O governo Michel Temer é considerado ruim ou péssimo para 82% da população, segundo pesquisa Datafolha publicada, neste domingo (10), pela Folha de S.Paulo.
Apesar de vistoso, o número surpreende apenas aqueles que estavam presos em cavernas e passaram dois anos sem contato tanto com a luz do sol quanto com a realidade do país. Esse naco da população certamente não viu que a geração de postos de trabalho segue derrapando e que somamos 13,4 milhões de desempregados (uma taxa de 12,9%) no trimestre encerrado em abril, segundo o IBGE.
Muito menos que temos cerca de 4,6 milhões de pessoas que desistiram de procurar emprego no primeiro trimestre deste ano por desalento. Os desempregados e os desalentados somados às pessoas que gostariam de trabalhar ultrapassam 27 milhões. O Datafolha também apontou que 3% considera seu governo ótimo ou bom.
Essa porcentagem inclui, muito provavelmente, os grupos políticos e econômicos que lucram com ele no Palácio do Planalto. E o já citado pessoal que estava preso na caverna. De abril até agora, a reprovação a Temer cresceu 12 pontos tendo a greve dos caminhoneiros como razão principal.
Nela, o governo teve a chance de demonstrar toda sua incompetência para antecipar o problema (apesar dos avisos) e negociar uma solução.
Ao mesmo tempo, mostrou como é refém do mercado, negando-se a agir junto à Petrobras por uma mudança na política de formação de preços, preferindo jogar a conta novamente sobre a população através de cortes de gastos.
O país parou. E, como efeito colateral, ainda tivemos que aguentar os pirados enrolados em bandeiras que se aproveitaram do sentimento de vácuo de poder para defender um golpe militar.
Temer recordista
Essa é a maior reprovação de um presidente já registrada pelo Datafolha. E Temer se esforçou para conquistar o recorde: além dos números pífios na geração de empregos, ele foi o primeiro presidente denunciado criminalmente ainda no cargo pela Procuradoria-Geral da República. E, depois, foi o primeiro presidente denunciado uma segunda vez.
Qual a motivação para um cidadão comum, que rala o dia inteiro e não tenta levar vantagem sobre o vizinho, quando vê o presidente da República e sua cúpula envolvidos em tanta porcaria e nada acontecendo com eles?
Vendo alguém com 3% de aprovação, que foi denunciado formalmente por corrupção passiva, organização criminosa e obstrução de Justiça, determinado o seu futuro? O custo da manutenção de um mandatário com 3% de aprovação, que compra votos a céu aberto e rifa parte do Estado a grupos de interesses, através de perdões de dívidas bilionárias ou mudança de regras e leis – está levando a confiança das instituições ao nada.
Até as Forças Armadas caíram, segundo o Datafolha: a porcentagem de entrevistados que declarava confiar muito nelas passou de 43% (em abril) para 37% hoje.
Em seu pior momento, em agosto de 2015, Dilma Rousseff contava com um índice de reprovação de 71%. Já Fernando Collor, ostentava 68%, em maio de 1992, também números do Datafolha trazidos pela matéria de Bruno Boghossian (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/06/reprovacao-aumenta-e-torna-temer-opresidente-mais-impopular-da-historia.shtml).
Ou seja, por muito menos, ambos sofreram impeachment. O fato de ser final de governo não basta para explicar a sua manutenção.
Afinal, ele conta com taxas de reprovação alta, na casa dos 70%, por um longo tempo. O governo federal comemora que as ruas não estejam coalhadas de gente pedindo a cabeça de Temer, tal qual ocorreu com os dois.
De forma cínica, seus apoiadores afirmam que isso é uma prova de que a população entende que ele tem agido corretamente para tirar o país da crise e confia em sua honestidade.
Como já disse neste espaço, o silêncio na rua, quebrado aqui e ali por manifestações pontuais, não significa que a insatisfação não esteja no ar. Pelo contrário, ela é tão forte, mas se manifesta de forma silenciosa.
Desalento generalizado
Quem apoiou a saída de Dilma, seja por conta das denúncias de corrupção em seu governo ou pelo desgosto com a grave situação econômica que ele ajudou a construir, agora sente tristeza ao perceber que saiu da frigideira para cair direto no fogo. Algumas pessoas sentem-se usadas, inclusive.
Talvez haja felicidade entre quem professa o antipetismo pelo antipetismo, mas não trata de patologias. Quem não apoiou o impeachment e protestou contra sente impotência diante da profusão de denúncias de corrupção decorrentes do fisiologismo a céu aberto do atual governo e de sua relação incestuosa com o Congresso Nacional. E também impotente com a aprovação de uma agenda de desmonte da proteção social, trabalhista e ambiental, que não foi chancelada pela população através de eleições.
Quem não foi às ruas nem para apoiar a queda de Dilma, nem para defendê-la, grupo que representa a maioria da população, e assistiu bestializado pela TV ao impeachment, segue onde sempre esteve: sentindo que o país não lhe pertence. E amargando uma alta taxa de desemprego, sem perspectivas de melhora na situação.
Entende que as coisas vão piorando e, quando bandidos não retiram o pouco que ele tem, o Estado faz isso. Seja mudando regras para dificultar a libertação de pessoas escravizadas para beneficiar ruralistas e empresas da construção civil, seja violentando-o nas periferias de todo o país.
Repito o que já disse aqui: a falta de gente nas ruas é um sinal que diz mais sobre o sentimento geral do país do que sobre a capacidade de engajamento de forças contrárias ao atual governo.
Mesmo que contasse com o apoio do poder econômico, que financiou e divulgou manifestações pró-impeachment, a rua não atrairia tanta gente agora. E não apenas porque o momento catártico passou e a população, cansada, se retraiu. Mas porque, para muita gente, simplesmente não vale mais a pena.
Instituições esgarçadas
A manutenção forçada de um governo cuja legitimidade, honestidade e competência são questionados seria suficiente para levar o país às ruas. Contudo, a sensação é de que boa parte da população, aturdida com tudo o que foi descrito acima, está deixando de acreditar na coletividade e buscando construir sua vida tirando o Estado da equação.
O que deixa o Estado livre para continuar servindo à velha política e a uma parte do poder econômico. O Brasil cozinhou sua insatisfação em desalento, impotência, desgosto e cinismo.
Isso não estoura necessariamente em manifestações com milhões nas ruas, mas gera uma bomba-relógio que vai explodir invariavelmente em algum momento, ferindo de morte a democracia.
Como já disse aqui, quando o impeachment foi aprovado, um dos receios era o esgarçamento institucional que a retirada de uma presidente eleita pelo voto popular por um motivo frágil (pedaladas fiscais) em vez de um caminho mais sólido (cassação da chapa por caixa 2) poderia causar.
Infelizmente, o esgarçamento aconteceu. Vivemos um momento em que a sensação é de desrespeito a regras e normas – principalmente por parte do governo e de parlamentares – é amplo.
Deixar de confiar na política como arena para a solução dos problemas cotidianos é equivalente a abandonar o diálogo visando à construção coletiva. Caídas em descrença, instituições levam décadas para se reerguer – quando conseguem.
No meio desse vácuo, vai surgindo a oportunidade para ”salvadores da pátria” que se consideram acima das leis se apresentarem como a saída para os nossos problemas e nos guiarão direto às trevas.
A melhor maneira de reestabelecer o equilíbrio teria sido devolver ao povo o direito de escolher diretamente um novo mandatário para governá-lo no momento do impeachment ou através da cassação da chapa Dilma/Temer por caixa 2, impedida pelo voto de Gilmar Mendes.
Mas por falta de consenso político, por falta de melhor opção, por falta de mobilização e projetos alternativos, por muitos terem perdido a fé no país, pelo poder econômico estar ganhando com a desregulamentação do trabalho e com os ajustes fiscais que reduzem os investimentos em educação e saúde públicas, ele foi ficando.
Talvez o tempo da indignação já tenha passado para muita gente. E, por não ter produzido frutos, abriu caminho para a desconstrução daquilo que três décadas de democracia parcamente ergueram por aqui.
Não é apenas o descontentamento manifestado via redes sociais que provocaria mudanças. Para o Palácio do Planalto perder seu suporte político e econômico, algo mais forte que a greve dos caminhoneiros teria que ocorrer.
Diante do desalento e a cinco dias da Copa do Mundo, a dois meses do início oficial da campanha eleitoral e a quatro meses das eleições, parece que o cenário será esse mesmo. Conviveremos com um ex-presidente em exercício.