Campinas (SP) e Americana (SP) estão entre as quatro cidades do estado de São Paulo com mais registros de funções análogas à escravidão nos últimos 14 anos, segundo dados do Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil, vinculado ao Ministério Público do Trabalho (MPT) e à Organização Internacional do Trabalho (OIT). O balanço reúne dados de 2003 até abril deste ano e apontou que os dois municípios somam, juntos, 204 resgates de funcionários nesta condição.
Ainda de acordo com os dados do observatório, Campinas e Americana estão na terceira e quarta posições da lista com mais casos de trabalho análogo ao escravo no estado, com 103 e 101 registros, respectivamente. Os municípios só ficam atrás de Guarulhos (SP) (121 resgates) e São Paulo (SP) (525). A cidade com mais casos no Brasil é Confresa (MT), com 1,3 mil casos de 2003 a 2017.
Funções na indústria têxtil
O balanço ainda especifica detalhes como principais ocupações, setores e origem, entre outros indicativos. No caso de Americana, conhecida por sediar um dos principais polos têxteis do estado, as funções que mais tiveram registros de trabalho análogo ao escravo foram costureiro e ajudante de confecção. O cargo soma 72 funcionários em condições análogas à escravidão, o que representa 71% do total.
Além disso, dos 101 funcionários resgatados no município, o MPT possui o registro de origem de 83, sendo que 42 são naturais de Americana e 41 são de fora do município. O dado surpreendeu o especialista em direito trabalhista Jailton Ribeiro Chagas, que acreditava que a maioria dos resgates seria de estrangeiros, principalmente bolivianos, que vieram ao Brasil para trabalhar em condições precárias nas indústrias têxteis da cidade.
“Isso assustou bastante. Eu acreditava que a maioria era estrangeiros, que não tinham muita oportunidades e eram obrigados a se submeter a esses tipo de trabalho. No entanto, nós vimos que 42 pessoas eram da própria cidade de Americana. Isso é retrato da baixa geração de empregos de Americana e também da falta de modernização das indústrias têxteis”, disse.
Resgates em Campinas
Já em Campinas, o panorama muda em comparação com Americana. Dos 103 casos no município nos últimos 14 anos, a ocupação que teve mais frequência de resgates foi vendedor ambulante (10), seguido de pedreiro (6) e pintor de obras (6). Além disso, dos 34 funcionários que têm registro, 18 são naturais do município e 16 são de outras localidades.
“Precisamos entender a questão do Brasil nos últimos anos. Por conta da retração da economia e da situação de crise de muitas empresas, muitas pessoas que foram demitidas viraram autônomas. Quem não virou, foi para a informalidade, e se tornaram ambulantes. Essas pessoas acabam mesmo escravizadas por quem compra no atacado e coloca esses ambulantes para vender”, afirmou Jailton Ribeiro Chagas.
Segundo o advogado, apesar do número alto de Campinas e Americana, o balanço do observatório não representa nem 30% do total de casos de trabalho análogo à escravidão que acontecem no município.
“A maioria desses resgates são feitos por denúncias anônimas, porque o estado não tem um efetivo para fiscalizar, por isso que, infelizmente, acontecem mais casos. A falta de instrução das pessoas e a economia do país são os principais fatores para isso acontecer”, explicou o advogado.