada quando o serviço de inteligência do país descobriu uma ação secreta da aeronáutica venezuelana que pretendia bombardear o Palácio de Miraflores, sede do governo presidencial, em Caracas, e a emissora estatal de televisão Telesur, em 12 de fevereiro.

Sindicalistas venezuelanos, defensores de direitos humanos do país e estudiosos defendem que o plano foi mais uma ação da direita radical para criar um clima de caos no país e assim justificar a tão desejada mudança de governo, pretendida desde a eleição de Hugo Chaves, em 1999. Apesar do entendimento que o momento crítico foi superado, os especialistas acreditam que investidas da oposição continuarão e que Maduro encontrará dificuldades para governar já que representantes menos radicais da direita também participaram do episódio.

“Não se trata de um golpe de estado clássico, em que militares se insubordinam e tomam o poder. Não há esse risco agora. O que ocorre são diferentes tipos de ações, algumas legais e outras ilegais, para criar uma sensação de caos e produzir uma mudança de governo. É o que fazem setores econômicos que estão causando um desabastecimento programado de produtos de necessidade básica. É uma estratégia golpista que não terminou, é permanente, de dimensão econômica e militar”, avalia o porta-voz da Rede Alternativa de Direitos Humanos da Venezuela, Antonio Gonzalez.

Ele defende que o bombardeio aéreo planejado ao Palácio de Miraflores não era por si uma tentativa de golpe de Estado, mas sim “mais uma tentativa de assassinar o presidente Nicolás Maduro, uma figura clássica do chavismo. “Era mais uma ação pontual que produziria uma crise para levar a uma mudança de governo”, diz. “Outro ataque violento como esse é extremamente possível. O governo faz o trabalho de inteligência para tentar evitá-lo. Pelos resultados parece que ele funciona.”

De acordo com as investigações do governo venezuelano, o atentado começaria com a divulgação de um vídeo do general das Forças Armadas do país e posteriormente seria publicado um manifesto sobre a implementação de um governo de transição em um jornal de circulação nacional, em que se defendia a substituição de autoridades e convocava o país para novas eleições às pressas. O ataque seria realizado por uma aeronave norte-americana, de uma empresa privada, que mantém relações estreitas com o exército dos Estados Unidos. Este mesmo avião já foi usado em missões no Afeganistão e na Líbia.

“Só neste ano, o governo dos Estados Unidos aprovou uma verba de US$ 5,5 milhões para financiar ações ditas de defesa da democracia na Venezuela. Existe uma quantidade enorme de iniciativas que partem dos EUA e de empresas americanas para financiar os opositores da Venezuela, desde organizações não governamentais que atuam pacificamente organizando focos de oposição até grupos violentos”, afirma o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC Igor Fuser.

Partido de oposição

O prefeito de Caracas, o opositor Antonio Ledezma, foi detido no último dia 19 pelo Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin), acusado de ter participação no ataque. Ledezma, que é conhecido por ser um dos principais opositores à administração de Nicolás Maduro, nega as acusações. Um dia depois da prisão, Maduro afirmou, em discurso em rede nacional, que atuará com “punho de ferro” contra “conspiradores” e disse que não permitirá que os políticos venezuelanos façam “jogo duplo” ao concorrer a eleições dizendo que “acatam a disputa política pela via democrática” sendo que, por outro lado, “participam de planos de desestabilização”.

Na última quarta-feira, dia 25, o governo venezuelano divulgou imagens que mostrariam a relação do Copei, partido de oposição, com o suposto plano golpista para derrubar o presidente Nicolás Maduro. Outro áudio exibido pela TV estatal mostra um militar retirado também detalhando como seria o ataque a Caracas. O presidente do Copei, Antonio Eccari, negou as acusações na quinta-feira.

O áudio com uma suposta conversa entre Ecarri e o secretário-geral do Copei, Rogelio Díaz, foi apresentado pelo presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello. Nele, um dirigente e correligionários do partido afirmam que um golpe de Estado é o caminho para uma mudança radical na Venezuela e reconhecem que o chamado “Acordo para a Transição” era um chamado ao golpe.

No último sábado, dia 28, defensores do governo fizeram um protesto em Caracas para rechaçar a participação do governo norte-americano em assuntos internos da Venezuela e em defesa da soberania nacional.

De igual para igual

Maduro anunciou ainda no sábado, sem dar detalhes, que foram detidos nos últimos dias “alguns” americanos que estariam envolvidos nesses planos golpistas, entre eles um piloto de aviação cuja identidade não foi revelada.

Também anunciou que a embaixada dos Estados Unidos em Caracas deverá reduzir o número de seus diplomatas e que estes deverão contar com autorização expressa do Ministério das Relações Exteriores da Venezuela para poder realizar qualquer reunião no país.

Maduro também determinou a exigência de visto para americanos entrarem na Venezuela e que paguem o mesmo valor exigido pelos EUA para a concessão do visto, e ainda proibiu que os consulados venezuelanos concedam vistos a funcionários e antigas autoridades listadas que chamou de “terroristas”.

Entre eles nomeou expressamente o ex-presidente americano George W. Bush e seu vice-presidente, Dick Cheney.

Também faz parte da lista o ex-chefe da CIA George John Tenet e os congressistas “ultradireitistas” Bob Meléndez, Marco Rubio, Ileana Ros-Lehtinen e Mario Díaz Balart, segundo detalhou Maduro.

Ele argumentou que se viu “obrigado a atuar assim pensando em como defender seu país sem afetar o povo americano”, que não sabe que o governo de Washington tem “crianças de origem latina presas em milhares em campos de concentração” e persegue “diariamente” os afrodescendentes.

“O plano dos conspiradores era gerar um estado de caos social, de mobilização popular e de mortes. Há membros da oposição que rechaçam essas ações e condenam toda a barbaridade. Já foram queimados um caminhão com gasolina e outro com remédios. A população rechaçou essas ações, porque sabe que isso é feito por um grupo muito pequeno, de no máximo 15 pessoas, que vai para a rua criar um clima de que a Venezuela está desmanchando, mas isso não é verdade. O país está calmo: as pessoas estão trabalhando e tocando suas vidas normalmente”, afirma o coordenador internacional da Central Socialista Bolivariana de Trabalhadores (CSBT), Jacobo Torres.

Torres e Gonzalez concordam que a sociedade venezuelana está dividida: entre a classe média e alta há uma expectativa política permanente de alcançar o objetivo de retirar Maduro do poder; nas zonas rurais a crise é sentida mais pela agenda econômica do que política. Já os setores populares estão mais preocupados com sua sobrevivência e com a dinâmica para conseguir produtos de necessidade básica que ainda não se normalizou no país. Investigações do governo apontam que as redes de comércio retiraram de circulação os produtos alimentícios e de higiene para reforçar o clima de caos no país e fortalecer a defesa de uma mudança de governo.

“A tentativa deste atentado é muito crítica, porque Maduro perdeu possibilidade de interlocução democrática com setores divergentes do chavismo. Políticos participaram da ação. A oposição, que poderia ser inteligente e aproveitar o espaço que o país dá para expressões políticas diferentes, parece abandonar o caminho democrático”, critica o coordenador político da Confederação Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras das Américas, Iván González. “A opção da direita mais radical é pelo conflito na rua, que pode aumentar nos próximos dias. Eles estão chamando o povo para a rua, mas ainda não conseguiram. Há um setor também se radicalizando do lado do chavismo, reivindicando que o governo adote medidas urgentes para conter a situação. O fato é que Maduro tem uma situação muito delicada nas mãos e terá que controlá-la.”

Chavismo x elite

A elite venezuelana colocou-se claramente contra o governo desde a eleição de Hugo Chaves, presidente que retirou a exploração do petróleo produzido do país das mãos de empresas norte-americanas, nacionalizou o recurso natural e distribuiu os lucros para a robusta rede de programas sociais criada por ele, retirando assim milhões de pessoas da pobreza.

“A exploração do petróleo sempre gerou uma riqueza muito grande, mas ela ia parar em mãos de uma pequena minoria da sociedade venezuelana, que passou a desfrutar de padrões de vida altíssimos, maior que o equivalente em outros países da América Latina. Além disso, grandes empresas petroleiras dos EUA perderam muito. Chaves mudou as regras do jogo e isso feriu muito fortemente interesse de um setor da economia”, explica o professor Igor Fuser.

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