Busca
Busca
Trabalho

Com demissões, trabalhadores que ficam exercem várias tarefas

Confira matéria sobre funcionários-polvo, que são trabalhadores que possuem acúmulo de funções em empresas, e a opinião do secretário-geral do SMetal de Sorocaba, Leandro Soares, sobre o assunto

Jornal Cruzeiro do Sul / Larissa Pessoa
Foguinho / Imprensa SMetal
Soares, do SMetal, critica a prática, que vem crescendo

Soares, do SMetal, critica a prática, que vem crescendo

As demissões provocadas pelo corte de gastos nas empresas também podem ser prejudiciais para os funcionários que ficam, pois esses, muitas vezes, acabam acumulando funções, tornando-se os chamados trabalhadores-polvo. Isso está ocorrendo em diversos segmentos, no comércio, serviços e indústria. Sandro Vidotto, diretor de relações institucionais da regional Sorocaba da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH) e professor da Esamc Sorocaba, afirma que o funcionário multitarefa, mais que tendência, é uma necessidade em tempos de crise, mas isso deve ser uma alternativa temporária, alerta.

Implantar um funcionário-polvo deve ser emergencial e é preciso trabalhar para por fim a esta situação, pois, destaca Vidotto, as pessoas podem aguentar por um tempo uma carga maior de trabalho ou acrescentar mais atividades ao que já fazia, mas a manutenção dessa prática por muito tempo, irá levar a uma perda na qualidade e na produtividade, já que as tarefas precisam ser feitas apressadamente e, como consequência, terão menor nível de atenção. “Além disso, cedo ou tarde o estresse e outros problemas de saúde darão as caras”, afirma.

Um pouco de estresse, diz o especialista em RH, estimula a produtividade, aumenta a adrenalina, a atenção e a capacidade de realizar tarefas. No entanto, quando ele se torna contínuo, irá aparecer a insônia e com ela a irritabilidade, o cansaço e perda de atenção, que dependendo do nível de risco da atividade que a pessoa desempenha, certamente serão fortes antecedentes para acidentes de trabalho. Se essa rotina estressante continuar, lembra Vidotto, haverá manifestações físicas como gastrite, úlceras, infecções, dores de cabeça, pressão alta e até mesmo o derrame e o enfarte — situações que levarão ao afastamento para cuidar da saúde.

De acordo com Leandro Soares, secretário-geral do Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região (SMetal), para combater a criação de funcionários-polvo, o sindicato trabalha de quatro maneiras: estimula a denúncia dessas situações, negocia soluções com a empresa, organiza mobilizações de trabalhadores e entra com ações judiciais. “No caso dos processos trabalhistas, sempre que procedentes o desvio ou acúmulo de funções, temos obtido resultados positivos para o trabalhador.” Além de afetar a saúde e a integridade física do funcionário, o acúmulo de funções, destaca Soares, também impede a criação de novos postos de trabalho.

Segundo o Soares, recentemente um metalúrgico venceu uma ação contra a empresa que trabalhava por ser um funcionário-polvo. Ele conta que o homem operava uma empilhadeira sem estar treinado e habilitado para esse fim. “Ele trabalhava no almoxarifado de uma empresa, controlando entrada e saída de materiais. Com o enxugamento do quadro de funcionários, foi obrigado a operar empilhadeira para transportar e organizar produtos pesados.”

No cenário atual, segundo o representante do sindicato, o trabalhador é cobrado por resultados como se, sozinho, equivalesse a duas ou três pessoas; e muitas vezes exerce tarefas sem estar treinado para isso e sem ter oportunidade de se habilitar para essa outra função. Além disso, não recebe remuneração equivalente às funções que exerce. “Não acreditamos que a multifuncionalidade, nas condições impostas pela crise no emprego, torne o trabalhador um profissional mais completo”, afirma Soares.

Sindicatos do comércio divergem

No setor comercial, a presença de trabalhadores-polvo seria comum. Em uma loja, por exemplo, o mesmo funcionário pode ser responsável pelas compras, controle do caixa e também pelo atendimento. Segundo Ruy Queiroz de Amorim, presidente do Sindicato dos Comerciários de Sorocaba e Região (Sincomerciários), denúncias nesse segmento são feitas com frequência. Já o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Sorocaba (Sincomércio), Fernando Soranz, afirma que a prática de atribuir diversas atividades ao mesmo empregado não ocorre.

Para Soranz, do sindicato patronal, a informação de que trabalhadores acumulam funções por conta das demissões de outros funcionários, não passa de especulação. “Chequei os dados do sindicato e não temos nenhum caso desse tipo”, afirma. Segundo ele, no comércio varejista as empresas têm os departamentos administrativos e de vendas e os empregados atuam conforme a área para a qual foram contratados.

Os comércios de menor porte, afirma Amorim, são os que mais cometem irregularidades, entre elas o desvio de função e carga horária excessiva. O Sincomerciários, quando é informado sobre esse tipo de prática primeiro tenta o diálogo com a empresa, diz Amorim. “No caso de grandes redes de magazine, nós já encaminhamos até para o Ministério Público.” O presidente do Sincomerciários afirma que a crise não pode ser usada como pretexto para expor o trabalhador a duplas ou triplas funções.

Relatos

Jaqueline arrumou o primeiro emprego há dois anos em um pequeno mercado na região oeste de Sorocaba e quando entrou na empresa tinha mais cinco colegas de trabalho. Hoje divide as tarefas apenas com mais duas pessoas e diz se sentir pressionada. “Nem podemos reclamar, pois do jeito que está eles arrumam outra pessoa para colocar no meu lugar rapidamente”, avalia. Além de trabalhar no caixa, a jovem também atende no balcão de frios e faz reposição de produtos. Quando é necessário, ela também atende os entregadores de mercadoria.

Cansado de acumular funções e trabalhar até 14 horas por dia, Felipe pediu demissão da serralheria que atuava, na zona norte de Sorocaba, e hoje pega alguns serviços para fazer em casa. “Além de fazer os portões ou outras encomendas, eu também tinha que fazer a entrega, muitas vezes sozinho, e precisava carregar muito peso e comecei a sentir muitas dores nos braços e nas costas”, reclama. A renda, conta, diminuiu cerca de 20%, mas hoje ele afirma que sua saúde está melhor e tem mais qualidade de vida.

Os trabalhadores entrevistados tiveram os nomes alterados para preservar suas identidades.

tags
Acúmulo Funções leandro Metalúrgicos Polvo Sandro sindicato SMETAL soares Sorocaba Tarefas trabalhador Vidotto
VEJA
TAMBÉM